No quadro da ofensiva do imperialismo em nível mundial, também na União Européia (UE) se verifica uma generalizada e violenta ofensiva do grande capital e das grandes potências contra conquistas históricas dos trabalhadores, direitos democráticos e a soberania dos povos.

Do perigoso projeto da denominada “Constituição européia” ao quadro e condições inaceitáveis em que se realiza o alargamento a dez países do Leste da Europa e do Mediterrâneo. Das políticas neoliberais preconizadas na chamada “Estratégia de Lisboa” às prioridades apontadas para o próximo quadro financeiro plurianual para o período 2007-2013. Ou à acelerada militarização da UE. Os processos em curso na integração capitalista européia, pelo seu significado, amplitude e conseqüências, assumem uma profunda gravidade.

A revisão dos Tratados da União Européia

Dentre estes, o projeto da denominada “Constituição européia” apresenta-se como o elemento estruturante da integração capitalista na Europa – sendo a sua atual expressão máxima.
O importante e significativo desacordo verificado quanto à sua aprovação na Cimeira de Bruxelas, em dezembro de 2003, essencialmente em resultado de divergências entre os grandes países em torno do domínio e repartição do poder no processo de decisão, não coloca em causa o amplo acordo existente, entre estes, quanto ao aprofundamento dos principais eixos da UE, consubstanciado na “Constituição européia” – que se referem às constantes pressões para a sua adoção – nomeadamente protagonizadas pela França e pela Alemanha, pelas forças políticas de direita e da social-democracia dominantes e concertadas no Parlamento Europeu, na Comissão Européia e nas principais confederações do grande patronato na Europa (ERT e UNICE) –, ou seja, as forças e interesses que estiveram na sua gênese.

Esse projeto representa um novo e significativo salto qualitativo no processo de integração capitalista na Europa, consolidando as bases e eixos fundamentais lançados no Tratado de Maastricht, em 1992 (e posteriormente aprofundados pelos Tratados de Amsterdã (1997) e Nice (2000)): uma União Européia federal, sob o domínio das grandes potências européias e dando resposta aos interesses e ambições do grande capital na Europa, guiada pelo capitalismo neoliberal, tendo por objetivo a sua transformação num bloco político-militar que se apresenta, para uns, como capaz de competir e rivalizar com os EUA e, para outros, como o pilar europeu da NATO, mas que agiria de fato como “parceiro” ou braço auxiliar do imperialismo norte-americano. Ou seja, trata-se de um projeto que aprofunda as linhas mestras que caracterizam a UE e que, sublinhe-se, se complementam entre si:

– o reforço da sua natureza federalista, institucionalizando-se em simultâneo o diretório das grandes potências no comando das políticas e do futuro da UE, e o primado da “Constituição européia” sobre as Constituições nacionais;
– a tentativa de “constitucionalização” do neoliberalismo, através de um articulado que ocupa 3/4 do projeto de tratado e onde se acomodam as estruturas, as políticas e as orientações econômicas e sociais do capitalismo neoliberal, que hoje prevalecem na UE;
– o lançamento das bases institucionais da militarização da UE e da sua transformação num bloco político-militar, com uma política de defesa comum articulada com a NATO. O claro reforço da natureza federalista dos seus órgãos institucionais (Conselho, Parlamento Europeu e Comissão Européia) e do domínio do conjunto das grandes potências européias nos processos de tomada de decisão – através da valorização do critério demográfico, em detrimento da representatividade dos Estados soberanos enquanto tal –, traduz-se em: fim das presidências rotativas do Conselho Europeu e na eleição de um presidente segundo regras que asseguram um papel determinante aos grandes países; fim do princípio, na composição da Comissão Européia, um país/um comissário permanente com direito a voto; ampliação da adoção das decisões por maioria qualificada no Conselho – segundo regras que asseguram aos grandes países a defesa dos seus interesses – e com o conseqüente fim do direito de veto por parte de um país quando esteja em causa a salvaguarda dos seus interesses.

Ou seja, trata-se de aprofundar um processo de integração onde são as grandes potências que, concertando-se e procurando ultrapassar as suas contradições – de que são exemplo as cimeiras entre a França, Alemanha e Grã-Bretanha –, ditam as regras segundo as suas conveniências – veja-se, como exemplo, o bloqueio do processo de advertência/sanção inscrito no Pacto de Estabilidade quando se tratou de o aplicar à França e à Alemanha. Um processo de integração que procura submeter e condicionar a soberania e as potencialidades de desenvolvimento dos denominados pequenos países ao domínio e às prioridades das grandes potências e do grande capital na UE, e que conta em Portugal com a participação cúmplice do Governo PSD/CDS-PP e o apoio do PS.

