A carta – capítulo 35
– Quando é que saio daqui?
– Daqui uns dias, mãe. Daqui uns dias.
– Cadê Glória?
– Cuidando do pai.
– Por que não é você que faz isso?
– Não sei. No começo, a gente se revezava. Depois, ela disse que era melhor eu ficar aqui. Fiquei.
Dona Inácia reflete.
– Chama sua irmã, Mariana. Quero falar com ela. Vai, e volta com ela.
– Mas a senhora vai ficar aqui sozinha?
– É só um instante. Vai lá.
Passados menos que instantes, as irmãs estão de volta.
– Oi, mãe. Que foi? – pergunta Glória, serena sob o enfado.
– Acabe logo com isso, minha filha.
– Acabar com o quê? – pergunta Mariana, surpresa.
– O que você quer dizer com "acabe com isso", mãe? – devolve Glória, alerta.
– Diz tudo pra ele, me tire daqui e vamos embora, cuidar de nossa vida.
– E deixar ali aqui sozinho?
– Deixar ninguém. Nunca houve alguém. Só temos nos três agora.
Mariana se senta, reflexiva. Ouve a mãe. Fixa os olhos num ponto do assoalho e ouve, enquanto Glória se rebela:
– E ele vai sair assim, ileso, dessa história toda? Estilhaça nossas vidas e é só isso?
– Ele não sai. Nunca vai sair. – responde a mãe -. Ele vai estar inútil para o resto da vida. Já nós, não.
Depois de um lapso de silêncio tenso, Mariana intervém, calma, segura:
– A mãe tem razão, Glória. Essa vingança não é nossa. E, ainda assim, a gente tá vingada.
Levanta-se. Vai até a irmã, pousa a mão em seu ombro esquerdo e puxa-a para si. Glória explode em lágrimas.