Uma gestão cultural transformadora
A Cultura está presente em todas as ações da sociedade. A resignação ou inconformismo com que o cidadão encara sua realidade é, sobretudo, uma conduta cultural. O próprio fato de o indivíduo se perceber enquanto cidadão é fruto de condicionantes culturais e históricas. Uma ação de governo que se pretenda progressista, ou transformadora, tem a Cultura como prioridade.
A Cultura não pode ser confundida com eventos isolados, que se bastem em si mesmos. Muito menos pode ser reduzida a mero entretenimento ou restrita às Belas Artes ou à “alta cultura”, erudita e hermética. Cultura é um pouco disso tudo, mas também as referências históricas, costumes, condutas, desejos e reflexões. Evidentemente, o evento artístico, como concretização de um processo, tem um papel importante e muitas vezes é nesses acontecimentos que as pessoas tomam contato, pela primeira vez, com determinadas obras de arte; e são tocadas por elas. Também o entretenimento traz um componente lúdico fundamental para o Fazer Artístico e seria de um profundo elitismo masoquista negar este aspecto agradável da Arte. Mas, antes de tudo, Cultura é “o cultivo da mente”. Ou, nas palavras de Bertolt Brecht, “(…) é pensar, é descobrir“.
Democratizar a Cultura é democratizar o acesso aos bens da cultura universal, permitindo às pessoas se elevarem à autoconsciência de participar no gênero humano. Ampliar o raio de ação das obras culturais e não adaptá-las, moldá-las, enfraquecê-las, permite ao indivíduo se apropriar de instrumentos capazes de romper a falsa consciência alienada e particularista que o impede de desenvolver uma postura crítica diante do mundo em que vive. “Deve-se elevar a cultura do povo!”, defendia Maiakóvski.
A distinção entre Cultura Erudita e de Massas e destas em relação à Cultura Popular é uma maneira de hierarquizar culturas e assegurar a sobrevivência de um regime social. Esta distinção apresenta a elite como detentora de um saber e bom gosto que a legitima ao pleno exercício do poder. À massa – como se existisse esta categoria amorfa e compacta – é oferecida uma cultura pasteurizada, feita para atender a necessidades e gostos medianos de um público que não deve questionar o que consome. Manter esta distinção significa manter um status de dominação. Romper com esta realidade, difundindo uma cultura que seja instrumento de crítica e conhecimento, é o caminho para a ampliação da cidadania. Vista deste modo, a cultura deixa de ser um bem secundário em um país de tantas carências e passa a ser um bem social, assim como as áreas de saúde e educação. Por estes motivos uma gestão pública de Cultura deve ser entendida como prioritária e social, como alavanca de transformações.
Patrimônio Cultural
Recuperar e conhecer o Patrimônio Cultural é a base da nacionalidade. Um povo sem um acervo de conhecimentos, arte e memória, não tem referências que lhe permitam projetar-se ao futuro; estará condenado a mero receptor, nunca um criador. O empobrecimento cultural, a degradação ambiental e a perda de perspectivas criativas prosperam no terreno fértil do desrespeito e do desconhecimento do Patrimônio Cultural.
Preservar o Patrimônio não é contraditório com o desenvolvimento econômico e social; pelo contrário, impulsiona-o. O Patrimônio Cultural também não pode ser reduzido a um mero conjunto de edifícios ou obras de arte; ele é vasto e envolve todos os campos da ação humana, tangíveis ou intangíveis. O meio ambiente e nossas reservas naturais, degradadas ou não, fazem parte desse patrimônio, assim como o conhecimento científico e tecnológico, documentos escritos, imagens, objetos, danças, estórias infantis, músicas, lendas compõem nossa herança. Esta é a base de nossa identidade (ou identidades), sendo o alicerce do desenvolvimento econômico, tecnológico, social e artístico. Reforçar a identidade cultural também significa revelar contradições e romper com uma identidade aparentemente homogênea, construída apenas baseando-se em determinados marcos representativos da cultura dominante.
