A continuidade econômica é o maior risco
Aloisio Teixeira é Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutor
em Economia pela Universidade Estadual de Campinas e Professor
Titular da UFRJ. Nesta entrevista ele aborda alguns elementos necessários a um novo projeto de desenvolvimento econômico para o país
O senhor é economista por formação. Em traços gerais, que diagnóstico é possível fazer da economia brasileira neste momento, tendo em vista a herança neoliberal encontrada pelo novo governo?
Aloisio Teixeira – O governo do presidente Lula encontrou um quadro – conhecido por todos os brasileiros – caracterizado por baixas taxas de crescimento; desemprego aberto; ampliação do subemprego urbano e rural; desestruturação do aparelho do Estado que se tornou incapaz de prover com eficiência os serviços públicos básicos, tanto na área social como na de infra-estrutura econômica. Esse quadro, no entanto, não resultou de uma catástrofe natural ou de um movimento estrutural da economia brasileira. Ele foi, isso sim, o resultado de uma política econômica, levada a cabo desde o início dos anos 90 do século passado; principalmente pelo governo FHC.
A questão que se coloca para todos nós é por que insistir em uma política cujos resultados já sabemos quais são. No governo passado, essa política tinha sentido. Ela não era fruto da incompetência, da falta de vontade política ou da corrupção, ainda que uma ou outra delas possam ter ocorrido. O governo passado insistia nessa política – e procurava silenciar ou desqualificar todas as vozes discordantes – porque ela era adequada ao seu projeto de país; projeto esse orientado para a construção de uma nova inserção internacional para o Brasil.
O significado daquele projeto, tão conhecido de todos nós, era o completo alinhamento do país aos desideratos da potência hegemônica. Para realizá-lo, tornava-se necessário estabilizar a moeda, abrir os mercados e elevar a taxa de juros. Isso era feito para atrair o grande capital financeiro em direção ao patrimônio público, para privatizá-lo; e ao setor privado nacional, para desnacionalizá-lo.
O resultado foi um dos mais profundos processos de transferência patrimonial realizados no país, nos últimos anos, com a venda de empresas nacionais, públicas e privadas às empresas internacionais, também elas públicas ou privadas. O capital entrante, por sua vez, encontrava um aliado natural na nova elite financeira, formada por bancos e instituições financeiras de geração recente e pelos fundos de pensão. Juntos, compuseram a fração que se beneficiou das políticas então implementadas.
Nesse quadro, a desmontagem do Estado nacional era um corolário e uma premissa, sendo as chamadas “reformas” (previdenciária, trabalhista etc), bem como a desoneração do Estado em relação às políticas sociais, parte indispensável do cardápio de medidas a serem adotadas.O Estado desenvolvimentista foi destruído e, em seu lugar, foi restaurado o Estado patrimonialista; só que agora, a expressão da riqueza (e do poder) já não é o patrimônio imobiliário (a terra), mas o mobiliário (a circulação financeira).
Retomando a questão central, pergunto: Faz sentido manter essa política? Será a base social de apoio deste governo a mesma do governo anterior? Serão idênticos os projetos de nação? Será o mesmo o conceito de Estado?
Creio que a resposta só pode ser não.
Vale, no entanto, frisar – e por isso eu fiz questão de destacar que o quadro encontrado pelo atual governo era do conhecimento de todos os brasileiros – que a consciência de que a política macroeconômica deveria mudar serviu de combustível para a eleição, por esmagadora maioria, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E mais: esta mudança não tem nenhum conteúdo anticapitalista.
Ao contrário, medidas destinadas a retomar o crescimento e a aumentar o emprego e a renda correspondem ao anseio comum dos trabalhadores e dos empresários do setor produtivo do país.
Quais os principais acertos e problemas do novo governo em política macroeconômica?
Aloisio Teixeira – A meu ver, não houve acertos em matéria de política macroeconômica – ainda que reconheça a propriedade do debate sobre a profundidade e a extensão dos problemas encontrados pelo Governo no início de sua gestão.
Basta lembrar um episódio, ocorrido em plena campanha eleitoral, que todos acompanharam com apreensão: quando se consolidou a certeza da vitória de Lula, aqueles que se beneficiavam das políticas então em curso desencadearam um ataque especulativo sem precedentes sobre os fragilíssimos fundamentos da política econômica. O que fez o governo FHC? Ao invés de proclamar o seu fracasso e ajudar a criar condições para a mudança que se evidenciava necessária, esse governo, em plena campanha, com o país às portas da bancarrota, socorreu-se do FMI para evitar a moratória.