Prioridades políticas da União Européia

A par da revisão dos Tratados da UE, outros importantes processos estão em evolução na UE:

– O alargamento a dez países do Leste da Europa e do Mediterrâneo que se realiza no quadro de expansão do capitalismo e da NATO ao Leste da Europa e com base num processo de negociação desigual – onde as condições foram impostas pela UE –, que se saldou, por exemplo, na inexistência do reforço dos meios financeiros comunitários – que poderiam minimizar as conseqüências negativas de uma crescente concorrência capitalista nos países menos desenvolvidos, caso dos países da adesão e de Portugal –, e de inaceitáveis e diferenciados critérios de acesso aos meios financeiros comunitários (Política Agrícola Comum e Fundos estruturais) por parte dos países da adesão.

– Promove-se, dando resposta às prioridades apontadas pelo grande capital na Europa, a prossecução das políticas monetárias e econômicas neoliberais, em conformidade com o Pacto de Estabilidade e a “Estratégia de Lisboa”, onde, entre outros aspectos, se destaca a liberalização dos mercados de trabalho, o ataque aos sistemas públicos de segurança social e de saúde, a privatização dos serviços públicos e a degradação dos direitos e dos salários dos trabalhadores.

– Avança a construção de uma “Europa fortaleza” que implementando políticas restritivas e criminalizadoras da imigração, pretende, ao mesmo tempo, depredar os recursos humanos qualificados dos países em desenvolvimento, segundo as necessidades do grande patronato na UE.

– Aponta-se, no âmbito das negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC), a convergência com os EUA para uma liberalização maior do comércio mundial e a imposição de relações comerciais com base no domínio e não da cooperação – constate-se a significativa insistência na inclusão dos chamados temas de Cingapura.

– Acelera-se a militarização da UE, cuja “Estratégia de segurança” – aprovada em dezembro de 2003 – está particularmente concebida para a ingerência em países terceiros e aproxima o conceito de segurança da UE ao da NATO, nomeadamente quanto à justificação do uso da intervenção militar. Refira-se, ainda, à criação, já em 2004, da “agência para o desenvolvimento das capacidades de defesa, da investigação, da aquisição do armamento” – autêntico catalisador da militarização da UE.

– A Comissão Européia avança com uma proposta que (acomoda, apropria) o próximo quadro financeiro comunitário (2007-2013) à concretização das prioridades e objetivos políticos apontados na “Constituição européia” – mesmo que ainda não aprovada – e na agenda neoliberal inscrita na “Estratégia de Lisboa”. Na Política Agrícola Comum (PAC) acentua-se uma distribuição desigual e injusta das ajudas entre agricultores, produções e países, prejudicando os pequenos agricultores e a agricultura familiar e as produções de países, como Portugal. Os Fundos estruturais – que deviam ser utilizados para a promoção da efetiva aproximação do desenvolvimento econômico e da melhoria das condições de vida nos diferentes países – são vinculados aos objetivos da “Estratégia de Lisboa” e à “competitividade”, a prioridade do grande patronato na Europa. São reforçados os meios financeiros para a implementação dos instrumentos que suportem a “Europa fortaleza”, nomeadamente o controle das fronteiras. É apontada a criação de uma zona de comércio livre pan-européia (que integre todo o Leste da Europa e o Mediterrâneo), que promova a liberalização do comércio, dos serviços e do investimento. Assim como é apontada a prioridade do apoio à militarização da UE, ou seja, à capacidade de ingerência e de intervenção desta no plano mundial. É necessária e possível outra Europa

Para o PCP a abordagem dos problemas da cooperação e integração na Europa parte da questão nuclear da defesa da soberania nacional como um valor fundamental, vetor estratégico para a defesa dos interesses nacionais, na construção de uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, aberta ao mundo, de paz e solidariedade.

