Passados 37 anos da existência da Zona Franca de Manaus – para mim, uma das mais bem sucedidas experiências já realizadas no país no combate às desigualdades regionais –, ainda persistem incompreensões sobre esse importante modelo de desenvolvimento econômico.
Não há como negar que setores do empresariado brasileiro, da mídia e de algumas representações políticas em muito contribuíram para negativar a imagem desse modelo no cenário nacional. A região foi sistematicamente taxada de paraíso da renúncia fiscal onde proliferam as empresas de maquiagem. É claro que por trás da campanha sempre estiveram embutidos os interesses econômicos de determinados setores.

Porém, é no total desconhecimento sobre o assunto que se encontra o maior entrave para que a sociedade brasileira assimile de fato o grau de importância da ZFM para o país. Isso nos remete, preliminarmente, a conhecer a história, a realidade e as necessidades da região amazônica.
Apesar de a exploração econômica do Brasil ter se dado desde que Cabral por aqui aportou, em 1500, a da Amazônia foi iniciada somente por volta de 1750. Deu-se com o estabelecimento de uma Companhia Geral de Comércio apoiada pela Coroa Portuguesa.

Mas foi em meados do século XIX que a economia da Amazônia despontou, graças a dois importantes fatores: o desenvolvimento tecnológico que provocou a expansão da demanda internacional de borracha e a criação da Companhia de Navegação a Vapor, que possibilitou maior mobilidade de mercadorias e de pessoas na região. O extrativismo passou a ser o mais importante setor da economia amazônica.

Esse período de desenvolvimento prolongou-se até o início do século XX. Para se ter uma idéia da importância da região para a economia nacional, no período 1898-1910, a borracha respondeu por 25,7% das exportações brasileiras. Em decorrência da queda dos preços internacionais, as exportações foram diminuindo, até representarem menos de 1% entre 1930 e 1933, o que desencadeou um grande abalo na economia regional, com sérios impactos sociais.

Com o fracasso dos esforços para a retomada da produção da borracha durante a segunda guerra mundial, quando se chegou a convocar os soldados da borracha para Amazônia, e diante da necessidade de se propor alternativas desenvolvimentistas para a região, os deputados constituintes de 1946 aprovaram a obrigatoriedade do governo federal aplicar, durante pelo menos 20 anos, uma quantia não inferior a 3% da renda tributária da União na valorização da Amazônia.

A partir da nova Constituição, pela primeira vez se cogitou um Plano de Valorização da Amazônia. Fato consumado em 1953, quando o artigo 199 da Carta Magna foi regulamentado pela Lei nº 1806, que resultou na definição da Amazônia Legal e na conceituação do Plano de Valorização. Trata-se de um esforço nacional de ocupação territorial da região, com vistas ao desenvolvimento de sua economia e à melhoria da vida social.

Criou-se, então, a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), autarquia destinada a elaborar o Plano de Valorização e da Promoção do Desenvolvimento. Até 1966, já em plena ditadura militar, essa política prevaleceu, porém, os resultados foram aquém dos objetivos esperados.
A partir daí, e diante dos frágeis resultados da política de desenvolvimento para a Amazônia, o então presidente, general Castelo Branco, criou uma Comissão para definir os objetivos de uma nova política para a região, tendo como resultado a aprovação de uma série de leis, conhecidas como “Operação Amazônia”. O seu eixo central abordava dois aspectos: um econômico, envolvendo a promoção da industrialização via política de substituição de importações e, outro, geopolítico, que compreendia a efetiva ocupação da região.

Na vertente econômica, para revigorar a região foram adotadas novas medidas, como a transformação da SPVEA em Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Banco de Crédito da Amazônia em Banco da Amazônia (Basa), com mais poderes e recursos.

Na vertente geopolítica – tendo como ponto de partida o projeto do deputado federal Francisco Pereira da Silva, instituído em 1957, pela Lei nº 3.173, que estabelecia no Porto de Manaus, um regime de livre comércio de importação e exportação –, criou-se a Zona Franca de Manaus (Decreto Lei nº 288, de 28/02/67). Posteriormente, em 1975, parte destes benefícios foi estendida para a Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia).

A criação da Zona Franca de Manaus, em 1967, representou o resultado de uma decisão geopolítica, cujo objetivo era acelerar o processo de interiorização do território e responder aos apelos de uma política econômica e desenvolvimentista que englobasse o Brasil como um todo, país de dimensões continentais, e principalmente como forma de garantir nossa autonomia nessa região estrategicamente tão importante que é a Amazônia. Diz o artigo 1º do Decreto-Lei 288/67:

Art. 1º – A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos.