Com base nestes conceitos, a prioridade a Museus, Arquivos e Bibliotecas é decorrência. Do mesmo modo o registro literário, sonoro e visual da produção artística de nossa época é uma meta da qual não se deve descuidar. Tombamentos, áreas envoltórias e revitalização ambiental compõem um capítulo à parte e são fundamentais para o progresso social de todo e qualquer povo. Situam-se em uma fronteira onde os interesses econômicos entram em choque direto com os interesses da cultura. Este choque, entretanto, acontece mais em função da ignorância dos agentes econômicos e de um certo dogmatismo e despreparo por parte dos encarregados de sua preservação.
Existem soluções que valorizam estética e economicamente os bens tombados; é preciso, no entanto, um esforço de análise e capacidade de diálogo para encontrar tais alternativas. A Troca do Potencial Construtivo é uma delas; mas há outras que podem ser elucidadas em um debate à parte.
Formação Cultural
Uma política democrática de formação cultural não é uma simples relativização cultural, um “deixar fazer” sem critérios. Democratizar significa oferecer alternativas, desenvolver um trabalho de contracultura em relação às imposições do moldável mercado. E se contrapor à indústria cultural, de consumo fácil e gosto duvidoso.
A Formação cultural deve ser analisada amplamente e engloba desde o aperfeiçoamento permanente dos agentes culturais diretos (atores, músicos, produtores culturais, artistas plásticos, cineclubistas, etc) até um projeto de iniciação artística de amplo alcance. Um programa de formação cultural que atinja, simultaneamente, milhares de pessoas, deve estar solidamente implantado na complementação educacional de crianças e adolescentes e oferecer cursos descentralizados dirigidos a donas de casa, jovens, idosos e trabalhadores. Além de cursos, a Formação deve prever o amplo acesso a livros, obras de arte e espetáculos dos mais variados estilos. Isto é formação de gosto e só se gosta daquilo que se conhece.
Casas de Cultura administradas em co-gestão (poder público/comunidade) e com um funcionamento articulado com Instituições mais bem equipadas, como Museus e Teatros, representam uma alternativa. Outras experiências, a exemplo do Projeto Recreio, em São Paulo, que oferece atividades culturais e recreativas para milhares de crianças durante as férias, também apontam no caminho de uma formação cultural sólida, permanente e de amplo alcance.
A Formação Cultural amplia horizontes e distribui renda para uma população carente de possibilidades. Permite que talentos se destaquem e seja formado um público mais crítico para, no futuro, consumir – e também produzir – uma cultura mais elaborada. A articulação de um efetivo Sistema de formação cultural também amplia o mercado de trabalho para artistas.
Informação e Difusão Cultural
Vivemos cada vez mais em uma sociedade onde informação é poder. Romper com a alienação e o embrutecimento imposto a amplas parcelas da população é, efetivamente, desenvolver uma política democrática, de conquista da cidadania. Isso significa prever uma ampla e pluralista oferta de produtos culturais. Manter a população no campo de uma cultura “rasa” é o melhor caminho para subjugá-la.
Para romper com este quadro é necessário “depurar” o “senso comum” elevando a interpretação da Cultura a uma concepção de mundo mais organizada e sistemática, colocada à altura da modernidade. Gramsci via a Cultura como instrumento de uma práxis crítica que, sem descartar os elementos de uma cultura mais elaborada (chamada por muitos de erudita), desenvolve um processo de elevação da consciência.
Essa concepção não é estática e percebe uma inter-relação dinâmica entre os diversos níveis da Cultura. Assim como não se deve condenar o uso do “agradável” e do entretenimento como instrumento de fruição do “estético”, também a difusão cultural de massas tem um papel neste processo de evolução da consciência crítica; a música popular, em vários momentos, é um exemplo disso. A televisão é outra alternativa de como podemos introduzir “elementos culturais críticos” e novas referências a uma população que, pela primeira vez, pode ter contato com produtos culturais e conceitos, antes inacessíveis. Evidentemente esta é uma possibilidade; no momento, infelizmente, não é a tônica da programação televisiva.
Uma gestão pública de Cultura deve balizar-se por conceitos ao gerenciar a programação cultural da cidade e os conceitos brevemente explicitados neste ensaio são fundamentais para uma gestão que se pretenda transformadora. A programação cultural deve ser sempre pluralista, sem interferências de gosto, conteúdo ou estética. Este pluralismo, no entanto, não pode deixar de perceber que o produto cultural encontra níveis variados de circulação e exposição.