Para o PCP um real desenvolvimento do país exige a afirmação da soberania nacional e do pleno papel das instituições nacionais, e não a sua desvalorização ou alienação. Exige a soberania do povo português nas decisões fundamentais para o seu presente e o futuro, o que implica, conseqüentemente, na travagem na transferência de mais competências para a União Européia e na alienação de instrumentos fundamentais para a concretização de uma política que dê resposta às necessidades e anseios dos trabalhadores e às potencialidades de desenvolvimento do país.

Para o PCP é imperioso salvaguardar a Constituição da República Portuguesa. O que se impõe não é uma revisão da Constituição da República, que atingiria os seus limites materiais por colocar em causa a soberania constitucional original do povo português, para permitir acolher na Constituição os “avanços da unificação européia”, mas impedir uma reformulação dos Tratados da UE que afronte e viole a Constituição da República Portuguesa e atinja gravemente a soberania e a independência nacionais.

Para o PCP é fundamental que se alterem profundamente as políticas da UE, que foram utilizadas em Portugal – pelos governos do PSD, do PS ou do PSD/CDS-PP – para colocar em causa as conquistas e os avanços conquistados pelos trabalhadores e povo português com a Revolução de abril de 1974.
Entre outros aspectos, é fundamental que se dê prioridade à promoção das potencialidades de cada país; ao desenvolvimento sustentado; ao investimento público; à defesa dos serviços públicos; ao emprego; e aos direitos dos trabalhadores – ou seja, a uma efetiva coesão econômica e social. Faz-se necessário uma Europa de paz e não uma política comum de defesa e segurança baseada na ingerência, no desenvolvimento da corrida aos armamentos e da política de blocos.

O PCP está empenhado no desenvolvimento de um vasto movimento de opinião, esclarecimento e luta que avalie as conseqüências e os perigos da atual integração européia; impeça a vinculação de Portugal à “Constituição européia”; e mobilize o povo português para a necessidade de um outro caminho para Portugal e para a Europa. Um exigente confronto político que marcará o período até as eleições para o Parlamento Europeu, que se realizam já no próximo mês de junho.

Reforçar a cooperação e a solidariedade

Dando resposta à ofensiva das grandes potências e do grande capital sucedem-se nos diferentes países da UE grandes mobilizações em defesa das conquistas históricas dos trabalhadores e da paz.
Para o PCP é possível e necessário um outro rumo para a Europa. Este será fruto da conjugação das lutas dos trabalhadores e dos povos. Prosseguindo e reforçando a cooperação entre os partidos comunistas e outros partidos e forças de esquerda e progressistas, respeitando as diferenças de situação, reflexão e proposta; valorizando tudo o que possa aproximar e unir; colocando no primeiro plano a ação comum ou convergente em torno das questões mais sentidas pelos sectores e camadas sociais afetados pela atual integração européia – como as questões sociais, a luta contra o militarismo e a guerra, a defesa da democracia –; realizando iniciativas com expressão de massas para afirmar e projetar as nossas propostas comuns; com a convicção de que a necessária expressão européia e internacional das lutas adquirirá uma dimensão e um significado tanto mais representativos quanto mais enraizado e organizado for o movimento a nível de cada país, espaço e dimensão decisivos de luta dos trabalhadores e dos povos.

Na Europa, torna-se particularmente necessária e urgente a unidade na ação dos partidos de esquerda e, no imediato, a sua cooperação com vistas às eleições para o Parlamento Europeu que terão lugar em junho próximo, pelo que o PCP valoriza a criação de uma plataforma comum, nomeadamente entre as forças que integram o atual Grupo da Esquerda Unitária Européia/Esquerda Verde Nórdica, para a qual procurou contribuir.

Tendo em conta esta necessidade e condição, o PCP não subscreveu o apelo para a criação de um partido político europeu, com uma lógica supra-nacional e federalista – do qual o PCP não partilha e considera não corresponder às atuais potencialidades e possibilidades.

Face à grande ofensiva do grande capital e do imperialismo, mas também com a intensificação da luta libertadora dos trabalhadores e dos povos, o PCP continuará a contribuir, fazendo tudo o que estiver ao seu alcance, para o reforço da cooperação entre os comunistas e todas as forças de esquerda anticapitalistas, da sua ação comum ou convergente, da sua solidariedade internacional e internacionalista.

Pedro Guerreiro é membro do Comitê Central do Partido Comunista Português (PCP).

EDIÇÃO 72, FEV/MAR/ABR, 2004, PÁGINAS 60, 61, 62