Os comunistas brasileiros compreendem que a identidade nacional não é uma virtude que os brasileiros adquirem apenas pelo fato de terem nascido nesta parte do mundo. Essa identidade, que nos une e nos caracteriza como um povo em formação, distinto dos demais, resulta de um processo histórico secular, tendo sido construída ao longo do tempo e que avança com a intervenção consciente, organizada em torno de demandas avançadas e humanistas, tem papel determinante.

Há uma tradição entre os comunistas brasileiros de enfrentar esta questão. E, hoje, a partir da experiência que acumularam, propõem uma visão atualizada dos aspectos teóricos e práticos do tema. Querem aprofundar a compreensão da relação entre cultura e a necessária afirmação da originalidade e da criatividade dos brasileiros neste mundo em que, a pretexto da globalização, a dominação imperialista busca legitimar-se pela difusão de idéias, temas e propostas – com o brilho intenso, mas falso – de obras que alienam, entorpecem e não despertam o pensamento crítico nem a busca do conhecimento autêntico e libertador de indivíduos e coletividades. Ao contrário, rebaixam nossa auto-estima como povo e nação e tentam impor uma identidade nacional fragmentária e claudicante.

Alheia à formação de nosso povo, ela não é nacional, mas de grupos ou segmentos da população, como prega o chamado multiculturalismo, de influência norte-americana, e que dilui e atomiza a identidade e a consciência nacionais. Impõe-se a urgência do enfrentamento e superação dessa consciência colonizada que aliena da nação importantes setores de seu povo, afasta-os dos valores brasileiros e os submete aos ditames da hegemonia cultural estrangeira.

O país vive hoje uma situação de vulnerabilidade externa grave, que ameaça sua soberania. Na área da cultura ela se manifesta com a crescente hegemonia cultural norte-americana, cujos valores são difundidos principalmente pelo cinema, tevê, música e imprensa. E se traduzem em teses que pregam nossos pretensos atraso, incapacidade ou inferioridade para enfrentarmos nossos próprios problemas e encontrarmos — na arte, na cultura, na ciência, no campo do conhecimento, enfim — soluções próprias, adequadas e originais para eles.

Consideramos que a formação de uma consciência nacional crítica, criativa, popular e autônoma, é essencial para a superação dessa vulnerabilidade externa. A cultura é o esteio para a elaboração de uma identidade cultural baseada na multiplicidade das manifestações do povo brasileiro e que reforce a compreensão, essencial, de que fazemos parte de uma mesma nação que, amálgama de raízes índias, européias e africanas, é única; tem um passado vivido em comum, e em comum busca a construção de seu futuro, compartilhando história, valores, formas de pensar, sentir e manifestar-se que são próprias e constituem os vínculos que articulam os integrantes de nosso povo.

Ressaltamos ainda o papel decisivo que um governo democrático e popular pode — e deve — desempenhar no sentido de estimular e fortalecer estas identidade e consciência, nacionais.
O reconhecimento destes problemas ressalta a importância decisiva de outra demanda — a democratização da cultura. Ela se traduz em dois aspectos: a democratização dos meios materiais da produção cultural (e o financiamento é o principal deles) e a criação das condições que permitam o acesso das amplas massas aos bens e direitos culturais, possibilitando sua participação ativa na elaboração cultural e o alargamento de seu horizonte cultural. Nesse sentido, ressaltamos também a urgência da eliminação do analfabetismo que persiste e ainda afasta milhões de brasileiros dos benefícios do conhecimento.

É também fundamental a exigência da democratização dos meios de comunicação, principalmente rádio e televisão, cuja monopolização e subordinação a interesses estritamente mercantis resulta na centralização e na concentração da produção (sufocando as expressões regionais), com prejuízos graves para a expressão múltipla e diversa da cultura dos brasileiros, afetando negativamente e enfraquecendo a consciência da identidade nacional.

Os comunistas enfatizam a necessidade do planejamento público, democrático e multilateral, da ação cultural, que leve em conta a diversidade e multiplicidade das manifestações culturais brasileiras e a necessidade de integração de suas várias regiões. E que afaste o mercantilismo e a hegemonia do mecenato empresarial e privado e combata a consciência colonizada, com base em uma pauta que contemple, na produção cultural de todos os gêneros, a expressão das esperanças, anseios, contradições e valores dos brasileiros, de sua relação com o patrimônio cultural e estético da humanidade, e que almeje o registro múltiplo e contraditório de sua trajetória, que é própria e única como parte do gênero humano.

Muito se diz, não sem razão, dos efeitos destrutivos do neoliberalismo dos anos 90 sobre o Estado e a economia do país. A cultura, justamente por ser fundamento da identidade nacional, foi seriamente atacada na medida em que o neoliberalismo é incompatível com qualquer componente que reforce a riqueza e a singularidade de cada povo. A formulação de um projeto cultural avançado depende fundamentalmente da reconstrução do próprio Estado Nacional, dilapidado depois da prolongada experiência neoliberal a que o país foi submetido nas últimas décadas. Projeto que permita a tradução daquelas preocupações em políticas públicas de cultura, democráticas, nacionais e populares e expresse não apenas interesses de grupos locais e sociais hegemônicos, mas registre, apóie e viabilize a atividade dos produtores culturais, das comunidades populares e dos artistas espalhados por todo o território nacional. Uma política de cultura que exija o cumprimento da legislação de direitos autorais para partilhar com produtores culturais de todos os gêneros os ganhos financeiros gerados por suas obras. Política cultural que preveja também a reserva de parcela significativa do mercado brasileiro para a reprodução e difusão das obras culturais produzidas no país, particularmente nos casos da música, do cinema e de obras audiovisuais exibidas através da televisão.

Entendemos que a cultura e os direitos culturais, como quaisquer outros direitos do povo, só se conquistam pela mobilização. Por isso, cultivamos a presença nos movimentos culturais e fomentamos, nas entidades e espaços em que atuamos, a consciência de que o acesso à produção e à fruição cultural é um bem importante para os trabalhadores e isto lhes é negado. Desta forma, esta é uma importante frente de luta, e assim precisa ser tratada. Para fortalecê-la, impõe-se reunir e agregar em torno de aspirações comuns um vasto contingente de talentos e amantes da cultura, hoje muitas vezes isolados, mas protagonistas de ações relevantes.

Desse modo, quando o Brasil, sob o signo da esperança, movimenta-se pela mudança, pela implementação de um projeto de desenvolvimento que o retire da estagnação na qual ainda se encontra, destaca-se a cultura como parte indispensável deste projeto de desenvolvimento soberano.

Para o triunfo da mudança é necessária a elevação da auto-estima dos brasileiros e há que se adensar a consciência de que o Brasil justo, democrático e soberano pelo qual se batalha só florescerá se este povo novo e talentoso for senhor de seu destino. Sabedor de que para isso serão necessárias a garra que sempre teve e a unidade que sempre cultivou. Nenhum povo venceu sem usufruir, valorizar, desenvolver, defender e amar sua própria cultura.

EDIÇÃO 73, MAI/JUN/JUL, 2004, PÁGINAS 73, 74, 75, 76