O mapa político nacional surgido das eleições municipais de 2004, considerando-se o conjunto dos dois turnos eleitorais, demonstra um crescimento do número de prefeitos e vereadores eleitos e o aumento do número de eleitores dos partidos que compõem a base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ampliou-se o leito governamental no âmbito das prefeituras. No campo da oposição, consolidou-se o PSDB como força estruturante, com significativa vitória através da conquista da Prefeitura de São Paulo e de mais quatro capitais, crescendo também seu número de votos e de prefeitos; o PFL, outra força importante da oposição, apesar do seu declínio neste pleito, reelegeu o prefeito do segundo colégio eleitoral, o Rio de Janeiro.

Esses aspetos centrais indicam certo equilíbrio de forças, considerando-se os dois lados principais da luta política em âmbito nacional. O PT, partido hegemônico do governo Lula, obteve ampla vitória no primeiro turno, aumentando em 120% seu contingente de prefeitos; elegeu seis deles em capitais e alcançou o maior número de votos entre todos, chegando a nove prefeitos de capitais e a ser o mais votado no segundo turno. Porém, sofreu importantes reveses neste último turno, perdendo a prefeitura do maior colégio eleitoral do país (município de São Paulo), o seu bastião político-administrativo (Porto Alegre) e mais duas capitais que governava (Belém e Goiânia), além de não vencer em Curitiba e Cuiabá. No conjunto do pleito, conseguiu uma vitória relativa, em função dos seus objetivos, não alcançando suas metas maiores. É incorreto e descabido afirmar, como fazem os analistas que compõem o coro antipetista, que o “PT perdeu as eleições de 2004”, ou que foi “empurrado para os grotões”. Desde as eleições de 2002, quando Lula obteve expressiva vitória, o PT já tinha perdido para o PMDB e o PSDB os governos do Sul e do Sudeste do país. Agora, mesmo na capital paulista, sua candidata alcançou expressiva votação e se firma como grande liderança, além das outras personalidades de destaque crescente do PT em São Paulo e nos maiores centros do país. Há um tom de extremismo retórico que prevalece nas análises da mídia brasileira: uma hora o PT vira “partido único”, em outra, partido “derrotado”, jogado aos “grotões”.

Polarização PT x PSDB e Pluripartidarismo

Um conjunto de partidos intermediários do campo do governo registrou êxitos importantes, elevou seu número de votos, de prefeitos e de vereadores em relação às eleições de 2000, destacando-se aí o PSB (Manaus, Natal, João Pessoa) e o PPS (Porto Alegre, Boa Vista). O PMDB, apesar de decrescer sua quantidade de votos e de prefeitos, continua tendo o maior número de prefeituras, seguido por PSDB, PFL, PP, PTB e PT (depois, vêm PL, PPS, PDT, PSB, PV e PCdoB). PL, PP e PCdoB não elegeram prefeitos em capitais. O PTB, apesar de eleger o prefeito de Belém, capital do Pará, diminuiu seu número de votos e de eleitores.

No lado oposicionista, o PSDB logrou vitória destacada; o PFL retrocedeu em suas posições conquistadas em 2000; e o PDT teve desempenho positivo, com a eleição de prefeitos em três capitais (Salvador, São Luis e Maceió) e em cidades grandes e médias, como Campinas/SP e Campos/RJ. Vale ressaltar que vários prefeitos eleitos pelo PDT já sinalizaram com uma aproximação com o governo Lula.

A segunda conclusão importante é de que existiu uma polarização entre PT e PSDB. O primeiro é a maior força do governo Lula e teve o maior número de votos; o outro, se consolida como a força estruturante da oposição, sendo o segundo mais votado. Mas nenhum dos dois passa dos 18% na soma dos votos nas eleições de prefeitos em todo o país. A terceira conclusão é de que, apesar de haver essa polarização entre PT e PSDB, o pleito confirmou a existência de uma realidade política plural, com múltiplos partidos grandes, médios e pequenos crescendo e conquistando maiores posições na administração municipal – grosso modo, existem quatro grandes, quatro médios e quatro pequenos partidos. Longe de ser uma situação de bipartidarismo, como alguns analistas afirmaram, trata-se de um quadro caracterizado pelo pluripartidarismo. Também está longe de ser uma situação em que o PT se transforma em “partido único” – argumento utilizado pela oposição conservadora como forma de terror político e de chantagem.

