Na oficina de Toninho, além de consertos de carros, fazem-se conjecturas. Desde que seu Jorge caiu duro no assoalho, os freqüentadores mais assíduos do negócio e seus funcionários debatem as razões do acontecido.

      – Ele começou a bambear logo depois que você disse o nome do sujeito que veio procurar ele aqui, Toninho.

      – Você acha que tem a ver com o sujeito, Biriba?

      – Só tem.

      – Porra, pro seu Jorge ficar daquele jeito, então o cara sabe coisa.

      – Ih, lá vem você, Josia. Sempre achando que tem podre na vida alêa.

      – Que podre, ô mané? Só tô falando que o cara sabe algum lance do velho.

      – Aposto que seu Jorge tá aqui em São Paulo fugido.

      – Cê acha mesmo, Zezinho?

      – Acho.

      – Pois tá achando é muito pro meu gosto, viu? Vai, vai lá drento lavar as peça, vai.

      – Porra, Toninho! Eu nunca posso dar opinião, meu!

      – Olha essa boca, moleque! Vê se me respeita. Quando cê for dono aqui, cê dá opinião, tá ligado. Agora chispa, que aqui é conversa de homem. Né assunto de menino não.

      – Porra, Toninho, pega leve com o moleque.

      – Tá com pena? Leva procê.

      Risos gerais. Zezinho fica lá dentro emputecido com aquilo tudo. Menino… Tá bom, menino…

      – Tenho quinze ano, porra! – grita lá dentro.

      Toninho nem se abala. Com o palito na boca, dá curso à conversa:

      – Pois eu acho que uma coisa não tem a ver com a outra. Esse negócio de avc, chega uma hora que o bicho estoura, e pronto. Acho que vocês tão é vendo pêlo em ovo.

      – Ah, sei não. Quando cê falou o nome da cidade dele, ele ficou branco feito essa tinta aí.

      – Essa aqui, Biriba?

      – Ih, ó o cara… Tá querendo tirar uma comigo, Toninho?

      – Não, rapaz. Eu só perguntei se era essa tinta aqui. Que essa aqui é bége, né branca não.

      – Liga não, Biriba. Conheço Toninho. Ele tá querendo é proteger o velho. Tá certo: o homem é freguês e é gente boa. Pra que mexer com ele?

      – Mas ninguém tá aqui querendo prejudicar ninguém – devolve Biriba -. A gente só tá especulâno, só isso. Tenho nada a ver com a vida dos outro não, mano.

      – Pois eu não tenho procuração pra proteger ninguém não, seu Josia. Só acho que o velho adoeceu porque tinha que adoecer. E agora vocês me dão licença, que eu tenho que fechar o barraco.

      – Ué, tá fechando mais cedo por quê?

      – Porque eu quero.

      – Tá bom, tá bom. Tô indo. Tchau aí.

      Toninho baixa a porta de aço, manda seu povo todo se lavar. Senta no pequeno escritório, procura no ficheiro e acha: Argemiro Vieira. Reflete, reflete, e resolve discar. Do outro lado, uma voz feminina:

      – Alô?

      – Seu Argemiro, por favor.

      – Quem quer falar com ele.

      – É da oficina do Toninho.

      – Gemiro! Telefone!

      – …

      – Alô.

      – Seu Argemiro?

      – Sim.

      – Aqui é Toninho, da oficina que o senhor outro dia veio perguntar pelo seu Jorge, lembra?

      – Sim, me alembro. O que manda?

      – Tô ligando pra informar que seu Jorge foi hospitalizado. Teve um avc, uma espécie de derrame, sabe. Mas já operou e passa bem.

      – Ele tá internado, é?

      – Deve tá.

      – Onde, hein.

      – O senhor é parente dele?

      – Sou não. Só um conhecido. Eu lhe disse no dia que tive aí.

       – Pois ele passou mal justamente na hora em que disse que o senhor estava procurando ele.

      – Foi?

      – É.

      – Hm. Mas não tem relação não, num sabe, que ele nem deve de lembrar de mim. Eu era um rapazola quando ele deixou Saco das Varas.

      – Sei.

      – Acho que eu vou lhe fazer uma visita. Você pode me dizer o hospital em que ele está?

      – Ah, isso eu não sei, não senhor. A família é que cuidou de tudo. Ele tem convênio. Deve tá em algum desses hospitais particular.

      – Sei. Sua oficina fica na Santa Cecília, não é mesmo?

      – É.

      – Então tá bom. Qualquer dia eu passo aí pra ajeitar umas coisas no monza réio. Um abraço.

      – Té mais.

      Cada qual com a mão sobre seu aparelho, dispara para um oponente imaginário à sua frente:

      – Tá me escondendo o ouro, né cabra safado. Mas deixa estar, jacaré, deixa estar…