Além disso, ao fazê-lo, o governo da época passou a exigir de todos os candidatos à Presidência o endosso ao pedido de ajuda. Tratava-se, agora se sabe, de um verdadeiro "golpe branco" preventivo para evitar que o resultado eleitoral pudesse pôr em marcha uma política econômica alternativa, correspondente aos anseios da nação – crescimento com justiça social e não submissão aos interesses do mercado. O endosso, arrancado a fórceps no final da campanha, tinha o propósito único de tornar o modelo que fracassara e seria fragorosamente derrotado nas urnas no único modelo possível, amarrado ao compromisso de sua sustentação pelo futuro governo.
Neste quadro, ao tomar posse, a opção do governo do presidente Lula foi por um caminho de prudência, adiando as esperadas mudanças na política econômica. A razão alegada consistiu na necessidade de evitar turbulências e alcançar ampla credibilidade na comunidade financeira internacional, com a adoção de comportamentos considerados adequados à fase de ajustamento às funções de governo.
O povo brasileiro e as forças políticas que tornaram possível a vitória eleitoral de Lula – mesmo sem concordar com esse ponto de vista – entenderam essa decisão como um movimento tático. Mas, passados quinze meses, já não se pode mais falar em herança maldita. O quadro macroeconômico que o governo enfrentará daqui para frente é o resultado de suas próprias decisões. E não se pode nem mesmo dizer que a pretendida credibilidade junto à comunidade financeira internacional tenha sido atingida: basta ver os relatórios dos grupos JP Morgan, Citygroup e Merril Linch, recentemente divulgados pela imprensa brasileira; neles, está claro que a política econômica brasileira não apenas não logrou êxito, como produziu estagnação e ampliou a vulnerabilidade externa do país.
A única conclusão a que se pode chegar é que não se justifica mais a continuidade dessa política – continuidade, aliás, reconhecida pelo ministro da Fazenda e evidenciada pelas referências elogiosas que a ela fazem expoentes do governo passado, inclusive o ex-presidente FHC.
A esperança da sociedade brasileira e o esforço das forças mais progressistas da coligação que apóia o governo voltam-se para o presidente na certeza de que ele mais do que ninguém sabe que a manutenção desta política por mais tempo não acarretará outros resultados senão os já experimentados no passado: taxas medíocres de crescimento, oferta insuficiente de empregos e, como contrapartida, a ampliação infinita dos programas de compensação social, que podem até aliviar momentaneamente a fome, mas que não resolverão os problemas estruturais da miséria e da desigualdade.
O presidente sabe que terá de abandonar este modelo e dar uma guinada em direção a um novo paradigma. E a mudança terá que atingir os fundamentos da política econômica, com o abandono das metas de elevadíssimos e desnecessários superávits fiscais primários e com a adoção do controle seletivo sobre o fluxo de capitais externos, até a recuperação do controle sobre a dívida pública e, conseqüentemente, sobre a moeda nacional.
Que papel o Estado nacional deve ter num novo modelo de desenvolvimento?
Aloisio Teixeira – Um dos fundamentos da política herdada pelo governo, e por ele continuada, tem sido a desmontagem do Estado nacional. Sua conseqüência direta é o atual estado em que se encontra o aparelho público, sem condições mínimas para prestar serviços adequados de saúde, educação, segurança e habitação; fundamentais para a construção da cidadania e para garantir padrões de vida decentes para todos.
Nesse sentido, vale apontar um equívoco – ou, mais precisamente, um fator de diferenciação – no debate hoje travado em relação à política econômica. Não basta – embora isso seja indispensável – reduzir a taxa de juros. A simples redução da taxa de juros (que trai, em sua essência, uma fé inabalável no capital como instrumento de promoção do desenvolvimento econômico) outra conseqüência não terá senão reduzir o grau de endividamento das empresas e engordar os lucros capitalistas, a menos que seja combinada com a ampliação do gasto público e com uma política industrial explícita, orientada pelas frentes de expansão abertas pelo investimento do governo.
