A carta – capítulo 2
– Tá caro, seu Jorge!
– Caro, o quê? Tá quase o preço do Ceasa, dona.
– Na banca do João Antonio, o papaya tá mais em conta.
– Mas ele tem papaya bonito assim que nem o meu? Olhe só: não tem um machucado. E sabe por quê? Porque na minha banca ninguém amolega as frutas. É tudo fresquinho.
– O senhor tem conversa, né, seu Jorge?
– Olha: pra senhora, eu dou um mamãozinho de brinde. Pronto.
Jorge Zuarte de Oliveira tem uma banca na esquina da Homem de Melo com Ministro Godoy, em Perdizes. Atende a uma clientela endinheirada, que não se submete a feiras livres e quer frutas de primeira qualidade. Por vinte anos, monopolizou a freguesia e, da banca, tirou recursos que completavam bem sua aposentadoria.
O faturamento acompanhou os planos econômicos do governo e a sanha dos fiscais da prefeitura. Em tempos de recessão braba, as madames mandavam suas empregadas pechinchar ali. Com o plano real, as próprias patroas vinham apontar as frutas que deviam constar nos saquinhos plásticos que as “auxiliares” carregavam em sacolas ou carrinhos.
A idéia da banca foi dada pelo cunhado. Numa noite, jantando na casa dele, reclamara da aposentadoria: tanto do valor, como do ócio a que lhe forçava. O parente, cheio de idéias (se as vendesse a um real, estaria milhardário), sugeriu que investisse em frutas para rico.
– Eita, e tem isso, é? Fruta pra rico?
– E não? Fruta de pobre é banana, laranja-pêra. Fruta de rico: pêssego, morango, mamão papaya com ípsilon…
– Com o quê?
– Ípsilon. A letra ípsilon. Papaya de rico é com ípsilon, não com i.
– Você tem cada uma…
– Vai por mim. Monta uma banca ali em Perdizes e você vai ganhar um bom dinheiro.
Podia ser. Não era ganancioso. Queria só dar uma vidinha mais ajeitada pra sua velha. Os meninos, todos criados, graças a deus. Tinham casa própria quitada. Vendia o golzinho, comprava uma Kombi, uma banca de madeira com lona, umas frutas no Ceasa e toca vender.
– Mas tem a licença, essa coisas… – lembrou ao cunhado.
– Que ença, que oisa! Bota aí uma grana na mão do fiscal. Depois, a licença, se vê.
Meteu os peitos e montou a banca. Os primeiros fregueses foram aparecendo e ele foi diversificando as ofertas. Descobriu que rico também comia banana e laranja. Melancia também. Isso também dependia do humor da economia. Com o tempo, foi se tornando um especialista em frutas e planos governamentais.
Os fiscais logo surgiram também. Começaram ameaçando e pedindo os tubos. Pensou em denunciar. Mas o cunhado lhe deu um contato na prefeitura que, por um agrado modesto, afrouxou o torniquete do rapa.
De vez em quando, aparece um concorrente. Mas nunca vinga. O mais recente era esse João Antonio. Um moço de uns vinte anos. Instalou-se a dois quarteirões, com umas frutinhas feias e uns preços pela metade.
– Coitado. Não dura uma semana…
Oito da manhã, a banca está aberta. Dá dezoito e trinta, ele desmonta tudo e se vai. Almoça de marmita. Leva uma garrafa térmica de café e um garrafão d’água. Usa o banheiro da padaria em frente. Sente-se feliz e satisfeito com aquela vida. Melhor do que quando trabalhava de empregado. Era dono de seu próprio negócio. O que pensaria o povo de Saco das Varas se soubesse disso?