“Segurança pública como política social”
Como as questões nacionais se tornam concretas no município?
Jandira Feghali – O município é por definição o local em que todos os cidadãos recebem os impactos das políticas públicas. Ele é afetado diretamente por problemas de trânsito, segurança, saúde e educação. Todas essas funções públicas da prefeitura têm forte ligação com as políticas nacionais. Assim, cabe a pergunta: Qual a função das políticas públicas em uma sociedade capitalista civilizada ou democrática?
Esta política deve se voltar fundamentalmente para a defesa e a ampliação dos direitos democráticos dos cidadãos. O gasto público, a variável decisiva para a distribuição de renda tem como função a distribuição igualitária do acesso aos serviços públicos.
Se essa é a questão primordial, é impensável uma política pública de universalização dos direitos de cidadania, quando se privilegia o pagamento dos encargos financeiros em detrimento do avanço da redistribuição dos impostos e taxas arrecadados pelo Estado para as políticas sociais.
Se for possível se pensar que o poder central pode até, no limite, se auto-impor determinadas restrições de gasto social, para o município que lida diretamente com as demandas sociais mais prementes esta restrição se torna sufocante.
Como conseguir induzir uma política de investimento público para a geração de empregos, se os limites de endividamento são determinados pelo conjunto das instituições municipais e não pela capacidade gerencial de cada uma delas? Isso só serve ao poder central para usar sua força de pressão política para enquadrar as prefeituras em seus objetivos de superávit primário e metas de inflação.
Como conseguir uma autonomia financeira e gerencial com uma política monetária restritiva, de altas taxas de juros, que retira recursos fiscais da cidadania para as instituições financeiras, em detrimento da sua aplicação social e de distribuição de renda?
Como gerar empregos se a atividade econômica está reprimida e sufocada, e não há perspectiva de crescimento econômico?
Uma política econômica que não privilegia a produção, nem a renda e o emprego é incapaz de fazer com que os municípios tenham uma arrecadação suficiente para implementar propostas autônomas de geração de emprego e renda.
Pode-se e deve-se formular propostas para a melhoria da articulação entre os municípios. No caso da cidade do Rio de Janeiro a prefeitura tem por obrigação romper com o isolacionismo e o elitismo daqueles que pregam a desfusão como se esta fosse a solução para os problemas da cidade do Rio de Janeiro.
Essa concepção fragmentada e pontual de atacar os problemas é que leva ao desencanto de se achar que as políticas universais de atendimento social são responsáveis pela má-prestação dos serviços públicos. Se isso é verdade, então, só resta a municipalização exacerbada como proposta pelos autonomistas do Rio de Janeiro:
“São diversos e complexos os obstáculos para a recuperação do estado carioca. Mas há esse irremediável divórcio entre nossa cidade e os órgãos estaduais que interferem em seu cotidiano. Chegamos no ponto em que urge criar novas instituições para a segurança, as águas e esgotos, o meio ambiente e a educação secundária pública e laica”. (Alfredo Sirkis, O Globo, 08/07/2004)
Essa concepção sempre surge na véspera de eleições, normalmente patrocinada por aqueles setores da sociedade mais interessados em sua despolitização e na desvinculação das questões locais das questões nacionais. Será que separar a cidade do Rio de Janeiro do estado do Rio de Janeiro vai resolver os problemas da violência, do saneamento, da educação e da saúde da cidade? Ou, como é o mais provável, vai apenas encobrir a má gestão financeira e gerencial, uma concepção autoritária, centralizadora e tecnoburocrática, que não confia em uma administração participativa, democrática e popular da prefeitura.
A despolitização significa termos de pensar na resolução dos problemas da prefeitura no próprio âmbito do município. Esquece que as regiões metropolitanas estão interligadas e integradas tanto espacialmente, quanto social e economicamente. Para que a administração municipal tenha sucesso em sua política de transporte tem que atuar metropolitanamente.
Pode-se enumerar uma longa lista de efeitos nacionais com influência local. Porém, o mais importante parece ser recuperar a velha, porém sempre atual, idéia da esquerda: não se pode ser internacionalista sem ser nacionalista; ou, adaptando-a para a questão municipal: não se pode ser um bom municipalista sem entender a questão nacional.
Qual o papel da prefeitura e a política de segurança pública na cidade do Rio de Janeiro?
Jandira Feghali – A exacerbação do fenômeno da violência urbana e a falta de Política de Segurança Pública eficaz levaram a cidade do Rio de Janeiro a uma situação limite, de crise, de perda de controle pelas autoridades e de ameaça à vida dos cidadãos. Todas as esferas de vida na cidade são afetadas pelo clima de insegurança. Nos últimos 20 anos, a taxa de homicídios cresceu de 11,7 por 100 mil habitantes em 1980, para 27,8 em 2001. Os países da Europa ocidental têm taxas inferiores a 3 mortes por 100 mil hab, enquanto nos Estados Unidos situa-se na faixa de 5 a 6 mortes por 100 mil hab. No estado do Rio de Janeiro a taxa é de 50,5 homicídios por 100 mil hab.