Ao defendermos o papel central a ser desempenhado pelo Estado nacional nesta etapa de reestruturação da vida social, não queremos dizer que o Estado brasileiro, tal como foi construído pela elite, deve ser conservado. Não. Paralelamente à reorientação da política econômica há que se reformar o Estado, ampliando sua capacidade de intervenção na vida econômica e social, democratizando-o e criando novos mecanismos de controle social sobre sua ação.
Vulnerabilidade externa, juros, superávit fiscal versus crescimento econômico – como sair dessa equação?
Aloisio Teixeira – Trata-se aqui, antes de tudo, de desmistificar imediatamente a idéia – tão a gosto de nossos neoliberais de todos os matizes – de que a política econômica é uma questão técnica, não havendo alternativa àquela que vem sendo adotada há mais de uma década. Não! Esta é uma questão de natureza política e como tal deve ser enfrentada. O que significa, obviamente, que implica em riscos. Para enfrentá-los, é preciso romper com o atual quadro de letargia em que se emaranhou o governo e partir para uma ampla mobilização de todos os que, independentemente de filiação partidária ou orientação ideológica, não aceitam por mais tempo uma política econômica que frustra as esperanças nacionais por um futuro melhor.
Somente assim poderá ser gerada a base de sustentação para a mudança que se faz necessária. Só com o apoio da opinião pública mobilizada poderá o governo conquistar a força política e moral necessária para vencer a resistência dos que defendem o imobilismo e a abdicam da vontade de mudar. Só assim poderá efetivamente o governo representar os interesses básicos do país e fazer frente à voracidade dos que se aproveitam desta situação.
Se o caminho da mudança é um caminho que implica riscos, maiores riscos ainda são os que decorrem do conformismo e da continuidade, pois estes são os riscos da explosão da ira popular inorgânica, germinada pelas esperanças frustradas e que sempre servem de caldo de cultura para aventuras políticas suspeitas.
A mobilização da sociedade é, enfim, o único caminho para se desmontar os fundamentos da política econômica herdada e mantida,
– com a reconstituição do Estado regulador, capaz de articular os investimentos públicos e privados, condição indispensável para a retomada do crescimento e para vencer os pontos de estrangulamento que bloqueiam o desenvolvimento;
– com a recuperação da infra-estrutura de serviços econômica e social, desmantelada por um programa de privatização irresponsável, cuja motivação foi exclusivamente de gerar superávits de caixa ou de reduzir despesas;
– com o levantamento das restrições impostas aos bancos públicos de financiar o setor público, detentor, em larga margem, da responsabilidade da gestão da infra-estrutura econômica e social;
– com a modificação do padrão atual de inserção internacional do país, sem fechar sua economia, mas fazendo reverter o processo de abertura financeira e comercial que expôs a nação brasileira a uma vulnerabilidade externa sem comparação em nossa história; e
– com uma revisão de fundo, enfim, dos fundamentos da política econômica da última década, o que significa promover o desenvolvimento econômico, estabelecer condições para o pleno emprego e empenhar-se pela
Uma agenda positiva para a reforma universitária
No debate sobre a reforma universitária alguns pontos deveriam ser colocados para discussão sob a ótica das universidades públicas federais.
A primeira questão central é a autonomia – entendida como o direito que as universidades devem ter que lhes permita (dentro de critérios acadêmicos e com transparência na prestação de contas à sociedade) decidir livremente sobre suas questões internas (cursos, quadro docente, pesquisas, forma de administrar suas finanças etc). Embora a autonomia seja um princípio constitucional desde que a atual Constituição foi aprovada, a sucessão de governos dos anos 90 fez com que ela fosse derrogada na prática.
O segundo ponto positivo está ligado ao financiamento – entendido como o envolvimento crescente do poder público com o financiamento das universidades públicas.
O terceiro ponto é a questão da democratização do acesso. Essa discussão vai bem além dos temas atualmente propostos – que se limitam à questão de cotas (seja com caráter e viés racial, ou social, ou combinação de ambos). É necessário levar em conta que apenas 9% da população brasileira na faixa dos 18 aos 24 anos cursam universidade. Percebe-se, por esse dado, o verdadeiro caráter da universidade brasileira. Em países mais desenvolvidos como Estados Unidos e alguns da Europa, 60% da população de jovens entre dessa faixa etária cursam a universidade. Mesmo em países com nível de desenvolvimento inferior ao Brasil possuem percentual maior – a exemplo do Paraguai que é 2,5 vezes maior que o nosso. A universidade brasileira acaba sendo um instrumento de reprodução de relações de classe e exerce um papel perverso na atual situação. O problema é menos de se instalar um sistema de cotas e muito mais de se caminhar rapidamente para ampliar esse percentual. A universidade tem de se democratizar e, à medida que isso vá ocorrendo, ela terá necessariamente a cara de nosso povo. Se considerarmos que daqueles 9% citados apenas 20% estão na universidade pública, podemos deduzir que menos de 2% deles têm acesso ao ensino verdadeiramente universitário – a maior parte está em faculdades privadas, cuja qualidade de ensino é pelo menos duvidosa.