Resultado vitorioso para o PCdoB

O desfecho das eleições de 2004 para o Partido Comunista do Brasil, considerando-se as condições que tivemos de enfrentar e as nossas metas, é um resultado vitorioso, apesar de não termos atingido os objetivos maiores, como a eleição de prefeito em capitais. Por isso, assinalamos, em nota do Secretariado Nacional, já na conclusão do primeiro turno, que a nossa vitória foi modesta, não alcançando a plenitude do que era indicado. O PCdoB elevou o número de votos para prefeito e vereadores, comparando-se com as eleições de 2000. Fez um número bem maior de prefeitos (mais de 900%), reelegendo Luciana Santos em Olinda/PE no primeiro turno e elegendo João Lemos prefeito de Camaragibe/PE, município também com mais de 100 mil habitantes, além dos chefes do Executivo de mais oito municípios menores, incluindo Barra do Garças/MT, cidade mediana. Elegemos 29 vice-prefeitos, dos quais seis em capitais, aparecendo o PCdoB como uma segunda força, ou força destacada, nesses municípios – um importante êxito. Temos 273 vereadores em 24 estados e 18 capitais, sendo maior em 110,28% o número de votos em relação a 2000 e 82% maior o número de vereadores. Não alcançamos a meta de dobrar esse número, pesando, para isso, a drástica diminuição de vagas para vereadores neste pleito.

O Partido realizou a sua maior campanha municipal, alcançando todos os estados. Acumulou experiência. A condição de integrante da base do governo ampliou o conhecimento que a sociedade tem do PCdoB. Foi nítido o aumento da visibilidade partidária, com o lançamento de candidaturas majoritárias em 103 cidades, sobretudo em quatro capitais. A legenda 65 esteve presente durante toda a campanha, ampliando o conhecimento em torno dela. As chapas próprias para prefeito e vereadores, apesar dos resultados diferenciados, possibilitaram o lançamento de múltiplas lideranças locais e permitiram a agregação de novos setores sociais em torno do Partido.

As conclusões mais importantes deste primeiro grande embate eleitoral nos marcos do governo Lula apontam para êxitos dos partidos que compõem a base governista; vitórias do PT, mas, ao mesmo tempo, importantes reveses; crescimento dos partidos médios e pequenos da base governista; e, por outro lado, crescimento e reestruturação da oposição, através do PSDB, que conquistou posições de peso, e vitórias oposicionistas nos dois maiores colégios eleitorais do país. Um quadro de relativo equilíbrio entre os dois campos da luta política nacional, potencializando uma disputa mais difícil e acirrada entre as forças de apoio ao governo e a oposição conservadora. Confirmação de uma situação marcada pelo pluripartidarismo. Diante do desenlace do pleito de 2004, passa a predominar no curso político a perspectiva do embate de 2006, a chamada agenda 2006: a luta pela reeleição de Lula versus a luta pela volta da oposição conservadora ao centro do poder.

Ensinamentos para embates maiores

Quais ensinamentos podemos extrair do resultado do embate político eleitoral de 2004, tendo em vista a preparação para 2006?

As eleições municipais implicam particularidades políticas próprias de cada lugar. Além disso, a maioria dos partidos assume fisionomias locais, inexistindo, na prática, nessas situações, um programa nacional. Por isso, não vamos nos fixar nas particularidades da experiência local, mas nos ensinamentos gerais que perpassam, de uma forma ou outra, o conjunto do pleito municipal no país e servem de guia para os embates maiores, de caráter nacional. Os insucessos do PT podem estar relacionados, em primeiro lugar, com a dificuldade ainda existente nessa agremiação em compreender seu papel de partido principal, mas não exclusivo, na função governista ou nas campanhas. Para o sucesso de sua ação dirigente, em face do largo espectro político plural brasileiro, torna-se imprescindível forjar frentes abrangentes de ampla coalizão, sob sua condução, na busca de saída aos impasses do Brasil. Na prática, a concepção exclusivista subsiste no lançamento de candidaturas petistas em quase todos os municípios, sem considerar candidaturas aliadas com mais possibilidades, ou na formação de chapas majoritárias “puro sangue”, exclusivamente do PT.

