A carta – capítulo 4
O telefone toca. Enche de trinados a sala toda escura.
Dona Inácia desperta de um salto. A cabeça ainda lateja um pouco, mas já está bem melhor. Por uns instantes, fica meio apalermada, sem saber onde está. O telefone insiste. Ela, um tanto trôpega, vai até porta. A meio caminho, se liga que não é a campainha. Desvia-se no sentido da cômoda. Atende, mastigando as palavras:
– Alô, quer falar com quem?
– Nácia?
– Sim?
– Jorge. Olhe, eu vou dar um pulo na oficina. Demoro ainda um pouco.
– Que horas são?
– Umas sete e meia.
– E tem oficina aberta a essa hora?
– Oxente. A de Toninho. Lembra não?
– Ãn… Você vai demorar muito?
– Só o tempo de ajustar umas coisinhas na Kombi.
– Que coisinhas?
– Arre, quanta pergunta! Qué que cê tem?
– Nada, uai! Por que eu havera de ter alguma coisa?
– Tá, tá bom. Vai esquentando aí a janta, que já-já eu chego.
– Tem janta hoje não.
– Como? Não entendi.
– Hoje não vai ter janta! Vamos comer pizza!
– Oxente! E posso saber por quê?
– Estou com dor de cabeça.
– O quê?
– Tô com a cabeça doendo!
– E por isso não vai ter janta?
– Olha, Jorge, você trate de vir logo pra casa, que tenho um assunto sério pra tratar com você.
– Que assunto?
– Quando você chegar, a gente conversa.
– Você tá braba com quê, Inácia? Aconteceu alguma coisa?
– Já disse que tô com dor de cabeça. E dá licença que tenho o que fazer.
Desliga o telefone. Súbito, lágrimas assomam; o queixo põe-se a tremer.
– Meu Deus, o que é isso?!…
Senta-se no sofá já aos prantos. Por que chora? Olha para a carta. No escuro, sob a luz da rua que a vidraça côa, adivinha-se o rosa do envelope. O que consigo segreda? O que, assim prenhe, detonaria?