A vendeta de Jacira
Seu Nonô chama-se Nonato Adamastor de Andrade. Funcionário aposentado da Caixa é, por tudo e por todos, considerado probo e bom pai – sobretudo por suas três esposas, quais sejam: dona Fininha, branquinha mirrada, nascida no interior da Paraíba e que assina Eleonora Mendes da Silva; dona Guiga, de nome Guiomar, mulata sacudida da cidade de Salvador; e dona Memê, de Emerentina, cabocla de Poços de Caldas, São Paulo.
Sim, porque seu Nonô não deixava faltar nada para seus quinze filhos. (Até nisso era justo: com cada mulher, teve cinco – exatos três meninos e duas meninas; todos sadios). Além dos proventos de sua gorda aposentadoria, era homem de posses – umas casinhas de aluguel, umas letras e aplicações diversas.
Muito bem quisto na vila, seu Nonô batia ponto no bar do Pedreira, duas vezes campeão regional de boxe, que pendurou as luvas e resolveu abrir negócio no bairro. De seu posto de observação, rodeado de parceiros de vinte e um, o ancião cumpria o ofício de avaliador de rabo de saia. Toda moça nova que chegava, dava seu parecer de homem experiente: tomava as medidas das carnes; ponderava sobre o desenho dos olhos, dos lábios; classificava a cor da pele. Contudo, o seu prodígio era, com base nessas informações, calcular o tamanho e fazer a descrição precisa da xãna da cidadã: pelo andar, e pela soma e cruzamento de dados, seu Nonô afirmava com segurança se era aberta em flor ou fechada em fruto; se era rósea, roxa ou vermelhinha; peluda ou pelada; proeminente ou enterradinha. E avançava em adivinhar seu comportamento numa trepada: se era de engolir ou mastigar; se se ajustava como luva ou folgava; se era rígida ou macia, molinha; se se lubrificava só de olhar ou se era preciso muitas preliminares.
Um belo dia, sol manso se derramando nas paredes e nos muros, apareceu Jacira, negra sarará, alta, na casa dos quarenta, mudada de nova pro sobrado da esquina defronte. Vinha solteira, pelo visto, que não se via homem nem miúdo por ali. A única companhia era uma garota amarelinha, de olho baço, que vivia de chinela.
Pois foi a danada entrar no boteco, seu Nonô ativar seu arsenal crítico: palmilhou com os olhos cada centímetro da dona apertado na calça de brim bege e sentenciou:
– Bela comissão de frente: grande de caber a cara de um sujeito. Já a ala das baianas, ampla, porém meio derreada, não é mesmo? Mas nada que umas alegorias não compensem.
A negra, assim que, não se sabe por que vias, tomou conhecimento do veredicto, soltou uma gargalhada de despeito e chamou o velho pruma cerveja.
– Senhor vai, seu Nonô?
– Mas, tá! E porque havera de não ir?
– Sei lá… dona Fininha, dona Memê, principalmente dona Guiga… se elas sabem, é capaz de não gostar.
– Gostar de quê? Que elas têm de gostar ou deixar de gostar? Não compareço toda semana? Não boto comida na despensa? Pois, quem não goste, que se avie.
Topou, pois. Envergou o terno de linho branco, desenterrou o chapéu panamá e foi se aboletar em sua mesinha cativa no Pedreira. Jacira chegou arrumada como o quê: uns brincos que eram umas argolas desta idade, pulseiras, batom nos lábios grossos, vestido tubo e banhada toda de água de cheiro. Papo vai, papo vem, acabou seu Nonô indo parar na sala da fulana. Da sala, foi pro quarto. Do quarto, já de madrugada, seu Nonô foi pra Santa Casa de Misericórdia.
De manhã, os amigos foram visitá-lo. Lá já encontraram três advogados, representantes dos interesses das três indignadas digníssimas. Ao adentrarem a enfermaria e se acercarem da cama, viram um seu Nonô deitadinho, todo asseado, tomando soro. Mal reconheceu os companheiros, foi abrindo o coração:
– Um grande erro, meus amigos… Um grande erro…
– Qué isso, seu Nonô. Acontece. A gente, quando perde a cabeça, comete enganos.
– Pois é, seu Malaquias, pois é… (Suspiro). De fato, me enganei: não era grande, não: era pequetita e enterradinha; uma ameixa preta num mar de cabelos. Me agarrou o cujo, me sacudiu tanto, quase me engoliu. Quando vi a primeira estrela, perdi o fôlego. Quando dei fé, olha eu aqui.
E suspirou mais uma vez, de comoção e desalento.