Em segundo lugar, não se pode subestimar o plano oposicionista conservador posto em ação, verberado pela mídia: inculcar o medo e a desconfiança na capacidade do novo governo, desde a sua formação; depois, estimular a sua desestabilização, quando do episódio denominado escândalo Waldomiro; e, mais recentemente, na campanha eleitoral, quando Fernando Henrique cantou o refrão de o PT ser “autoritário” e “antidemocrático”, uma “ameaça à democracia”, de ser preciso dividir o poder já (evidentemente com eles, do PSDB). Assim, na opinião de FHC, o PT não pode ganhar todas, para o “bem da democracia” no país. Essa voz se estendeu à de outros intelectuais filo-tucanos e até ganhou adeptos de recém-convertidos ao credo peessedebista e à onda anti-petista. Esse aparatoso argumento tucano-elitista não deixou de ter certa eficácia, sobretudo em sociedades como a paulistana, onde, paradoxalmente, o PT e Lula gozam de forte apoio e ao mesmo tempo sofrem forte rejeição.

Em terceiro lugar, tiveram efeito na campanha, de uma forma ou de outra, os reflexos negativos quanto à nitidez do caminho a seguir pelo governo Lula. Ou seja, a dualidade expressa no seio do governo, entre setores com diferentes ênfases e práticas desenvolvimentistas, prevalecendo a linha conservadora macroeconômica, que acaba vincando o caminho que vem sendo seguido. Apesar dos êxitos econômicos conjunturais, de a maior parte da população compreender as dificuldades encontradas e de que há pouco tempo de gestão, dando ao governo ainda certo crédito, formou-se também uma descrença em vários segmentos sociais, mesmo entre setores empresariais e camadas dos trabalhadores, quanto ao rumo seguido, em conseqüência dos efeitos dos juros altos e restrições ao crédito, de um lado, e, de outro, da existência ainda de elevado índice de desemprego e achatamento da renda dos assalariados. Setores intelectuais desesperados, incapazes de compreender as mediações políticas necessárias ao êxito dos objetivos maiores, resultantes do nível da batalha atual em curso, chegaram até mesmo a propugnar o voto nulo na eleição majoritária – para eles, todo mal está no governo Lula. Esse conjunto de fatores, traduzidos em descrenças e desesperos, não deixou de ter sua influência política, devidamente explorada pela oposição conservadora em determinados segmentos do povo.

Experiências novas para os comunistas

A nossa experiência das campanhas majoritárias às prefeituras, tendo à frente candidatos do PCdoB, foi bastante diversificada, passando por cidades grandes, médias e pequenas – de Sanharó e Ibaté a Fortaleza e Manaus, de Barra do Garças ao Rio de Janeiro. O Partido venceu em dez municípios. Esteve à frente de grandes campanhas, acumulando ricos ensinamentos que precisam ser analisados melhor no plano local e nacional.

Vamos nos ater resumidamente às experiências das quatro capitais. No Rio de Janeiro e em Teresina, a direção nacional não alimentava expectativa de conquistar as prefeituras. Na primeira, em função do favoritismo do prefeito César Maia (que se confirmou), da divisão dos partidos da base do governo (PL, PMDB, PT, PPS, PCdoB) em muitas candidaturas e, por isso mesmo, da dificuldade em somar forças políticas em torno da nossa candidata. Dificilmente reuniríamos condições de vencer o pleito majoritário, apesar do forte potencial da candidatura de Jandira Feghali. Fizemos uma campanha mobilizadora, com ampla atividade militante e agregadora de simpatizantes, suplantando a própria candidatura petista de Jorge Bittar, que contava com grande tempo de TV e recursos. Na segunda, o candidato do Partido não reunia condições para derrotar as candidaturas favoritas do PMDB e PSDB, além de ter de competir no mesmo campo com a candidata do PT.