O quarto ponto envolve uma questão acadêmica por excelência: nossa universidade tem uma formatação, sob o ponto de vista de suas atividades de ensino e pesquisa, constituída há décadas atrás. Hoje, as necessidades de conhecimento e a formação da juventude exigem estruturas mais flexíveis, que possam explorar a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade. Como nossa estrutura não é adequada a isso, torna-se necessária uma reforma estrutural por dentro da universidade, de tal maneira que se criem estruturas mais flexíveis e capazes de oferecer aos jovens de hoje uma formação adequada à velocidade das transformações.
No quinto ponto devemos olhar o próprio sistema público como um problema. Acabamos, dentro da corporação universitária, por aceitar o sistema público como um dado – temos tantas e tais universidades públicas. E não nos debruçamos sobre isso como um problema. Por exemplo, no Rio de Janeiro, temos quatro universidades federais, além do Centro de Formação Tecnológica (o Cefet). Deveríamos perguntar se este formato é adequado. Não seria possível que essas universidades, ao invés de serem consideradas um ente absolutamente separado das demais, pudessem trabalhar em rede, explorando complementaridades e convergências; portanto, economizando recursos e buscando maior eficiência? inclusão social, até que o ciclo de desenvolvimento alcance a totalidade dos brasileiros.
Nas condicionantes externas, restritivas a um projeto nacional autônomo, há a predominância e imposição dos interesses geopolíticos dos EUA num contexto de padrão neoliberal de acumulação capitalista. Esse cenário tende a perdurar ou há indícios de alterações?
Aloisio Teixeira – Vale uma observação preliminar. O quadro internacional encerra grande complexidade. Há, no entanto, uma característica deste quadro para a qual devemos prestar atenção porque ela pode abrir janelas de oportunidade para uma nova atitude do governo brasileiro, tanto no front externo quanto interno.
Refiro-me à reviravolta ocorrida na economia mundial a partir do final dos anos 70, quando os Estados Unidos inverteram a mão de sua política econômica, elevando brutalmente a taxa de juros e forçando a revalorização de sua moeda. Essa decisão modificou inteiramente o quadro em que se movia a economia internacional, pois a estratégia adotada pelos Estados Unidos, a partir da inversão das políticas monetária e cambial, e desdobrada em uma escalada armamentista de alta densidade tecnológica, teve conseqüências estruturais que criaram um quadro internacional essencialmente distinto do que se estabelecera desde a II Guerra Mundial.
O colapso do mundo socialista; o fim da bipolaridade; a possibilidade inaudita de controle dos fluxos de capital pelo Federal Reserve; a vulnerabilização dos parceiros americanos, submetidos ao predomínio monetário e financeiro dos Estados Unidos; o longo ciclo de crescimento da economia americana; a recuperação de competitividade em setores de ponta do desenvolvimento tecnológico; e, em contrapartida, a dificuldade que os demais países do centro capitalista encontram em restabelecer mecanismos estáveis de crescimento econômico, podem ser vistos apenas como peças de um mesmo quebra-cabeça.
É certo que os Estados Unidos são o centro do sistema mundial e exercem uma poderosa dominação e controle sobre o conjunto dos países. Mas este quadro não corresponde nem ao conceito de hegemonia, tal como formulado por Gramsci, nem mesmo ao de imperialismo, se nos ativermos ao que foi estritamente formulado por Lênin em seu célebre texto sobre a etapa superior do capitalismo.
Por isso, tenho me referido à dominação americana usando o termo império. Pois o que caracteriza o atual quadro é, diferentemente do que ocorreu em qualquer outra época, uma brutal assimetria: a aparente convergência, observada em termos de produtividade (seja lá o que isso signifique), de desenvolvimento tecnológico e de padrão de vida, entre os países centrais, apenas disfarça a diferença abismal de poder financeiro e militar, que torna a liderança americana incontrastável, independente do “consentimento dos governados”.
