A carta – capítulo 12
Na oficina de Toninho, além de consertos de carros, fazem-se conjecturas. Desde que seu Jorge caiu duro no assoalho, os freqüentadores mais assíduos do negócio e seus funcionários debatem as razões do acontecido.
– Ele começou a bambear logo depois que você disse o nome do sujeito que veio procurar ele aqui, Toninho.
– Você acha que tem a ver com o sujeito, Biriba?
– Só tem.
– Porra, pro seu Jorge ficar daquele jeito, então o cara sabe coisa.
– Ih, lá vem você, Josia. Sempre achando que tem podre na vida alêa.
– Que podre, ô mané? Só tô falando que o cara sabe algum lance do velho.
– Aposto que seu Jorge tá aqui em São Paulo fugido.
– Cê acha mesmo, Zezinho?
– Acho.
– Pois tá achando é muito pro meu gosto, viu? Vai, vai lá drento lavar as peça, vai.
– Porra, Toninho! Eu nunca posso dar opinião, meu!
– Olha essa boca, moleque! Vê se me respeita. Quando cê for dono aqui, cê dá opinião, tá ligado. Agora chispa, que aqui é conversa de homem. Né assunto de menino não.
– Porra, Toninho, pega leve com o moleque.
– Tá com pena? Leva procê.
Risos gerais. Zezinho fica lá dentro emputecido com aquilo tudo. Menino… Tá bom, menino…
– Tenho quinze ano, porra! – grita lá dentro.
Toninho nem se abala. Com o palito na boca, dá curso à conversa:
– Pois eu acho que uma coisa não tem a ver com a outra. Esse negócio de avc, chega uma hora que o bicho estoura, e pronto. Acho que vocês tão é vendo pêlo em ovo.
– Ah, sei não. Quando cê falou o nome da cidade dele, ele ficou branco feito essa tinta aí.
– Essa aqui, Biriba?
– Ih, ó o cara… Tá querendo tirar uma comigo, Toninho?
– Não, rapaz. Eu só perguntei se era essa tinta aqui. Que essa aqui é bége, né branca não.
– Liga não, Biriba. Conheço Toninho. Ele tá querendo é proteger o velho. Tá certo: o homem é freguês e é gente boa. Pra que mexer com ele?
– Mas ninguém tá aqui querendo prejudicar ninguém – devolve Biriba -. A gente só tá especulâno, só isso. Tenho nada a ver com a vida dos outro não, mano.
– Pois eu não tenho procuração pra proteger ninguém não, seu Josia. Só acho que o velho adoeceu porque tinha que adoecer. E agora vocês me dão licença, que eu tenho que fechar o barraco.
– Ué, tá fechando mais cedo por quê?
– Porque eu quero.
– Tá bom, tá bom. Tô indo. Tchau aí.
Toninho baixa a porta de aço, manda seu povo todo se lavar. Senta no pequeno escritório, procura no ficheiro e acha: Argemiro Vieira. Reflete, reflete, e resolve discar. Do outro lado, uma voz feminina:
– Alô?
– Seu Argemiro, por favor.
– Quem quer falar com ele.
– É da oficina do Toninho.
– Gemiro! Telefone!
– …
– Alô.
– Seu Argemiro?
– Sim.
– Aqui é Toninho, da oficina que o senhor outro dia veio perguntar pelo seu Jorge, lembra?
– Sim, me alembro. O que manda?
– Tô ligando pra informar que seu Jorge foi hospitalizado. Teve um avc, uma espécie de derrame, sabe. Mas já operou e passa bem.
– Ele tá internado, é?
– Deve tá.
– Onde, hein.
– O senhor é parente dele?
– Sou não. Só um conhecido. Eu lhe disse no dia que tive aí.
– Pois ele passou mal justamente na hora em que disse que o senhor estava procurando ele.
– Foi?
– É.
– Hm. Mas não tem relação não, num sabe, que ele nem deve de lembrar de mim. Eu era um rapazola quando ele deixou Saco das Varas.
– Sei.
– Acho que eu vou lhe fazer uma visita. Você pode me dizer o hospital em que ele está?
– Ah, isso eu não sei, não senhor. A família é que cuidou de tudo. Ele tem convênio. Deve tá em algum desses hospitais particular.
– Sei. Sua oficina fica na Santa Cecília, não é mesmo?
– É.
– Então tá bom. Qualquer dia eu passo aí pra ajeitar umas coisas no monza réio. Um abraço.
– Té mais.
Cada qual com a mão sobre seu aparelho, dispara para um oponente imaginário à sua frente:
– Tá me escondendo o ouro, né cabra safado. Mas deixa estar, jacaré, deixa estar…