Nas disputas em Fortaleza e Manaus, nutríamos expectativa de vitória, sobretudo na capital cearense, onde Inácio Arruda partia na condição de favorito. Não alcançamos esse objetivo e a outra candidatura de esquerda, do PT, venceu o pleito. Um conjunto de fatores contribuiu para esse resultado adverso. Porém, teve caráter decisivo para o nosso revés a existência de duas candidaturas de esquerda, com a manutenção de Luizianne Lins pelo PT (com o dobro do nosso tempo de rádio e TV), numa condição em que foi concentrado na candidatura de Inácio, por ser favorita, o ataque dos setores conservadores: do candidato tucano de Tasso Jereissati, do candidato do PFL, do prefeito Juraci Magalhães, dos seus “laranjas”. Enquanto Inácio ficou sob pesado ataque do início ao fim da campanha, a candidatura de Luizianne foi estimulada, protegida e enaltecida.

Aparecia como vítima do “autoritarismo partidário”, sendo esse o trunfo utilizado pelas forças conservadoras para enfraquecer a candidatura de Inácio, levando os criadores a ser suplantados por sua criatura. Segundo, o tema mais explorado foi o voto que a oposição dizia que Inácio teria dado contra o aposentado. Na realidade, no destaque apresentado sobre a contribuição dos inativos, Inácio votou contra essa taxação. Cambraia, o candidato do PSDB, e o próprio coordenador da campanha de Luizianne, deputado petista João Alfredo, é que votaram pela taxação. Mas, perante a opinião pública, ficou Inácio com o voto contrário ao aposentado. Aqui, houve um erro de condução. Perdemos muito tempo em explicações e, o que é pior, resolvemos recorrer à Justiça para garantir a verdade – a emenda foi pior que o soneto. Fomos derrotados e os opositores exploraram sobejamente a mentira de que Inácio era traidor, apesar de nos debates e pronunciamentos na TV ele ter sido claro e bem explícito nessa questão. A campanha teve uma grande participação militante dentro e fora do Partido. Inácio venceu numa zona eleitoral em que tradicionalmente ganha a esquerda; Luizianne, em nenhuma zona no primeiro turno. Inácio conseguiu manter quase 20% dos votos, numa realidade de múltiplas candidaturas. Portanto, pesaram para a derrota a posição que prevaleceu no PT e erros na condução da nossa campanha.

Em Manaus, não partíamos de uma situação de favoritismo. O candidato amplamente favorito era Amazonino Mendes (três vezes governador, duas vezes prefeito e senador), velha raposa política, apoiado pela prefeitura e pelo governador, do PPS. A esquerda também tinha outro candidato, Serafim, do PSB, seis vezes candidato majoritário, muitas vezes apoiado por nós e, agora, apoiado pelo PDT.

Desde as primeiras pesquisas, Serafim esteve à nossa frente e capitalizou a queda de Amazonino, embora nossa campanha tenha sido a autora principal da desconstrução do candidato da direita. É interessante que o alvo dos ataques do Amazonino no primeiro turno não foi Serafim, mas Vanessa Grazziotin (cuja candidatura contou com o apoio do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento). Aqui o tema de ataque, utilizado mesmo antes da campanha, foi o voto do salário mínimo dado por Vanessa, explorado pelos meios de comunicação de propriedade de Amazonino. Portanto, em Manaus, em primeiro lugar, pelo peso dos concorrentes (poder e tempo de estrada), a disputa era bastante desigual para nós. Em segundo lugar, a exploração do voto no salário mínimo, embora respondida de forma bem dosada e ofensiva por Vanessa e o Partido, não conseguiu diminuir significativamente a rejeição apontada nas pesquisas, proveniente, em grande medida, da exploração prolongada desse fato pelos opositores. Situação que pode ter dificultado um maior crescimento da nossa campanha, que contou com grande participação militante.

