Tenho uma ampulheta sobre a torre de meu micro. De vez em quando, ponho a areia pra escorrer. (Gosto do tempo. O que nele me incomoda é sua impiedosa paisagem. Acaba por denunciar, em sua passagem, o que não fizemos e deveríamos ter dito. Por isso, acho, evitamos vê-lo passar. Ocupamo-nos de um monte de coisas a fim de preenchê-lo e, desse modo, ludibriá-lo).

      A ampulheta, ganhei-a de presente. Recebi-a de inesperadas mãos, junto com um livro sobre história do Brasil. Terminei de ler o livro. Muito bom. Bem escrito, parece um romance, com lances que nos amarram ao capítulo seguinte.

     Relógio de areia e livro de história. Ambos os presentes relacionados com o tempo. Também dei um presente a ela. Espero que tenha agradado. Um perfume. Entrei na loja e disse à vendedora: “Negra, entre 30 e 40 anos, linda e elegante; um riso que, quando se expande, comove montanhas”. A moça me fez provar inúmeras fragrâncias. Escolhi uma que me despertava lembranças; que, passando na rua, a reconhecesse.

      Quando entreguei o perfume, fiquei sem jeito. Ela me dá um presente que nunca acaba: estende-se através do tempo, imperecível – um jeito de nunca esquecê-la. Já o meu… é volátil – como a memória.