Parte da produção artística terá sempre espaço no mercado – muitas com pouca inovação, é fato. Porém, é preciso quebrar preconceitos e reconhecer que o mercado também abre espaço para produtos de excelente qualidade, estética e de conteúdo. Como estas já estão inseridas no mercado, devem ficar a cargo da iniciativa privada. Mas existem produtos culturais em que a iniciativa privada se revela incapaz de promover, cabendo ao poder público suprir esta insuficiência de modo a assegurar uma múltipla oferta de bens culturais. A realidade mostra, para desmoralização das teses neoliberais, que esta insuficiência, no Brasil, é regra.
Ao Poder Público cabe dar suporte, prioritariamente a:
a) Festivais, eventos e projetos voltados a produções experimentais ou de vanguarda;
b) realizações culturais comunitárias ou populares; e
c) produções Artísticas que representam um efetivo patrimônio cultural (consagrados solistas ou orquestras, grupos nacionais ou estrangeiros com significativa contribuição para as artes, grandes exposições etc). Mesmo quando encontram patrocínio privado tais eventos dependem do apoio público em função de sua complexidade e custo.
Esses critérios difundem a cultura e a arte em sua melhor expressão e preservam o que há de mais específico nos valores culturais: o respeito à criação simbólica. Longe de representar uma imposição do Estado, uma gestão de cultura fundada nestes conceitos liberta o indivíduo e amplia seu repertório cultural; não faz imposições ou estabelece regras; valoriza a arte e não a submete a fórmulas fáceis ou esquemáticas; dignifica a criação e a humanidade.
Criação e Produção Cultural
A Cultura é um instrumento de relações sociais e é a única forma pela qual os homens podem atuar em sociedade. As pessoas se percebem pela cultura e por ela estabelecem relações entre si, definem valores e significados. Assim, ela se manifesta na criação artística, nunca é supérflua e o trabalho a ela destinado nunca é inútil, representando o espelho da alma humana. Quanto maior for o domínio de análise simbólica que as pessoas têm sobre a produção social, maior será a sua capacidade de articulação na sociedade.
Criação é, portanto, o objetivo que completa uma Política Cultural e ela se expressa de duas formas:
a) Através da reflexão e da análise, desdobrando-se em comportamentos e condutas; e
b) pelo Fazer Artístico.
Ao Estado compete assegurar total liberdade de manifestação e expressão, sem censura ou critérios de valor. A criação, mesmo acontecendo em qualquer lugar e em todas as atitudes da sociedade, necessita de espaços próprios para se realizar plenamente. Uma Gestão Pública de Cultura deve articular a abertura e manutenção desses espaços.
Como primeira medida deve-se incentivar Espaços e Salas geridas pela iniciativa privada como Teatros e Espaços Alternativos, Casas de Espetáculos, Auditórios, Cinemas, Galerias de Arte, específicas ou de empresas (Bancos, Shoppings, Restaurantes), Bares com música ao vivo, Livrarias etc. Este apoio pode vir na forma de incentivos fiscais ou, principalmente, de uma articulação de esforços e uma legislação específica.
Outra alternativa é a utilização de espaços públicos e comunitários, tradicionalmente não utilizados para a Arte, como Escolas, Sindicatos, Igrejas, Ruas e Praças. Ao Poder Público local cabe uma enorme responsabilidade quanto à abertura e manutenção de espaços culturais. Teatros, Museus, Centros Culturais e Bibliotecas enquadram-se nesta categoria e, definitivamente, sem verbas não é possível fazê-los funcionar. Quanto a outros níveis de governo, mais que gerir equipamentos, cabe articulá-los em um sistema único de produção e difusão cultural.
Apoio à produção cultural, porém, é muito mais que o incentivo, gerenciamento de agenda e manutenção de espaços. Cabe oferecer áreas coletivas para ensaio, oficina e guarda de cenários e figurinos, laboratórios, ateliês de arte (forno de cerâmica, prensa, laboratório fotográfico etc), equipamentos de uso comum além de intercâmbios que permitam aos artistas locais uma troca de experiência (um efetivo programa de apoio a viagens) e um maior contato com personalidades e referências da cultura nacional e internacional, inclusive desenvolvendo trabalhos em conjunto. A sociedade também deve se comprometer com a manutenção de Corpos Artísticos Estáveis, pois sem eles dificilmente se consolida uma tradição artística.
