O telefone toca. Enche de trinados a sala toda escura.

      Dona Inácia desperta de um salto. A cabeça ainda lateja um pouco, mas já está bem melhor. Por uns instantes, fica meio apalermada, sem saber onde está. O telefone insiste. Ela, um tanto trôpega, vai até porta. A meio caminho, se liga que não é a campainha. Desvia-se no sentido da cômoda. Atende, mastigando as palavras:

      – Alô, quer falar com quem?

      – Nácia? 

      – Sim?

      – Jorge. Olhe, eu vou dar um pulo na oficina. Demoro ainda um pouco.

      – Que horas são?

      – Umas sete e meia. 

      – E tem oficina aberta a essa hora?

      – Oxente. A de Toninho. Lembra não?

      – Ãn… Você vai demorar muito?

      – Só o tempo de ajustar umas coisinhas na Kombi. 

      – Que coisinhas?

      – Arre, quanta pergunta! Qué que cê tem?

      – Nada, uai! Por que eu havera de ter alguma coisa?

      – Tá, tá bom. Vai esquentando aí a janta, que já-já eu chego.

      – Tem janta hoje não. 

      – Como? Não entendi.

      – Hoje não vai ter janta! Vamos comer pizza!

      – Oxente! E posso saber por quê?

      – Estou com dor de cabeça. 

      – O quê?

      – Tô com a cabeça doendo!

      – E por isso não vai ter janta?

      – Olha, Jorge, você trate de vir logo pra casa, que tenho um assunto sério pra tratar com você. 

      – Que assunto?

      – Quando você chegar, a gente conversa.

      – Você tá braba com quê, Inácia? Aconteceu alguma coisa?

      – Já disse que tô com dor de cabeça. E dá licença que tenho o que fazer.

      Desliga o telefone. Súbito, lágrimas assomam; o queixo põe-se a tremer. 

      – Meu Deus, o que é isso?!…

      Senta-se no sofá já aos prantos. Por que chora? Olha para a carta. No escuro, sob a luz da rua que a vidraça côa, adivinha-se o rosa do envelope. O que consigo segreda? O que, assim prenhe, detonaria?