Debilidades evidenciadas

Dado novo para o nosso Partido foi o lançamento de chapas próprias a vereador em 81 cidades. Apenas 14 vereadores, em dez municípios, foram eleitos nessas condições, fazendo o coeficiente eleitoral – aí incluídos São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Teresina. Isso, ao lado do lançamento de várias candidaturas majoritárias, acelerou a transição da tática eleitoral de concentração e coligação. Confirma-se que a decisão de lançar candidaturas em concentração e coligação ou chapas mais amplas, ou mesmo chapas próprias, deve ser exclusivamente de tática eleitoral. A ampliação de candidaturas é um dado mais permanente da realidade partidária, que permite a ampliação de votos, surgimento de novas lideranças eleitorais, criação de novos redutos e de atuação e, conseqüentemente, expansão do alcance da campanha do PCdoB.

Precisamos verificar especificamente problemas da condução política da campanha em cada lugar. É aí que se realiza a orientação tática. Em geral, superestimamos as possibilidades e não nos preparamos à altura para a disputa, principalmente quanto às condições materiais para os cargos no Executivo. Não há ainda grande experiência com chapas próprias. Houve casos de chapas pouco expressivas, sem lideranças medianas. Muitos eram candidatos novos, e nem todos seriam fenômenos eleitorais. Por fim, não foi conseqüente na questão de concentrar na dispersão para garantir o essencial do projeto político.

A campanha municipal envolve a sociedade em sua inteireza e evidenciou as debilidades do nosso Partido, neste tempo determinado. São debilidades estruturais – a começar pela influência social, política, e enraizamento na sociedade –, que se refletiram na baixa densidade eleitoral; poucas lideranças mais destacadas com expressão eleitoral; redutos eleitorais restritos; dificuldades materiais. Temos sabido superar essas debilidades, mas a um ritmo ainda insuficiente, com um posicionamento político sagaz e algumas lideranças maiores em nosso meio.

A campanha dá também mais uma demonstração de tendência à crescente concentração no tempo e exigência de maior profissionalização. Vai-se perdendo, gradativamente, o caráter popular; a emoção de campanha fica reduzida, em grande medida, ao âmbito do marketing eleitoral pela TV. O trabalho militante fica, muitas vezes, secundarizado. Tal situação amplia a esfera de ação e a importância das máquinas eleitorais e do poder econômico e afeta a campanha e os resultados de um partido como o PCdoB.

Realinhamento de forças

Finda a luta eleitoral, nova agenda política se impõe como perspectiva: a luta pela reeleição de Lula à Presidência da República em 2006, garantindo a continuidade do novo ciclo político aberto em 2002 ou, no caso de derrota, a volta das forças conservadoras ao centro do poder.

O desfecho das eleições municipais indica certo realinhamento de forças em torno do campo do governo ou da oposição, numa situação de acirramento político de certo equilíbrio. O governo vai ter de enfrentar uma oposição que ganhou melhores condições para sua reorganização e agregação de forças.

No campo governista, o grande desafio é consolidar sua base política e aglutinar seu apoio social. A resposta a esse desafio passa necessariamente pelo sucesso neste e nos dois próximos e últimos anos de governo e na capacidade de reagrupar todas as forças possíveis de serem unificadas na fase atual. Têm missão importante o presidente da República e a força política dirigente principal, o PT, construindo um governo nacional, mudancista, verdadeiramente de coalizão. Isso contribuirá para uma melhor confiança mútua e entendimento entre os aliados e maior influência numa base social mais ampla.

O nosso Partido tem defendido que o governo Lula deve ser de coalizão de amplas forças políticas. Isso advém do variado espectro político brasileiro e da heterogeneidade da nossa sociedade. Para o PCdoB, tem de haver mudanças para o êxito do governo. É possível uma alternativa viável, um projeto nacional de desenvolvimento, baseado no grande potencial do Brasil e na integração continental e em parcerias estratégicas, recompondo a infra-estrutura do país, ampliando o mercado interno e valorizando o trabalho. Existe a possibilidade de se reunir extensa força social e política em torno de um projeto dessa natureza. Deve-se realizar amplo debate, com setores mais representativos.

