O ministro da Coordenação Política e Assuntos Institucionais falou à Princípios sobre os três primeiros semestres do governo Lula, o que está por trás dos ataques da oposição conservadora (PSDB e PFL) e sobre as perspectivas para as eleições

Recentemente o governo fez um balanço de seus primeiros 18 meses de mandato. Quais realizações você destacaria neste período? Qual compromisso tem se revelado mais difícil para a implementação do governo?
Aldo Rebelo – O governo do presidente Lula e das forças políticas, sociais, econômicas e intelectuais reunidas em torno de seu projeto, tem como principal objetivo ampliar os horizontes da vida democrática do nosso país, estender os direitos do nosso povo e aumentar a presença comercial e geopolítica do Brasil na América do Sul e no mundo, como parte do esforço pelo fortalecimento da soberania do nosso país.
É evidente que essa tarefa apresenta grandes desafios e obstáculos. O Brasil é um país marcado por desequilíbrios, por deformações e desigualdades regionais, sociais, culturais e por preconceitos de classe, de raça e de região. E essas dificuldades estão sendo enfrentadas com determinação.
Creio que os 18 meses de balanço apresentam êxitos inquestionáveis. O nosso programa social é um dos mais ousados do mundo. Pretendemos atingir com ele uma população equivalente à população da Argentina. A nossa meta é a proteção social de 30 milhões de brasileiros situados numa condição muito desfavorecida.
Todos conhecem a difícil herança que recebemos na economia. O presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu de seu antecessor, Itamar Franco, uma dívida de R$ 60 bilhões e nos deixou como herança uma dívida de R$ 800 bilhões. Encontramos o país à beira da inflação, o risco-Brasil espalhando descrédito entre os nossos parceiros comerciais e os nossos credores em todo o mundo.
O novo governo fez um grande esforço para recuperar a capacidade do país de controlar a inflação, baixar a taxa de juros – que hoje ainda é muito elevada, mas é a mais baixa dos últimos 12 anos –, preparar o país para voltar a crescer, retomar a capacidade do mercado interno e ampliar os horizontes do nosso comércio exterior. Nesse último aspecto se situa a vitória mais importante. O Brasil mudou de status como país exportador. Hoje nosso país tem uma presença consolidada e com grande expectativa de crescimento no comércio mundial.
O governo atuou com muita firmeza para unir a América do Sul num projeto político comercial e cultural comum. A determinação do governo é para viabilizar uma infra-estrutura que faça a ligação física entre os países da América do Sul. Basta dizer que enquanto na América do Norte o Pacífico e o Atlântico estão ligados por ferrovia desde meados do século XIX, um objetivo como esse ainda não foi alcançado por nós até hoje. Provavelmente isso se dará ainda sob o governo do presidente Lula, quando a ligação ferroviária entre o Porto de Santos (SP) e o Porto de Antofagasta (Chile) percorrerá 4.280 quilômetros, ligando os países e atravessando o nosso subcontinente.
Acho que com as possibilidades da retomada do crescimento da economia o governo terá mais liberdade para afirmar uma política que combine a busca de um projeto nacional que, além de gerar empregos e renda, afirme o nosso mercado interno como patrimônio insubstituível na nossa proposta de tornar o país mais justo e mais independente.
A posição do governo brasileiro em face às negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) parece também um movimento importante no sentido do resgate da soberania do país…
Aldo Rebelo – Na verdade, e a bem da justiça, o Brasil nunca viu a Alca como um destino. E essa posição foi mantida e ampliada pelo governo do presidente Lula e pelo chanceler Celso Amorim: priorizar o Mercosul e fortalecer as instituições e os caminhos para que a presença e a integração do Brasil no mundo tenha como primeiro passo a integração com os países sul-americanos.

