A ceia
Nesse mundo de concreto,
Sobre o viaduto da Condessa de São Joaquim,
Distribuem sopa aos sem-ninguém, aos sem-teto,
Não sei de quem é a benevolência,
Talvez, de algum descendente da condessa,
Talvez de algum devoto de Joaquim.
Sei que lá estão: na fila, em silêncio.
Os semblantes densos,
Ao que parece vão comungar.
Há uma ordem, uma disciplina
Que lembra os campos de concentração.
O cheiro do alimento atrai, também,
Uma matilha de cachorros-sem-dono.
Um menino mendigo faz de uma das mãos
Uma concha e reparte sua ração
Com uma cadelinha, também, pedinte.
Após a ceia, muitos se deitam
Nas escadarias do elevado.
Os olhos tristes e baços.
Um jovem, bem-vestido para um maltrapilho,
Sentado na amurada,
Olha lá para baixo seduzido pelo vão da avenida.
Não se trata de suicídio.
Está deslumbrado com o mar de automóveis,
Com o colorido das luzes que se movem.
As Delícias do Amargo & Uma Homenagem poemas – Adalberto Monteiro
Editora Anita Garibaldi, 2006
Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).