Ramos de Oliveira chegou à praça logo cedo de manhã. Comprou seu jornal, sentou no banco, sacou do bolso o pacote de bolacha dormida e o distribuiu aos pombos em farelos desmanchados com a mão. Como todos os dias, passeou os olhos aguados pelo diário, circulou alguns anúncios com a caneta-tinteiro de seu finado avô, fez o balanço dos trocados no bolso para a paçoca e pensou em Beatriz, sua empregada.

      Ela tinha se mudado de mala e cuia para sua casa depois daquela noite. Vinha de longe, terras secas, para se prostituir naquela cidade tão cheia de recatos moralistas. Numa tarde, sem mais nem quê, pedira para trabalhar de faxineira pra ele. Consentiu que fosse uma vez por semana. Mas a coisa acabou aumentando pra duas, três vezes, até virar de segunda a segunda.

      Aquela noite, céu fechado de tanta nuvem – temporal desabava logo logo –, tava sentado na varanda, calculando despesas e pesando sentimentos confusos: aquele cheiro dela esparramado pela casa toda; aquelas carnes que se entreviam por sob a chita leve de florzinhas; aquele jeito presto e zeloso de despejar o feijão no prato fundo; ele, bode velho, já avô de neta de sete anos, e ela moça de pouco mais de vinte – como podia dar certo? Mas que era bom tê-la por perto, ah, isso era. Dava outra alegria.

      Tava nisso, quando Beatriz chegou de repente, como sempre, e disse assim: “Posso dormir aqui hoje?”.

      Não acrescentou mais nada. Não falou da chuva pra cair, nem da distância até seu barraco. Ramos, por sua vez, simples, como se sempre tivesse esperado por esse dia, respondeu um sim tranqüilo. Ela foi tomar banho, ele foi se deitar com seu pijama verde-água. Mais uma vez repentinamente, irrompeu no quarto nua e molhada, enfiou-se debaixo do lençol e tudo foi o milagre pelo qual ele nunca aguardou.

      “É verdade, santas senhoras, tenho uma quenga em minha cama. – pensava Ramos no banco, observando as matronas que lhe torciam o nariz de passagem – Grande buceta e grande alma! Que mais importa?”

      Ergueu-se num gemido. Sorriu para os pombos e, no caminho, entregou a caneta de seu avô a Nequinho, poeta moço, que, emocionado, prometeu-lhe uns versos supimpas para a semana seguinte, “hein, seu Ramos!”.

      – Carece não, seu Neco. Já tenho lá em casa meu túmulo e paraíso.