Sentada ao lado do leito, dona Inácia observa seu Jorge, cabeça enfaixada, soro na veia. Os médicos tinham tirado o coágulo e prognosticaram uma recuperação rápida para ele:

      – Um homem forte a senhora escolheu pra marido, dona Inácia – declarara um jovem de branco, sorridente e afável.

      Seu Jorge parece ter diminuído de tamanho. O rosto encovado, as clavículas salientes dão a sensação de que murchara. Parece aqueles trapos que a gente estende ao comprido da porta para represar a água do quintal. Sua esposa faz um esforço para rememorá-lo saudável, rijo, mas a imagem do trapo persiste. Aos poucos, ela dá-se conta de que o marido envelhecera de fato e de que já vinha mirrando há muito tempo. Somente agora, vendo-o assim vulnerável, pousado numa cama de hospital, pôde reparar.

      – Dona Inácia?

      – Sim.

      – Suas filhas estão aí. Posso mandar entrar?

      Um raio de alegria perpassa o rosto da velha. Levanta-se da cadeira, pede que as introduzam no quarto e vai ajeitar o companheiro. Lenta e cautelosamente, vão entrando as "meninas". Primeiro Glória, alta, espigada, cabelos escuros ondulados e compridos. Tem o rosto fino, pele clara, lábios grossos e olhos castanhos escuros amendoados. Em seguida, vem Mariana, a mais nova: um pouco menos alta que a irmã, tem a pele dourada de sol, cabelos castanhos claros e lisos, olhos pequenos da mesma cor, lábios finos de um rosa pálido. Usa um jeans que lhe acentua as curvas do corpo.

      Abraçam a mãe – Mariana em lágrimas; Glória, serena – e vão ver o estado do pai. Mariana aperta um pouco mais o choro, mas procura se conter. Dona Inácia a abraça e busca sossegá-la.

      – Vocês já comeram? – pergunta às filhas.

      – Eu comi um lanche. Mariana é que não quis nada.

      – Então vamos lá fora comer alguma coisa e conversar, vamos.

      Na lanchonete, dona Inácia, a despeito dos protestos da filha, pediu um sanduíche para a Mariana e um para si. Glória escolheu um suco e abriu a conversa:

      – Como ele está?

      – Bem – responde a velha. Pode ficar com alguma seqüela, mas eu acho que vai ser coisa pouca. Seu pai não bebe, não fuma, não é de extravagâncias. pelo menos que eu saiba.

      – Como assim "pelo menos que eu saiba" ?- inquire Mariana – Vocês sabem tudo um do outro!

      Diante do silêncio eloqüente da mãe, insiste:

      – Não sabem?

      – O que foi, mãe? – pergunta Glória – Você quer dizer pra gente alguma coisa?

      Dona Inácia amassa farelos de pão na mesa e reflete. O que dizer às filhas? Que há uma carta? Que a cor do envelope é rosa? E que uma certeza, tanto sem tamanho, como sem razão, lhe diz que era responsável por tudo aquilo e por muito mais que haveria de vir?

      – Vocês conhecem alguma Lucinda?

      – Quem? – quis saber a mais velha.

      – Lucinda. Lucinda Almeida.

      Mariana olha ansiosa para a irmã, sem entender. Glória devolve o olhar como a dizer "calma, vamos ouvir".

      – Tá lá em casa, na mesinha de centro, uma carta pra seu pai mandada por uma tal de Lucinda Almeida. O envelope é cor-de-rosa, perfumado, a letra é de mulher, escrita em lilás.

      – E o que diz? – perguntou Glória.

      – Não sei. Não abri.

      As filhas voltam a se olhar, agora ambas espantadas. Desta vez, é Mariana quem diz:

      – A senhora não abriu? E por quê?

      – Não é uma carta comercial? – busca esclarecer a outra – Às vezes, é algum fornecedor, desses do Ceasa. A senhora não tá achando…

      – A carta veio de Saco das Varas. – interrompe dona Inácia.

      – Então é algum parente. – intervém Mariana.

      – Seu pai é Zuarte de Oliveira. Não sei de nenhum Almeida na família dele.

      – Pode ser um conhecido, mamãe. – argumenta Glória, sensata. Alguém que descobriu o endereço dele aqui e resolveu entrar em contato.

      – Quem mandou a carta foi uma mulher. – retruca a mãe, seca.

      – Então tá bom, mãe: uma conhecida, pronto. Por que a senhora não abre logo a carta, lê e pára com essa cisma?

      – Porque ali há uma verdade… que eu não sei se quero conhecer.