Há dois anos o povo brasileiro, ao dar vitória à Frente Lula Presidente, protagonizou uma viragem na política brasileira. Pela vez primeira elegeu um líder operário para presidir o mais importante país da América do Sul e alçou ao núcleo do governo da República um bloco de forças novas e avançadas. Com esse gesto histórico, o povo disse não ao conservadorismo neoliberal e apostou na mudança – depositou sua esperança num novo projeto de país.

Agora, em outubro, quando é convocado às urnas, o eleitorado brasileiro, novamente, está chamado a fazer uma opção entre aqueles dois caminhos. Embora sejam eleições municipais, o seu resultado fortalecerá as forças políticas da mudança, lideradas por PT, PCdoB e PSB, ou dará um fôlego novo ao bloco político do retrocesso, da oposição conservadora, capitaneado por PSDB e PFL.

Exatamente isto está em jogo nesta jornada eleitoral já em aceso andamento. Ao decidir sobre os destinos de suas cidades, os eleitores também estarão decidindo, em certa medida, sobre os destinos de seu país.

É grande, portanto, a responsabilidade das legendas partidárias, do movimento sindical e social, dos intelectuais e expoentes da cultura comprometidos com o Brasil e os trabalhadores. Impõe-se barrar o plano da oposição conservadora de retomar posições e, dessa forma, qualificar-se para um possível retorno ao governo da República em 2006.

É preciso, pois, conquistar o eleitorado para a reafirmação pela alternativa de um país democrático, soberano e socialmente justo. Tarefa que encerra assegurar a vitória das forças políticas lideradas pelo presidente Lula, que disputam as prefeituras e as cadeiras das Câmaras Municipais.
Tal vitória, necessária para fortalecer a jornada pelas mudanças, está ao alcance das forças progressistas e democráticas. Contudo, o confronto se apresenta difícil em várias capitais e em importantes municípios e sem largo favoritismo a nenhum dos blocos em contenda.

A oposição conservadora – por representar os interesses dos grandes grupos financeiros do país e do exterior, por ser o canal de representação dos latifundiários e outros setores reacionários da sociedade brasileira –, tem volumosos recursos financeiros e materiais, apoio escancarado dos meios de comunicação; portanto, grande poder de fogo. Daí sua competitividade. Ademais, desalojados do governo central em 2002 e se julgando já refeitos da derrota que sofreram, esses setores das classes dominantes estão dispostos a usar todas as armas e, com energias redobradas, lançam-se para dar êxito a um projeto que poderia ser denominado de “operação-retorno”.

Uma dessas armas é o velho ardil da hipocrisia e da falsidade. Os candidatos do bloco PSDB-PFL, liderado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apresentam-se, num passe de mágica, como os paladinos da justiça social, da democracia e dos interesses do país, dizendo terem deixado um legado bendito e um país pronto para crescer.

Uma campanha eleitoral, por excelência, é luta de idéias, conflito de argumentos. Nesse sentido, cabe ao campo das forças lideradas pelo presidente da República, com serenidade e firmeza, apresentar o julgamento que a nação já fez dos dois governos neoliberais de FHC: eles golpearam a soberania nacional, mutilaram a democracia e impuseram à nação o autoritarismo; eliminaram ou mitigaram direitos dos trabalhadores; e condenaram o povo ao desemprego, ao arrocho salarial, à violência, à miséria. A herança é maldita. Não há marqueteiro ou mistificador que consiga ocultar esta verdade.

Se a oposição conservadora merece ser enfrentada com essa vigorosa contundência, em relação ao povo, as candidaturas e coligações progressistas devem, simultaneamente, apresentar as realizações frutíferas do governo, os compromissos que já foram resgatados, e ter a humildade de ouvir e considerar as críticas e as insatisfações da população.

Essa atitude política poderá ajudar os eleitores a compreenderem o fato de ser impossível em um ano e meio de governo consertar “os estragos” da herança maldita e mudar por completo a face de um país do porte e da complexidade do Brasil.

De qualquer maneira, apesar dessas limitações da política macroeconômica ortodoxa, há um conjunto de feitos e realizações que permitem uma prestação de contas altiva, e mesmo de justificado orgulho, pelo trabalho até aqui realizado. Insuficiente, mas grandioso.

Com o governo Lula o país se reencontrou com a democracia. Democracia não apenas de criticar, se opor, sugerir, participar da elaboração das políticas públicas, mas, sobretudo, democracia que assegura aos trabalhadores o direito à organização e à luta – como é o caso da luta pela reforma agrária, que teve um ascenso desde a posse do novo governo.

O governo batalha com altivez pela soberania do país, cujo exemplo emblemático é a ação hábil e eficiente contra o projeto da Alca no formato neocolonialista proposto pelos Estados Unidos. O governo empreende significativos esforços para melhorar a qualidade de vida do povo, buscar enfrentar a imensa dívida social acumulada num longo processo de exclusão e concentração da renda.

É claro que as cidades serão o tema central desse embate. Suas riquezas, seus problemas e dilemas e, sobretudo, suas potencialidades. A questão fulcral apresentada, usando um verso de Carlos Drummond de Andrade, é se “as cidades podem vencer”, se elas podem oferecer uma vida digna, alegre e decente a todos os que as habitam, sobretudo, ao povo – alvo de tantas exclusões e privações. Essa questão exige uma resposta exaustiva, segundo a singularidade de cada município.

Mas, o que deliberadamente se sublinha é o significado político nacional destas eleições municipais. As conseqüências de seu resultado às cidades e ao país. Dois campos em confronto: a mudança e o retrocesso.

EDIÇÃO 74, AGO/SET, 2004, PÁGINAS 3, 4