Este debate se reflete no seio do próprio governo. Existe dualidade acerca do caminho a seguir, sendo a aplicação da política macroeconômica em curso o obstáculo maior para abrir passagem ao novo projeto desenvolvimentista. Apesar dos resultados favoráveis da conjuntura econômica atual, não vemos no horizonte uma saída deste círculo de ferro de desenvolvimento sempre contido. Não resolve os impasses sociais e a dependência econômica distanciar o Brasil de países semelhantes, que deslancham seu crescimento num ritmo acelerado.

É preciso êxito na retomada do desenvolvimento em novo patamar e forjar um governo de coalizão, apoiado em amplas forças sociais. Esses são os ingredientes essenciais para consolidação das novas forças lideradas pelo presidente Lula e a garantia de vitória no embate de 2006.

A afirmação do PSDB como principal partido da oposição, tendo São Paulo como seu reduto, leva-o a atrair forças, principalmente PFL, PPS e PDT. Um campo oposicionista definido para o embate de 2006, tendo como centro o PSDB, encontra-se apenas em gestação. Ainda não está assegurada nem mesmo a aliança PSDB-PFL. Mas, com as vitórias dos tucanos, esse movimento fica mais facilitado e o mais provável é que o PPS e o PDT se dividam, se caminharem nessa direção. Também as tentativas pós-eleitorais de fusão do PPS com o PDT, sendo esse casamento um projeto que agora intitulam de “terceira via”, de “centro-esquerda”, em oposição ao governo Lula, dificilmente manterá a unidade desses partidos, pois partes importantes podem se desprender para o campo do governo.

O PMDB, que pode também se constituir no centro de uma articulação nacional presidencial, é sempre uma grande incerteza. Diminuiu seus votos e prefeitos nesta campanha.

Garotinho, que nutre seu projeto presidencial através do PMDB, perdeu redutos importantes, e o governo Rosinha se encontra diante de grandes dificuldades. O PMDB tem sido uma força de centro, podendo pender para um lado ou outro da polarização, deixando de ser força protagonista no pleito presidencial. Talvez queira ainda demonstrar independência, para negociar uma posição mais favorável, como tem se comportado, mas agora com menos munição.

Quanto à extrema-esquerda, o que há de novo é o PSOL, de Heloisa Helena, ainda embrionário, sem garantia que vingue até mesmo como partido. O velho PSTU diminuiu seu número de votos nestas eleições.

PCdoB diante da agenda de 2006

O nosso Partido sai como uma força vitoriosa do pleito de 2004, apesar de não ter alcançado todas as metas. Começamos a transição da nossa tática eleitoral de concentração e coligação e de ausência na eleição majoritária para a participação ativa na disputa do Executivo, em centros importantes, múltiplas candidaturas e chapas próprias nas eleições para as câmaras de vereadores. As alianças principais foram com o PT, mas o Partido se apresentou de forma destacada com sua fisionomia própria em grandes cidades. O número 65 ficou mais conhecido e maior número de lideranças do Partido se apresentou. Competimos diretamente com o PT em muitas cidades – Fortaleza, Rio de Janeiro, Teresina, Caxias etc.

O PCdoB aumentou substancialmente a presença em chapas majoritárias vitoriosas. Isso deve nos levar a um grande incremento da participação em administrações. Esse é o principal indicador da condição de partido integrante da base do governo, na primeira eleição do governo Lula.
Houve avanços na estruturação partidária. Realizamos conferências eleitorais em todo o país, incrementando as assembléias de base. A mobilização para a campanha foi praticamente total.

