Dorotéia chegou ao boteco no instante em que Antenor encostava o copo na boca. Postou-se na porta de mãos nas ancas e lançou um olhar fuzilante ao marido. O homem congelou-se no gesto. Ficou na posição, parado, entre o prazer prometido e a fúria da nêga. Dilema duro de resolver: entre a preta e a branquinha, o que fazer?

      Seu Laudelino veio em socorro, tirou-lhe o copo das mãos e o substituiu por uma xícara de café. Mas já era tarde. Dorotéia já tinha pêgo o sujeito com os beiços na botija e agora é que iam ser elas:

      – Ô, Tenor, cê pensa que sou besta, é?

      – Ôh, minha preta, ocê tá aí?

      – Tô não. Isso aqui é um espríto. Eu tô mesmo é lá em casa, lavando suas cueca.

      – …

      – Nasci ontem não, viu, seu Tenor? Bóra pra casa.

      A birosca inteira já se ria. Antenor, vexado, fez uma cara de homem muito brabo, impou o peito de poucos cabelos e fez voz de autoridade.

      – Num tá vendo que tô ocupado? Chispa ocê pra casa, que bar não é lugar de mulher casada.

      – Hm, quem não te conhece, que te compre. Desde quando você manda alguma coisa aqui, Tenor? Se é pra se exibir pra esse monte de vagabundo, perde o seu tempo, que tudo eles já sabe de sua froxura. Bóra, deixe de nove hora.

      Antenor chegou-se bem perto da esposa e suplicou:

      – Ô, Téia, porque ocê faz assim comigo, nêga? Num tá vendo que passo o maior carão contigo aqui?

      – Nem carão, nem meio carão. Bóra que tenho panela no fogo e deixei Fininha cuidando dos pequeno. Bóra.

      Antenor ficou parado, mão no balcão, olhando fundo a impiedade da mulher. Custava deixar ele ali em paz, tomando uma caninha, para relaxar de um dia inteiro naquela sapataria desgraçada? Era por acaso homem de chegar bêbado em casa, judiar dela e dos filhos?

      Uma revolta subiu de dentro dele e veio se instalar em seus olhos miúdos. Virou-se pra o proprietário da bodega e desferiu:

      – Me dá uma cachaça, seu Laudelino.

      – Como é? – perguntou confuso o velho.

      – Isso mesmo que o senhor ouviu: uma dose.

      Pasmo geral na audiência. Dorotéia, estarrecida, assistia a tudo sem acreditar no que via e ouvia. A voz do marido tinha outro tom, um quê de mais grave, seguro.

      Seu Laudelino serviu o freguês. De uma só talagada, Antenor passou pra dentro a bicha. Nem fez careta. Olhou duro nos olhos de sua companheira e pronunciou sereno:

      – Bóra.

      Desse dia em diante, Dorotéia só era visto rindo.