Certamente a história do capitalismo jamais viveu um quadro como esse. Isso vale para o período anterior a 1815, ano em que se encerram as guerras napoleônicas; para o longo Século XIX, quando a pax britannica não impediu o surgimento de potências industriais e militares tão grandes ou maiores que a Inglaterra; para o entreguerras, longo período de crise hegemônica; e para o pós-II Guerra, quando a hegemonia americana se exerceu nos marcos da bipolaridade. Em todos esses períodos, a existência (ou não) de um poder hegemônico não eliminava a existência de um relativo (e presumido) equilíbrio de forças, que permitia às potências emergentes desafiar a potência dominante.
A singularidade da situação atual reside em um radical desequilíbrio das relações de poder, cuja base é o controle quase absoluto que os Estados Unidos exercem sobre os três pilares básicos da dominação capitalista – a moeda, a inovação tecnológica e a força militar. O controle desses processos está hoje inteiramente nas mãos dos Estados Unidos e a origem dessa concentração de poder remonta exatamente às mudanças estratégicas ocorridas na política americana ao final da década de 70.
Nesse quadro, pode-se certamente ver razões para pessimismo; mas, para mim, ainda há espaço para otimismo no plano internacional, pois pode se observar que nenhum dos “aliados” americanos do centro capitalista está satisfeito com o quadro atual; e, mais: talvez, menos satisfeitos ainda estarão os povos espalhados pelos quatro cantos do planeta.
Isto fará, certamente, com que as atenções da potência imperial estejam cada vez mais voltadas para seus conflitos e diferenças na Europa e no oriente, o que pode abrir espaços para o Brasil discutir seus problemas e buscar soluções próprias. Vale frisar, mais uma vez, que não se trata de uma trajetória de ruptura com a comunidade internacional, mas de aproveitar-se do quadro externo para fazer valer os interesses da nação, tanto em matéria de política externa quanto de política interna.
Como capacitar o país em ciência e tecnologia para sustentar o novo projeto?
Aloisio Teixeira – Ciência e Tecnologia é uma questão central para o novo projeto. E, junto com ela, toda a questão de nosso sistema educacional, do nível básico ao superior. Só ela valeria toda uma discussão.
Deve-se lembrar que nosso sistema de C & T foi constituído durante a ditadura militar, trazendo na sua forma constitutiva o selo da centralização, do elitismo e do autoritarismo. Exatamente por isso foi nesse período que se iniciou o processo de acelerada expansão do ensino superior privado sem cuidados com sua qualidade e de sucateamento do sistema fundamental público. Os sucessivos governos que sucederam a derrocada da ditadura não reverteram estes processos. Ou seja, mantiveram os mecanismos centralizados de alocação de recursos para pesquisa, e não fizeram da recuperação do sistema público de ensino uma prioridade de governo. Pior ainda: ao longo dos anos 90, o grau de sucateamento do ensino superior público federal agravou-se, com a redução sistemática dos recursos a ele destinados.
Com isso, temos hoje apenas 9% da população entre 18 e 24 anos cursando a universidade – e, destes, apenas 20% nas universidades públicas que, em geral, são as que proporcionam ensino de qualidade e desenvolvem pesquisa.
Este quadro precisa mudar. A associação entre Universidade e Projeto Nacional é indissolúvel: não há universidade sem projeto nacional e não há projeto nacional sem universidade, pois é nela que se geram os conhecimentos indispensáveis para a transformação da realidade e se formam os quadros que irão aplicá-los e dirigir os destinos do país.
Nesse sentido, urgem medidas para restabelecer, consolidar e ampliar a capacidade de pesquisa do Brasil, através de medidas que passam por uma reestruturação do sistema de ensino superior público, gerando convergências e sinergias; e pela ampliação sistemática dos recursos destinados ao custeio e ao apoio institucional deste sistema. Só que, desta vez, de forma democrática e participativa.
*Edvar Luiz Bonotto é doutor em direito e membro da Comissão Editorial de Princípios. Ana Rocha é jornalista, presidente do PCdoB/RJ e membro do Comitê Central do PCdoB.
EDIÇÃO 73, MAI/JUN/JUL, 2004, PÁGINAS 13, 14, 15, 16, 17, 18