A oposição conservadora, por ocasião da passagem dos dez anos do Plano Real, disseminou a mensagem de que, ao contrário de uma herança maldita, o governo Lula teria recebido uma herança benigna de seu antecessor. Qual sua posição sobre isso?
Aldo Rebelo – Esse é o discurso que restou para os tucanos e o PFL: de que o governo simplesmente deu prosseguimento à política herdada do governo anterior.
Rigorosamente, são duas opções opostas.
O governo do presidente Fernando Henrique buscou a integração de fora para dentro, a partir de capitais e das tecnologias de fora, acumulando déficits monumentais na balança comercial, arruinando as contas externas do país. O governo do presidente Lula buscou outro caminho e alterou a relação cambial da nossa moeda, o real, com o dólar. O nosso caminho é o da integração com o mundo de dentro para fora; ou seja, a partir do Brasil, buscando o apoio nas exportações, no superávit comercial e não no déficit. Numa relação favorável ao país na política cambial, num esforço para que o Brasil retome a possibilidade de constituir um mercado interno capaz de dar suporte ao desenvolvimento sustentável do país.
O Brasil aposta na ampliação da sua infra-estrutura, o governo apresentou a Integração Regional Sul-Americana para facilitar o acesso do Brasil aos mercados sul-americanos e o acesso dos países sul-americanos ao mercado brasileiro. E através do Pacífico o caminho de acesso do Brasil e dos demais países sul-americanos ao mercado asiático.
O governo pôs como uma questão decisiva baixar a taxa de juros, que nós encontramos em patamar estratosférico quando o presidente Lula assumiu em janeiro de 2003. Os juros, repito, ainda são elevados, mas o governo vai continuar fazendo esforço para que a taxa de juros no Brasil seja compatível com as necessidades do financiamento do nosso desenvolvimento e com o financiamento da nossa dívida pública.

A oposição conservadora ameaça “nacionalizar as eleições municipais”, forçando um julgamento do governo Lula nas urnas. O governo teme essa federalização do pleito?
Aldo Rebelo – Não. O governo não tem como escolher o tema das eleições. Vai enfrentar de acordo com aquilo que também for escolhido pelos adversários. São eleições municipais. A gestão das cidades é o que mais importa nessa batalha, mas o governo e os partidos do governo estão preparados para enfrentar o embate, demonstrar o que as forças conservadoras nos deixaram como herança e mostrar o esforço que o governo tem feito para mudar o rumo do país. Naturalmente isso não está sendo alcançado no ritmo que todos desejávamos, e desejamos. Mas as medidas adotadas são coerentes com o nosso propósito de tornar o Brasil um país mais democrático, mais justo e mais independente.

Qual seu prognóstico geral sobre o resultado eleitoral?
Aldo Rebelo – Tenho confiança em que as forças que sustentam o governo do presidente Lula sairão amplamente vitoriosas nessa batalha. E que diminuirá ainda mais o espaço político do PFL e do PSDB.
E acho que essa ameaça às posições do PFL e do PSDB é que leva essas correntes em certas circunstâncias a adotarem posições desesperadas no seu confronto com o governo e com as forças políticas que apóiam o presidente Lula.

Houve uma certa dispersão do campo das forças lideradas pelo presidente Lula ao menos no plano do primeiro turno das eleições. Como essas forças deveriam se portar tendo em vista uma batalha que é definida em dois turnos?
Aldo Rebelo – Na verdade, seria preferível que a aliança das forças que sustentam o governo se desse em dois movimentos. No primeiro, garantir a unidade do núcleo histórico dessa aliança, formado pelo PT, PCdoB e PSB e no segundo movimento incorporar os demais aliados no maior número possível de capitais e de cidades para disputar as eleições. Essa operação não foi totalmente vitoriosa, embora em certa medida tenha ocorrido, como no caso da aliança do PT com o PCdoB, que percorre pelo menos 17 das 26 capitais do país.
Há de se buscar um compromisso entre os partidos que formam a base do governo de preservação das suas relações no primeiro turno e de busca das alianças no segundo para enfrentar os candidatos do PFL e do PSDB.

Entre as razões que levaram o presidente Lula a convidá-lo para exercer o Ministério da Coordenação Política parece se destacar a motivação de dar uma feição mais plural ao núcleo de coordenação do governo. Tal concepção de um governo sustentado por amplas forças – um governo de coalizão – tem sido assimilada pela base governista, em especial o partido hegemônico, o PT?
Aldo Rebelo – O processo das alianças políticas e da construção de um governo de coalizão nunca é um processo acabado. Ou seja, é um processo em construção permanente, de aprendizado de sentido educativo.
Além dos princípios que devem nortear essa aliança, do respeito entre os aliados, há o princípio segundo o qual quem apóia o governo deve participar do governo, e ter sua importância reconhecida e sua presença assegurada na formulação das políticas e nas funções de governo.
E creio que esse aprendizado está em curso. Há incompreensões, há resistências, mas penso que prevalece a convicção do próprio presidente Lula de que o país pode, e deve, ser governado pela mais ampla união de forças políticas, sociais, intelectuais, de caráter democrático e patriótico – que assegurem a maioria social, a maioria política e a maioria parlamentar, que garantam a governabilidade e que dêem ao presidente as condições de cumprir o seu projeto de avançar na construção da democracia, da ampliação dos direitos do povo e da soberania nacional.

Adalberto Monteiro é jornalista e editor de Princípios.

EDIÇÃO 74, AGO/SET, 2004, PÁGINAS 12, 13, 14