É verdade que o natal ainda está longe, também muito perto. Minha mãe, cheia de sacolas, arrastava-me pela mão e uma bandinha passava pela porta das lojas feito corso de carnaval. Ainda tinha o trilho do bonde, sem o bonde, e de onde vem tudo isso? O letreiro da Ducal por detrás do balcão de pacotes, a iluminação das ruas de comércio como uma explosão permanente de fogos de artifício. Eu poderia descrever o deslocamento das pessoas na loja, todos elegantemente vestidos. Estávamos no terceiro ano do golpe militar e meu pai era operário de uma industria multinacional de pneus.

      Às vezes caminho sem vontade de abrir a janela. Caminho sabendo que não verei as luzes de natal, nem pessoas elegantemente vestidas. Talvez eu veja, como em inúmeras outras vezes eu vi, um Antonio Conselheiro vestido com saco de lixo desafiando a insanidade reprimida nas pessoas com o seu sorriso patológico ou o trânsito de carros e ônibus que passam em velocidade rende a sarjeta, forçando os pedestres a recuarem sob ameaça da água fétida lançada sobre a calçada. Mesmo assim, abro a janela todos os dias, para me forçar a não falar de coisas que não vi.