Na Constituição de 1988 a vigência da ZFM foi prorrogada por 25 anos, até 2013, e, em 2003, no debate da Reforma Tributária, conseguimos prorrogá-la por mais dez anos, até 2023.
O processo de desenvolvimento do Brasil, que historicamente concentrou os investimentos públicos e privados na região centro-sul, não propiciou um maior intercâmbio econômico entre as regiões, provocando as desigualdades regionais. Como forma de enfrentar esse problema, o modelo ZFM surgiu para atrair e fixar capitais na Amazônia, compensando as longas distâncias e a falta de infra-estrutura da região.

O desenvolvimento econômico de determinada região ocorre principalmente em decorrência do aumento dos investimentos públicos e privados, o que reduziria as disparidades inter-regionais. Os mecanismos de planejamento econômico, programas especiais de implantação de infra-estrutura, transferências de receitas e incentivos fiscais são algumas medidas compensatórias. Este último é utilizado em larga escala na maioria dos países do mundo, a exemplo da ZFM – um desses projetos que logrou importantes alterações na estrutura da economia regional.

Na década de 60 a estrutura produtiva de todos os estados da região Norte era formada, predominantemente, por uma agricultura extrativista e complementada por uma indústria incipiente de produtos tradicionais (alimentação, têxtil e madeira). A partir da década de 80, por causa dos efeitos da ZFM, o setor industrial passa a ser predominante, o que o diferencia do modelo de outros estados. No setor industrial local, há maior apropriação de valor agregado aos produtos.
Quanto à relação entre as receitas tributárias federais geradas no Amazonas e a renúncia fiscal, os cálculos demonstram que para cada R$ 1,00 renunciado, a cidade, o Estado e a União ganham R$ 1,33. Hoje o Amazonas é responsável por quase 60% da arrecadação de tributos federais na região Norte.

No ano de 2002, de cada dez empregos gerados na Amazônia foram criados seis na capital do Amazonas. Segundo a revista Exame, a capital desponta no ranking das melhores cidades do país para fazer negócios. No mesmo período, o PIB do Estado cresceu duas vezes mais que o da média brasileira. Em arrecadação per capita de ICMS, ocupamos a oitava posição no ranking nacional.

Como parte de uma política industrial para a Zona Franca de Manaus, medidas importantes adotadas pelo modelo, como o estabelecimento de índice mínimo de nacionalização, garantiram o crescimento industrial e a atração de algumas indústrias de componentes. Como resultado, em 1990, do total de insumos utilizados pelo Parque Industrial de Manaus, quase 40% eram adquiridos na Amazônia Legal. Naquele momento as indústrias de Manaus geravam aproximadamente 100 mil empregos diretos em segmentos industriais definidos, com ênfase em eletroeletrônico, duas rodas, relojoeiro, termoplástico, dentre outros.

Com a submissão do Brasil à política neoliberal, mudanças profundas foram implementadas na economia brasileira desde o início da década de 90, como a abrupta e irresponsável abertura do mercado brasileiro e o estabelecimento de uma nova política industrial e de comércio exterior – causando uma crise sem proporções no país e, por conseqüência, na ZFM.

Na busca da recuperação e num processo de ajustamento industrial a esse novo cenário, a partir da década de 90, e até os dias atuais, a estrutura e dinâmica da Zona Franca de Manaus vêm sofrendo alterações significativas que podemos caracterizar em dois níveis: em seu marco regulatório – com a mudança da exigência de índices mínimos de nacionalização para o cumprimento de Processos Produtivos Básicos (PPB) –, e o descontingenciamento das importações.

Dentro dos marcos capitalistas, da nova ordem econômica e das mudanças nos processos produtivos estabelecidas mundialmente, a ZFM mais uma vez conseguiu transpor as barreiras, não só sobrevivendo, mas também conseguindo a expansão das empresas lá estabelecidas.

No parque industrial foram implementadas novas técnicas de gestão e processos de produção. Entre as medidas, foi intensificado o grau de automação industrial que resultou em ganhos de produtividade.
Para enfrentar a concorrência com os produtos importados que ingressaram no restante do país, ocorreu o aumento de padrões internacionais de qualidade, contribuindo para a redução de preços.
Esse processo alterou a função de produção das indústrias instaladas em Manaus. De mão-de-obra intensiva passou a capital intensivo. Como resultado, o faturamento das indústrias aumentou, mas em contrapartida caiu o nível de emprego. Quanto à massa salarial, a partir de 1995, houve um aumento de 65% que decorreu principalmente da especialização e da qualificação da mão-de-obra.

Dentro, ainda, das mudanças foi iniciado um grande esforço para aumentar as exportações até alcançar o equilíbrio da balança comercial, tornando o modelo peça central no arranjo econômico nacional. Os resultados já estão sendo colhidos. As exportações do Estado do Amazonas cresceram 98% de 1999 para 2001, passando de US$ 429,5 milhões para US$ 851.2 milhões e ultrapassando a cifra de US$ 1,3 bilhão em 2003.

