Sou feliz porque sou gigante
Certa manhã, quando despertei,
percebi que me tornara um gigante.
De início julguei
que tudo não passava
de um sonho prolongado.
Só me convenci
quando a noite chegou.
Ao correr
quase minha cabeça
se estilhaça
contra uma estrela.
Para continuar,
tive que correr assim:
esquivando-me dos astros.
Entre as crianças espantadas,
houve quem atirasse pedras.
Tudo mudou quando, numa tarde,
nuvenzinhas esvoaçavam no céu.
Com hastes de bambu,
minhas mãos iam até lá
e delas fazia algodão doce
e a gurizada à minha volta
festejava e se lambuzava de açúcar.
Logo na primeira semana,
o mau cheiro indicava-me
o caminho do banho.
Mas, se no oceano
eu mergulhasse,
o impacto afundaria os navios
e alagaria as cidades.
Decidi lavar-me no azul do céu.
Se quisesse,
poderia fazer da lua
uma bola de futebol,
do espaço entre duas estrelas
o gol,
de uma nebulosa,
a rede.
Logo nos primeiros dias,
aprendi que teria que pensar
duas vezes
antes de usar
os meus poderes de gigante.
Montevidéu, Luanda, Londres,
as cidades e os países
eu ia em segundos.
O passado e o futuro,
os percorria quando bem entendia.
Fui guerreiro de Spartacus
contra Roma
e bem mais no passado
lutei com um dinossauro.
Mas tive medo
de mergulhar no futuro
e encontrar o planeta
habitado apenas por baratas.
Gigante, aprendi
o idioma dos rios e das plantas.
Conquistei a amizade
dos animais e dos lagos.
Gigante, os meus olhos
se viram livres de qualquer vileza,
as pupilas ganharam
o brilho da bola de fogo da aurora
e a candura das pessoas
quando crianças ou sábias.
Verbos do Amor & Outros Versos – Adalberto Monteiro
Goiânia – 1997
Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).