Naquela curva do caminho
Amarildo, 65 anos, sentado na sacada de seu pequeno apartamento, queixo apoiado sobre as mãos no castão da bengala. Defronte seu prédio, a manhã despeja nas calçadas bandos de universitários. No edifício ao lado, canteiros e crianças. Na esquina, uma árvore canta, pejada de passarinhos.
– Que tromba é essa, Marildo? – pergunta a esposa, dez anos mais nova.
– É esse sol; essa manhã assim bonita bem no meio do inverno.
– Oxente! E isso é pra chatear?
– É que me dá esse gosto na boca de que a vida é mesmo uma grande precariedade; um tremendo engodo.
– Vixe, que o homem deu agora pra poeta…
O velho grunhe, como falando pra si, de olhos postos na paisagem:
– Antes fosse poesia… Quando você chega a esse ponto da vida, em que a alma tá pronta pra felicidade, o corpo entra em falência e caminha pro fim.
A esposa, enternecida, aproxima-se, e toca-lhe o ombro recurvo:
– Mas ficam as coisas boas, meu velho.
– Pfff!… Memórias.