Avançou a construção do Partido a partir de suas direções e foi mais extensiva a participação eleitoral (mais de 1.300 municípios, acima de 4.700 candidatos). As instâncias partidárias se mantiveram efetivamente no comando da campanha e mais bases do Partido assumiram o papel de núcleos de campanha. Ampliou-se a arrecadação de finanças, posta em bases políticas. Os resultados colocam o PCdoB em condições de dar passo rumo a maior contingente de militantes e filiados; permite maior inserção no movimento social e estruturação de novos comitês partidários. Em função dos novos embates, o Partido deve estabelecer suas tarefas e procedimentos.

A nossa orientação política, traçada na 9ª Conferência e desenvolvida nas reuniões do Comitê Central, deve ser submetida ao crivo de todo o Partido, para termos uma avaliação do governo Lula, no 11º Congresso, em 2005.

Os nossos compromissos assumidos com o novo governo, do qual fazemos parte, têm sido cumpridos. Nos momentos de divergências maiores, adotamos o procedimento de votar com o governo no Parlamento, fazendo declaração de voto, permitindo até declaração de voto individual. Pela natureza do nosso Partido e linha programática, é natural que dois temas sejam mais sensíveis nesses momentos: direitos sociais e trabalhistas e concepção de política econômica. Entretanto, nossa orientação parte da compreensão de que, entre o que pretendemos e o que o governo pode realizar, por sua natureza e condições, muitas vezes ocorre uma contradição. Como resolvê-la? Por uma mediação necessária (política prática), relacionada, no tempo, com a correlação de forças dada. Se não for assim, teremos sempre de romper, prevalecendo então nosso programa e não o resultado da posição da frente que compõe o governo. Assim acontecendo, a ruptura prevalece em relação à unidade, passando-se à oposição.

A mediação decorre de dois conceitos táticos fundamentais da luta dos marxistas: de que o ponto de vista de política prática é distinto do posicionamento exclusivamente teórico; e de que o processo da compreensão política dos aliados ou do povo passa por percorrer sua experiência própria, o mesmo acontecendo conosco. Quando concluirmos que não há mais condições objetivas e subjetivas para essa mediação, o rompimento deve se impor.

Pelas condições objetivas e subjetivas do mundo atual e da realidade do Brasil, a mediação é ainda imprescindível. A aliança com o governo Lula se impõe. Não podemos abortá-la. Isso seria um grave erro político, com suas conseqüências para o alcance estratégico. Devemos continuar apresentando nossos pontos de vista, explicar isso ao povo, defendendo a autonomia das organizações populares, mas realizando a mediação necessária com o governo, porque esse é o meio atual para alcançarmos nossos objetivos maiores.

Na polarização com a oposição conservadora, o nosso campo é o do governo Lula – ou seja, a reeleição, como esforço de vingar o novo projeto, ou a volta das forças responsáveis pelo sistema neoliberal introduzido na década de 90. Não há alternativa de “ultrapassagem pela esquerda”, ou, mais precisamente, de uma política pela esquerda, nas condições do Brasil e do mundo atual. Nossas primeiras tarefas visam ao êxito do governo Lula, diante de uma oposição mais fortalecida, situação que nos exige extrair conseqüências (“acendeu a luz amarela”). Por isso:

Construir um projeto nacional de desenvolvimento duradouro em ritmo elevado, superando a vulnerabilidade externa, mantendo e ampliando a base social de apoio – as formas de pacto pelo desenvolvimento devem ser reafirmadas;

Consolidar a base de sustentação do governo, reforçando seu caráter de coalizão;
Discutir uma reforma política democrática, não excludente dos partidos pequenos e médios, derrotando a tentativa reacionária de enquadrar a realidade partidária brasileira diversificada e pluripartidária a um bipartidarismo artificial ou de manutenção do status quo dos maiores partidos;

Lutar por uma reforma sindical que renove a organização trabalhista, garantindo formas mais representativas e unitárias de organização dos trabalhadores, ou, na busca de melhor alternativa, adiar a elaboração desse projeto. No movimento social, batalhar por uma reforma universitária avançada; edificar a Coordenação dos Movimentos Sociais.

Renato Rabelo é presidente do PCdoB

EDIÇÃO 76, DEZ/JAN, 2004-2005, PÁGINAS 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13