Os dados indicam os índices mais elevados de homicídios na faixa etária dos 15 aos 24 anos e para os pobres e negros. Portanto, esse é o retrato das vítimas preferenciais da violência letal.
Nesse quadro dramático, a impunidade campeia. A polícia só consegue esclarecer 4% dos homicídios, segundo informação do coronel Jorge da Silva, secretário de Direitos Humanos do Governo do Estado.
A Violência doméstica e sexual contra a mulher, acima de dez anos, entre 1985-1955 cresceu 88%, segundo o Ministério da Saúde. No Rio de Janeiro, em 1992, em quatro das cinco Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (DEAM), das 92% das ocorrências registradas, 78% reportavam agressões efetuadas por cônjuges ou ex-cônjugues, 9% parentes e 5% vizinhos das denunciantes.
A omissão do prefeito, o descrédito nas forças policiais e a desconfiança de que os poderes públicos combatam a violência ensejam o aparecimento de valores antidemocráticos e o enfraquecimento dos laços de solidariedade humana, fazendo crescer o medo. Como corolário surgem os “enclaves fortificados”, o crescimento da segurança privada para as classes média e alta, a proliferação de guaritas particulares de vigilâncias nas ruas, o abandono dos espaços públicos, ruas, parques e praças, por temor a um assalto ou uma bala perdida e, no extremo, a “reclusão em casa”. A defesa da vida ganhou centralidade no cotidiano da cidade.
A pauta das próximas eleições exige uma definição clara acerca do papel do prefeito na busca de soluções para enfrentar a crise da violência urbana.
A gestão de uma Prefeita comunista irá resgatar o conceito de segurança pública, como sendo “a garantia do Estado aos cidadãos contra condições de perigos, incertezas, danos ou riscos individuais” através da criação da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Cidadania para implementar a política de segurança pública que olhe com corte sócio-espacial, de raça, gênero e classe.
Além de:
– Instituir o conceito de segurança pública como Política Social, integrada às políticas de educação, saúde, saneamento, cultura e outras destinadas a combater as desigualdades e ampliar o acesso à cidadania, pelo direito à cidade;
– Educação tem primazia nas políticas públicas, como exercício maior de libertação do futuro cidadão e de prevenção da violência. A escola como espaço integrador;
– o papel fundamental do município é a prevenção: primária, com ações dirigidas à população em geral; secundária, voltadas para grupos de risco de cometer/sofrer violência; e terciária: dirigidas aos que já sofreram/cometeram violência. Para maximizar o poder preventivo desses programas o instrumento fundamental é a focalização da criminalidade, quanto ao público alvo, área geográfica em faixas de horários de maior risco de violência;
– foco na Política de Prevenção da criminalidade, prioritariamente na faixa etária jovem, população de risco, realizando atenção primária, com políticas universais e afirmativas. Programa de atuação nas comunidades voltadas para o mundo do trabalho, aprendizado de ofícios técnicos e de artes e desportistas;
– novo conceito de ordem urbana integradora, urbanística, social, econômica e de segurança. Por trás da desordem urbana que aí está, esconde-se uma ordem de cidade excludente e fragmentada. “O crime cresce onde há desordem e o caminho para reduzir a criminalidade, além de melhorar a qualidade das polícias, a velocidade da Justiça e os instrumentos de investigação que reduzem a impunidade, será criar um ambiente menos favorável ao crescimento do crime e isso se faz no traçado de políticas públicas que resolvam a ordem urbana, eleve o nível da educação e dos serviços públicos” Denise Frossard;
– plano Municipal Integrado das AISPs (Áreas Integradas de Segurança Pública),das CREs (Coordenadoria Regional de Educação) e as demais jurisdições das áreas de ação da saúde, cultura, CRAS (Coordenadorias Regionais de Assistência Social), ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) no Planejamento Urbano de Integração Social. A metodologia será o geoprocessamento, com informação geo-referenciada, de modo a fazer mapeamento de toda a realidade com todos os indicadores econômico-sociais;
– gestão Integrada da Prefeitura com os governos Estadual e Federal;
– equipar, iluminar, renovar e embelezar todos os espaços públicos de prática da cidadania, transformando-os em espaços de convivência, de solidariedade e de paz; e
– redefinição do papel da Guarda Municipal – guarda desarmada voltada para a defesa do patrimônio público, escolas, hospitais, praças e parques e locais de entretenimentos. Equipá-la para além do papel de defesa do cidadão, realizando um trabalho de inteligência, nos moldes em que é feita em metrópoles da Europa e América do Norte.
EDIÇÃO 74, AGO/SET, 2004, PÁGINAS 50, 51, 52