Ao longo da sua trajetória de 37 anos, esse modelo econômico vem se apresentando como um efetivo pólo de desenvolvimento para a Amazônia, contribuindo substancialmente para o crescimento da economia brasileira.

Hoje, com aproximadamente 430 empresas instaladas, o Pólo Industrial de Manaus é um dos mais importantes no segmento eletroeletrônico da América Latina. O faturamento médio chega a US$ 10 bilhões e são gerados quase 70 mil empregos diretos e 250 mil indiretos por todos os Estados da Amazônia Ocidental (Acre, Amapá, Amazonas, Roraima e Rondônia) e nos municípios de Macapá e Santana no Amapá.

Vale ressaltar que esse expressivo crescimento econômico foi conquistado a um baixíssimo custo ambiental. Ou seja, o Amazonas possui 98% da sua cobertura vegetal preservada, o menor percentual de desmatamento no país. Devemos lembrar ainda que a região detém 20% da reserva de água doce do planeta, um banco genético de valor incalculável, e grandes jazidas de minérios, gás e petróleo.
Com essa política de respeito ao meio ambiente, os índices positivos vêm se acentuando a cada ano. Apesar das dificuldades no cenário econômico, no ano passado, as indústrias do Pólo Industrial de Manaus chegaram ao faturamento de US$ 10 bilhões, um crescimento de 10% em relação a 2002.

Nesse mesmo período as exportações cresceram 30% e a taxa de emprego é a maior dos últimos dez anos.

São números positivos que deixam o Pólo Industrial de Manaus numa condição privilegiada para que em curto prazo alcance equilíbrio da balança comercial. Essa é a convicção do governo Lula, que muito contribuiu, no seu primeiro ano de administração, para a boa performance da Zona Franca de Manaus.
O índice positivo da ZFM no comércio internacional só foi possível graças ao dinamismo das ações do governo federal, que detém um forte controle sobre o Conselho de Administração da Superintendência da Zona Franca de Manaus (CAS). O Conselho é o responsável pela aprovação de todos os projetos instalados na ZFM. No ano passado, o CAS aprovou 207 projetos industriais de implantação, ampliação, atualização e diversificação. Foram envolvidos recursos superiores a US$ 2 bilhões, com geração de mais de 6 mil postos de trabalho.

Destacam-se também as ações em torno do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA). O projeto, que vem sendo implementado na ZFM, reúne um complexo de laboratórios voltado a pesquisas aplicadas, abrindo caminho e propiciando a implementação de um pólo de bioindústria na região. Trata-se de um forte atrativo para as empresas utilizarem a matéria-prima local na elaboração de produtos oriundos da biodiversidade.

O CBA poderá servir como atrativo de investimentos nos setores de produtos farmacêuticos, cosméticos, alimentícios, bioinseticidas, óleos essenciais, corantes naturais e aromatizantes, entre outros.

Apesar dos perversos indicadores sociais – um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano e elevado grau de analfabetismo –, é evidente que a região possui um enorme potencial para seu desenvolvimento econômico. Só precisa de mais tempo e de uma clara decisão política para consolidar uma exploração sustentável dos seus recursos naturais.

Além dos itens acima elencados, poderiam ser produzidos, por exemplo, em rios e lagos, mais de um milhão de toneladas/ano de peixe, o que representaria cerca de 50% da produção nacional. O cultivo de grãos em áreas de várzea – 3.500 km de extensão somente ao longo das calhas principais dos rios Solimões e Amazonas – também seria outra importante alternativa de produção sem que se agrida o meio ambiente, assim como a exploração racional dos imensos recursos minerais e madeireiros. O desenvolvimento dessas atividades, além de contribuir para a economia nacional, propiciaria a interiorização do desenvolvimento na Amazônia, hoje um dos maiores desafios da região.

Foi nessa perspectiva que, na votação da reforma tributária, o Congresso Nacional prorrogou os incentivos da ZFM até 2023. O parlamento reconheceu que no Amazonas não só existe de fato um parque industrial produtivo, voltado para o desenvolvimento de novas tecnologias de processos e produtos, mas também que esse pólo de produção pode contribuir em muito com o grande desafio de desenvolver, de forma sustentável, a Amazônia brasileira. Já dizia o presidente Lula durante a última campanha eleitoral no estado do Amazonas: “Só não defende a Zona Franca de Manaus quem não a conhece”.

Vanessa Grazziotin é deputada federal pelo PCdoB/AM.

EDIÇÃO 72, FEV/MAR/ABR, 2004, PÁGINAS 23, 24, 25, 26, 27