Mil vezes saqueados pelas diferentes fases do colonialismo e do imperialismo, os povos da América Latina sempre se rebelaram contra a dominação estrangeira, o autoritarismo e a miséria. O combate travado contra o neoliberalismo, ao longo da década de 90 e nos dias atuais, constitui-se no capítulo mais recente da jornada dos países latino-americanos por soberania, democracia e vida digna para os seus povos.

Do fracasso neoliberal e da resistência empreendida por frentes políticas amplas, com destacado papel de liderança da esquerda, emergiu um vigoroso movimento progressista e popular, em especial, na América do Sul. Os governos de Lula no Brasil; de Chávez na Venezuela; e de Kirchner na Argentina, deram concretude institucional a esse movimento, descortinando possibilidades de se inaugurar um novo tempo nesta parte sul do continente.

Além disso, destacam-se as lutas do povo uruguaio, lideradas pela Frente Ampla que agora, em 2004, disputa com chances de vitória o governo da República. Dos países andinos ressalta-se uma persistente turbulência social e política. Instabilidade que indica a busca tenaz dos povos da Cordilheira por governos que estejam à altura de seus anseios. Prova disso é a recente insurreição popular boliviana que levou à renúncia um presidente entreguista. Na Colômbia prossegue uma jornada guerrilheira de décadas por bandeiras patrióticas sem que se vislumbre solução em curto prazo. Neste país conflagrado, houve, como fato novo, a vitória eleitoral em Bogotá de um prefeito de perfil progressista.

Todavia, como entre outras partes do mundo, a travessia do neoliberalismo a um novo modelo de desenvolvimento, assentado na soberania, na democracia e distribuição de renda, tem sido um processo complexo. A herança perversa recebida, a oposição do imperialismo norte-americano e de fortes segmentos das classes dominantes, as limitações das frentes políticas que estão no comando de cada um desses processos, tudo isso concorre para o surgimento de dificuldades e dilemas.

Há, todavia, neste processo de transição – que está longe de se concluir – vários avanços. Temos como exemplo o esforço empreendido pela integração da América do Sul; a verdadeira guerra diplomática e política que se trava nos fóruns de negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) contra as ambições neocoloniais dos Estados Unidos; de igual modo as batalhas travadas na Organização Mundial do Comércio (OMC); a movimentação no sentido de se estabelecer alianças e grupos de cooperação entre o Mercosul e países da África e da Ásia.

Esse conjunto de iniciativas é fruto em grande medida da política externa altiva do governo Lula. O Brasil chamou para si a responsabilidade de exercer um papel de liderança na região e, em parceria com seus vizinhos, vem travando uma luta dura para que cada país construa sua soberania e seu desenvolvimento.

Da Argentina vem o exemplo patriótico do governo Kirchner de renegociação da dívida pública – condição indispensável para esse país voltar a crescer e enfrentar o quadro de calamidade social. Da Venezuela realça-se a consciência e a bravura do povo venezuelano que assumiu a defesa da democracia e as conquistas do governo Chávez.

A América do Sul luta para reger o seu próprio destino, sem a tutela do imperialismo e livre da subalternidade e da dependência. Por experiência de séculos sabe que não será fácil, mas está determinada a fazê-lo.

Comissão Editorial

EDIÇÃO 72, FEV/MAR/ABR, 2004, PÁGINAS 3