O Financiamento da Cultura
Se a Cultura e a Arte realmente são consideradas importantes cabe à sociedade lhes destinar recursos. O Fazer Artístico não depende apenas de criatividade, talento e bons conceitos, precisa de verbas. Vários grupos e artistas só têm acesso a recursos via esfera pública. E tem sido assim ao longo de toda a história e, portanto, é preciso disciplinar criteriosamente a aplicação destes recursos.
Um hábito que tanto infelicitou, e infelicita, nossa política cultural é a prática do “balcão”, do clientelismo/paternalismo, dos critérios obscuros e motivações idem. Outro equívoco é atribuir essa tarefa às Leis de Renúncia Fiscal, como se fosse a única alternativa possível. Ao invés de acrescentar recursos privados à cultura, essas leis apenas transferem a gestão de recursos públicos à esfera privada, delegando a suas diretorias de marketing a função de definir quem deve receber esses recursos. Mais uma vez concentra-se fundos, tanto do ponto de vista regional como social, excluindo, principalmente, os setores que mais necessitariam desse apoio (projetos comunitários, de vanguarda ou experimentais ou então de regiões mais distantes do eixo decisório do capitalismo brasileiro). É preciso repensar leis – como a Rouanet e outras – que, no embalo de um neoliberalismo mal-resolvido, atendem muito mais às iniciativas do mercado cultural do que às suas boas intenções.
Há outras formas de captação de recursos além das verbas públicas. E o marketing cultural é uma ferramenta importante, não negamos, mas ele deve vingar muito mais por seus atributos próprios, agregando valor social à marca do patrocinador, do que propriamente à renúncia fiscal. Também existem experiências que caminharam em outro sentido. Entre 1990-93 Campinas, com uma Lei de Incentivo à Cultura, criou um Fundo Público. O recurso de que o município abriria mão para a renúncia fiscal (0,5% das receitas correntes) ia todo para o Fundo e sua gestão era compartilhada. Para evitar dirigismos e as tão nocivas imposições de gostos ou rumos, o governo transferiu ao Conselho de Cultura a função de definir critérios para a distribuição de recursos. Havia acesso a esses recursos exclusivamente por edital público e a escolha dos contemplados era feita por comissões julgadoras especializadas, compostas por profissionais de fora da cidade. Outro exemplo bastante promissor é o originado com o movimento “Arte contra a Barbárie”, em São Paulo.
Em todo caso, esse é um debate que exige muito mais que estes parágrafos; mas, em algum momento será preciso enfrentá-lo.
Neste processo, a Opinião Pública tem um grande papel. De um lado cobrando verbas públicas para a Cultura, ou seja, o recurso público que tradicionalmente é destinado à renúncia fiscal iria diretamente ao Fundo Público, além da própria ampliação do orçamento da cultura. De outro, cobrando presença mais consistente da iniciativa privada, em especial de grandes empresas, centros comerciais e multinacionais. Vários são os casos de multinacionais que destinam milhões de dólares à cultura em seus países de origem e fazem isso contando apenas com os atributos próprios do marketing cultural, sem precisarem de renúncia fiscal ou de incentivos do governo. No Brasil, apesar de tanto lucrarem somente se dispõem em investir se o governo abrir mão de impostos que elas obrigatoriamente teriam de pagar. Uma postura menos servil e mais crítica quanto a este tipo de atitude seria de grande contribuição para a cultura nacional. Estamos no momento de tomá-la.
Gestão da Cultura
Estes conceitos que envolvem a Cidadania Cultural estão alicerçados no patrimônio cultural, na formação, informação e na criação; não se realizam instantaneamente, têm um caminho longo a percorrer. Sofrem recuos, dependem de reavaliações e, normalmente, são incompreendidos no momento de sua aplicação. Em um processo de mudança social as mentalidades mudam por último, mas sem um início de mudança nas mentalidades não há transformação possível.
