De médico todo povo tem um pouco
No Brasil a medicina popular medica muito mais que a ciência. Não tem uma dona de casa, um feirante, uma lavadeira ou, até mesmo, um professor que não conheça um chazinho, um melzinho para isso ou para aquilo ou um remédio muito bom para curar tudo. É por isso que muitas vezes as receitas, crendices e as ervas populares se sobrepõem à medicina. Foi assim que aconteceu quando se encontraram o doutor Gilberto e a dona Clotilde.
Doutor Gilberto, um experiente médico, magro e alto, atende nas proximidades da praça XV de novembro. No pouco que resta de seus cabelos percebe-se que havia sido um jovem loiro de vasta cabeleira.
Dona Clotilde, conhecida pelos visinhos e próximo de Tilde, é uma senhora corpulenta, descendente direto dos quilombolas da região e muito carismática, típico dos habitantes da velha Desterro. Dona Clotilde, diferente do doutor Gilberto que reside em Jurerê Internacional, mora num morro do Saco dos Limões e quando chove, ela tem que subir ladeada por seus visinhos.
Pois bem. Dona Clotilde, que há muito tempo se reclama de pontadas no coração e já havia tomado todos os chazinhos e remédios que seu conhecimento popular e de seus vizinhos lhe instruíra, resolveu procurar um médico. Calhou de ser atendida pelo doutor Gilberto que também há muito tempo sentia uma queimação no estômago mas a falta de tempo o impedia de procurar um colega de profissão.
– Próximo! Gritou de dentro de sua.
– Bom dia doutou.
– Sente-se por favor. O que a senhora está sentido?
– Óia doutou faz tempo que eu sinto uma pontada no coração. Já fiz de tudo mas nada adiantou. Tomei um remedinho miúdo que seu Anestou da padaria me receitou, tomei um graúdo que dona Agripina me deu e disse que era tiro e queda, mas nada. Tomei um chazinho de limão com mel….
– Este é para a gripe.
– Pois é, mas no desespero vale tudo. Estou muito preocupada.
– Dona Clotilde, a senhora sabe que eu também tenho um problema assim como a senhora e não consigo curar?
– Ah é doutor?!
– Sim. Eu tenho uma tremenda queimação aqui na parte superior do estômago e eu sempre acordo com um grande mal estar.
– Óia. Aqui na Tenente Silveira tem um médico jovem mas muito conhecido, sai direto na RBS e no Diário Catarinense. Qual é mesmo o nome do guri? Ah, lembrei! Doutor Joaquim, é um gringo muito simpático, ele é médico de estômago, já me receitei com ele e fiquei boinha da queimação. Mas se o senhor não puder ir, o senhor pode tomar o remédio que ele me passou que, este sim, foi tiro e queda.
– É mesmo dona Clodilde.
– Tilde, pode me chamar de Tilde.
– E qual é o nome deste remédio dona Tilde? Escreva aqui pra mim, por favor. Pediu totalmente compenetrado e interessado no assunto.
– É antak. Deixe eu copiar aqui pro senhor: An-ta-que. Agora se o senhor não se sentir bem pode tomar também um chazinho de boldo três vezes ao dia…
– Sente-se aqui dona Tilde, conseguirá escrever melhor. Disse isto se levantando do seu lugar para ceder à dona Clotilde. Enquanto ela falava, o doutor Gilberto sentou-se lentamente no lugar do paciente e interessadíssimo no assunto, acabou por esquecer-se de onde estava.
– Pode ser o mesmo chá para economizar boldo. O senhor faz e deixa lá guardado. Toma um gole ao acordar – dizia isto enquanto escrevia – outro gole à tarde e o último à noite. Se persistir o senhor mastiga todo dia de manhã umas folhinhas de coentro durante três meses que eu garanto, o senhor será outro homem, nunca mais sentirá esta queimação no estômago. Agora se ainda assim o senhor sentir que não melhorou, me procure novamente. Certo?
– Certamente dona Tilde. Muito obrigado – disse enquanto dobrava a receita passada por dona Clotilde e a enfiava no bolso – Prometo a senhora que volto. Disse isto, abriu a porta e saiu do consultório enquanto dona Clotilde gritava:
– O próximo!
[Desenvolvi este texto a pedido de um velho, bom e grande amigo de Florianópolis]