A carta – capítulo 28
Dona Inácia dorme. Mariana vela. As irmãs se dividiram e se alternam nas cabeceiras dos leitos. Glória ligou para o marido, pedindo reforços. Parentes da mãe estavam sendo mobilizados.
Glória relatou à caçula dos Oliveira a conversa com Argemiro. Mariana roe as unhas e reflete. Tudo aquilo tinha sido muito rápido, e é preciso colocar as idéias em ordem. Olha sua vida como quem observa os estragos de um tufão. Pouco havia sobrado inteiro. E previa que, no futuro imediato, a paisagem não iria melhorar muito.
Dona Inácia suspira. Isso tem sido uma constante. Parece que um sonho mau povoa seu descanso. Franze o cenho enquanto dorme e geme muito. Mas é só dormindo que está bem. Acordada, as dores são muitas e a tristeza, infinda.
Mariana chama a enfermeira:
– Vou ali dar um telefonema, já volto.
– Tudo bem.
Sai do quarto e vai ao hall de espera do andar. Disca. Alguém atende:
– Alô?
– Oi.
– Oi. Como você tá?
– Ah…
Lágrimas assomam. Repreende-se por isso.
– Queria alguma vez abrir a boca sem chorar.
– Tudo bem. É bom chorar.
– Não, não é não. A gente não consegue conversar. E depois, fico com a maior dor de cabeça.
– Vou praí amanhã.
– Jura?
– Consegui convencer meu orientador. No fim, ele disse: "Tudo bem. Eu também já fui apaixonado".
Ela sorri, mas aumenta o volume das lágrimas. Instala-se um grande lapso de silêncio, só interrompido pelo fungado de Mariana. O moço do outro lado da linha se angustia.
– Você tem dormido? – ele pergunta, quebrando o intervalo.
– Um pouco.
– Tá comendo?
– Se eu já não sentia fome antes, agora então…
– Mas precisa comer, linda. Se não , como é que faz?
– Vou tentar.
– Promete?
– Prometo.
– Te amo, viu?
Ela volta a chorar.
– Você chega logo?
– De manhã.
– Mesmo?!
– Ia sair daqui de manhã pra chegar à noite. Mas não dá pra te deixar assim. Pego o último busão de hoje… Como tá a Glória?
– Bem. Aquilo é de pedra. Manteiga aqui, só eu mesmo.
– Na verdade, ela engana bem.
– Na verdade, ela é o que vai nos sobrar depois disso tudo.
– Manda um abraço pra ela. E pra sua mãe também.
– Mando. Um beijo gostoso, tá?
– Outro.
Mariana põe o fone no gancho e ruma de volta pro quarto. A mãe ainda dorme. Acarinha a cabeça da velha, e torna a chorar.