Gestão é – antes de tudo –, definição de política. E definição de política implica em posicionamento ideológico, não podendo ser confundida com um processo neutro de gestão. As decisões nunca são neutras, assim como a burocracia. Cabe lembrar que uma gestão profissional, e competente, não é sinônimo de tecnocracia, mas sim de uma conduta pública coerente, em que conceitos e políticas são apresentados à sociedade de forma clara, permitindo o debate e transformando esse debate em realizações e conquistas da cidadania. Por isso, os Conselhos são tão estratégicos, cabendo a eles a mediação entre Poder Público e Sociedade. Uma postura democrática de governo deixa abertas possibilidades para experiências alternativas e do mesmo modo não deve pretender, a cada nova gestão, “inventar a pólvora”, cabe aproveitar aquilo que é positivo e ir adiante rumo a uma efetiva e consistente transformação. Mais que executar, cabe liberar potencialidades da sociedade, abrindo espaço para outras Instituições e agentes que não estejam na esfera pública. O Estado tem de estar a serviço da sociedade e nunca o contrário; assumir uma postura mais humilde e menos impositiva quanto à proposição e execução de programas faz a administração pública crescer e a coloca no importante papel de articuladora de recursos materiais e humanos. Romper com a idéia do Estado onipresente e autoritário é perceber na sociedade – e em todos os cidadãos – a principal fonte de produção da cultura.
Cultura como filosofia de Governo
A cultura permeia todas as ações da sociedade e, por conseqüência, todos os programas de governo. Cultura é comportamento, se manifesta nas mínimas relações do cotidiano, é postura frente ao mundo. A auto-organização do povo para compras comunitárias, ou organização de cooperativas, é cultura; sua conformidade em enfrentar filas, maus cheiros, desrespeitos, humilhações é cultura; sua resistência, seu modo de encarar as adversidades é cultura; sua luta, individual ou coletiva, é cultura. Pela cultura superamos nossas realizações e reformas.
A proposta de desafio à classe trabalhadora e à sociedade civil deste país deve vir através da reflexão crítica de suas próprias demandas; redefinindo símbolos, idéias, valores e comportamentos; definindo um projeto de nação. Pela cultura a sociedade se afirma – de forma consciente ou não – como passiva, reivindicativa ou participativa. Com a cultura uma nação se supera no refazer da solidariedade, no direito à apropriação de sua memória e como conhecimento da importância do seu papel transformador.
Assim sendo, cabe desenvolver programas de conhecimento e descoberta da cidade, das regiões e do país (turismo social); realizar eventos de lazer, cultura e esportes que promovam a paz e o congraçamento entre cidadãos. Vale lembrar que a violência urbana tem inúmeras matrizes; uma delas é a ausência de lazer, de perspectivas para “passar o tempo”, cultivar a mente. Nos bairros pobres das grandes cidades nem áreas verdes há; quando muito um “raspadão” – campo precário, sem grama –, para jogar futebol nos finais de semana. E mesmo assim um espaço de lazer apenas para homens, do mesmo modo que os bares e mesas de bilhar. Às crianças, mulheres e aos idosos sobra televisão e as ruas, quando muito; aos jovens nem isso. A eles sobra a falta de perspectivas.
Cultura como filosofia de governo gera renda, é social, amplia os horizontes. Por isso mesmo, devemos estar abertos a importar e exportar culturas. Este é o motor da mudança: pelo intercâmbio e a troca nos desenvolvemos. A cultura integra ações, dá sentido às realizações e reformas dos governos. Ela é o fio condutor que une o direito à saúde, ao transporte, à moradia, à escola, ao trabalho, à cidadania. Com a cultura, e só com ela, conduziremos nossa sociedade à igualitária democracia, recolocando os cidadãos no caminho da emancipação humana.
Em resumo: um programa de Governo pautado no princípio da cidadania cultural administra a cultura de forma integrada, sistêmica. Reconhece no patrimônio histórico e cultural a base para toda a sua ação, preservando todos os bens que se constituem em referências fundamentais para a afirmação e construção de nossas identidades. Forma consciências; oferece alternativas e amplia o repertório cultural do povo. Informa, democratiza o conhecimento, respeita as diferenças. Convida as pessoas a refletirem sobre sua realidade. Cria. Transforma.
Célio Turino é historiador, ex-secretário de Cultura e Turismo em Campinas/SP (1990/92), e diretor de Promoções Esportivas e Lazer na Prefeitura de São Paulo.
EDIÇÃO 71, NOV/DEZ/JAN, 2003-2004, PÁGINAS 73, 74, 75, 76, 77