Da minha fome por uma fruta síria
A fome que tenho por ti,
não é a de cravar minha boca
sobre a superfície da tua vida,
para saquear tua essência
e, sujo dela, voltar para casa
como um cão volta de uma caçada.
O meu amor não é uma alcatéia
que planeja tingir os dentes de vermelho
quando dobrastes a esquina
ou quando, incauta,
fores ao bosque passear.
O meu amor não é por fruta
pronta, descascada.
E as minhas mãos não são as de um senhor
que quer administrar a elaboração da fruta,
rosnando-lhe a tonalidade da casca,
o vigor do sabor, e a agressividade da conduta.
A minha fome é apenas por terra,
arar e ser arado por ela.
E pouco me importa
que a terra já tenha sido fruta
posta em augusta mesa de lei,
forrada com toalha de seda vinda da Síria.
É claro que me importa e me fulmina
a fartura da tua doçura
a ilha que é o teu sorriso
e a nação que tu és.
Mas, sobretudo,
é importante
que ora estejas adiante me puxando;
e ora esteja eu gritando:
— Cuidado com a história,
estás te atrasando.
Os Sonhos e os Séculos – Adalberto Monteiro
Círculo Azul Livros – Goiânia – 1991.
Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).