Meu pai costumava acordar com uma rádio que dava hora de minuto em minuto, algo parecido com a rádio relógio de A hora da estrela de Clarice Lispector, porém, não lembro de ouvir tocar "Una Furtiva Lacrima", mas as músicas de Duduca e Dalvam, Léo Canhoto e Robertinho, Cascatinha e Inhana entre outros. No intervalo das músicas o locutor fazia algumas diabruras com o objetivo de acordar o ouvinte, entre elas, a constante chamada de uma vaca e o pedido para que a esposa jogasse água no marido. Entre tudo, repetia: "O trabalho dignifica o homem!" Iniciei-me no mundo do trabalho ouvindo esta frase: O trabalho dignifica o homem!

      Alguém que tenha contato com o texto ou a encenação de Nossa vida em Família de Oduvaldo Vianna Filho pode identificar a pouca relação entre esta frase e a realidade através da situação representada pelo personagem Sousa, um sexagenário que tendo trabalhado a vida toda, não consegue obter a segurança de uma moradia, e então, não podendo resguardar-se na dignidade, é separado da esposa contra vontade de ambos e depositado num asilo. Coisas do "mundo do trabalho".

      O mundo do trabalho trás à memória um tempo em que eu trabalhava numa siderúrgica, nas noites frias, um colega que trabalhava numa maquina parelha com a minha repetia sempre a mesma indignação: "Grande idéia essa história trabalho noturno heim…? É! porque o filho da puta, dono dessa merda, pode ganhar dinheiro até dormindo enquanto a gente tá aqui se fudendo!"

      Bem, esta pequena reflexão lastreada na memória é uma tentativa de dialogar com a lógica de um panfleto escrito por Paul Lafargue em 1880, cujo título é O direito à preguiça, e, de algum modo, com um sonho antigo, o desejo que os trabalhadores amanheçam com certa aspiração ao paraíso e não reivindiquem mais o direito ao trabalho, mas o direito à preguiça, ou, que o direito ao trabalho não seja mais, em primeira instância, o correspondente ao direito à sobrevivência, mas o direito ao prazer de viver.