O dedo
O comandante desceu da aeronave e se dirigiu ao saguão do aeroporto. No caminho, teve que passar pela Federal para deixar lá uma foto e suas impressões digitais.
– What?
– O senhor deve deixar suas impressões digitais e tirar uma foto, segurando um papel numerado.
– Why?
– Uai o quê?
– Why… como dij im portchugiz?… Pór-kê?
– Reciprocidade.
– What?
– Re-ci-pro-ci-da-de. É que lá vocês fazem o mesmo com os cucarachas, you know?
O sujeito não entendeu bem. Esses brasileiros têm uma pronúncia horrível, my God! Mas, do que pôde perceber, tinha que sujar os dedos e bater chapa de presidiário. Um absurdo. Recusou-se.
– Mas é determinação da justiça. Tem de melar o dedinho e ainda dizer xis, brother.
– No.
– Toma, segura esse papelzinho aqui e faz cara de caveira. Olha o passarinho…
O gringo, contrariado, começou, lá na língua dele, a sacanear o policial. Com um sorriso irônico, catou o papel com o número escrito à mão, botou entre os dedos, de modo a que o médio mandasse um fuck you para câmera.
– Teje preso!
– What?
– Fale que nem gente, sujeito! Se endireite! Cê tá preso. Vamo andando.
O meliante foi levado para a sede da PF na cidade e de lá só iria sair depois de se explicar, pedir desculpas e pagar fiança. O resto da tripulação ficaria isolada na sala da empresa aérea até segunda ordem.
Uma ruma de gente no aeroporto aplaudiu a polícia e apupou o mau elemento. Não se sabe donde, saiu uma bandeira verde-amarela. Nos alto-falantes, o hino pátrio foi entoado. Um manifesto foi redigido às pressas – uma cópia sendo entregue no balcão da empresa do ofensor da honra nacional, outra despachada in continenti ao consulado norte-americano e outra ainda transmitida via fax ao Palácio do Planalto e à Casa Branca.
A essa altura, as ruas de Guarulhos estavam tomadas, o samba comia solto e até uma baiana apareceu vendendo acarajé. Fotos do prédio do Itamaraty foram penduradas nos restaurantes do estado. Em todos os aeroportos do país, montaram-se comandos em defesa da dignidade e honra nacionais. Estudantes organizaram a caravana da soberania e percorreram todo o território plantando pés de Pau-Brasil. Senhoras católicas organizaram a marcha contra o dedo estrangeiro. As forças armadas ficaram de prontidão nas fronteiras: soldados, marinheiros e pilotos cantavam, numa teia nativista, a Aquarela do Brasil.
Ana Carolina de Assis Cardoso, enquanto mordiscava seu big-méqui em Copacabana, declarou, do alto de seus 20 anos e de quatro viagens a Disney, que achava aquilo tudo ridículo. Já Rosemeire da Silva, atendente da lanchonete, largou o esfregão e foi pra praia comemorar, ao som da bateria da Mangueira, a ressurreição do Brasil.
Não foi bem assim. Mas bem que poderia ter sido, não é?