A guerrilha do Araguaia continua a vicejar
Na história do Brasil, os oprimidos, na maioria das batalhas que travaram, tiveram de empreendê-las duas vezes – na primeira, para protagonizar a resistência, a luta, a conquista, o fato histórico em si; na segunda, para divulgá-lo, fazê-lo reconhecido oficialmente e conhecido do conjunto da nação.
De qualquer modo, à época, parcelas da opinião pública tiveram conhecimento da Guerrilha pela imprensa clandestina, sobretudo pelas páginas do jornal A Classe Operária, e por veículos de comunicação do exterior. E assim, de folha em folha, de boca em boca, se espalhava a boa nova de que nas selvas da Amazônia, no sul do Pará e na região do Bico do Papagaio – então, pertencente a Goiás –, a luta guerrilheira desfraldara a bandeira da liberdade.
Guerrilha do Araguaia, que a Editora Anita Garibaldi, agora lança em quarta edição, integra, de modo destacado, o conjunto das iniciativas editoriais que disseminaram o verdadeiro significado desse movimento guerrilheiro.
Sua primeira edição, em abril de 1982, foi apreendida pela polícia federal por determinação do Ministério da Justiça. Os responsáveis pelo seu lançamento em Salvador, Bahia, foram presos e, inclusive, torturados. Em São Paulo, João Amazonas, um dos organizadores da publicação, foi chamado a prestar depoimento. Divo Guisoni, diretor da Editora Anita, foi detido e obrigado a percorrer as livrarias para as quais ela havia sido distribuída. Em cada estabelecimento, a par que agentes recolhiam os exemplares da publicação, o editor fazia um ato de protesto.
Resultou em nulidade o plano dos ditadores de sepultá-la num esquife de chumbo. Apesar de haver decretos determinando que os documentos oficiais referentes ao episódio devam permanecer secretos, por séculos sem fim, já são dezenas e dezenas as publicações, os estudos acadêmicos, as reportagens, que buscam elucidar suas diferentes dimensões.
Esta quarta edição de Guerrilha do Araguaia foi idealizada com o propósito de trazer mais luz a esse episódio encoberto por décadas pelo manto do obscurantismo e da censura. Por isso, vem enriquecida e atualizada com artigos e entrevistas, nas quais jornalistas, pesquisadores e dirigentes do Partido que a organizaram perscrutam o seu alcance e significado, apontam os acertos e erros, e sistematizam os seus ensinamentos.
Entre o material novo desta edição, há uma entrevista do presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Renato Rabelo, em que analisa, já com o crivo do tempo e da história, com olhar da atualidade, o legado dessa jornada. Passa a fazer parte da publicação, um precioso trabalho de reportagem e análise do advogado dos posseiros do sul do Pará, Paulo Fonteles. Publicado, no início dos anos ’80, no jornal Tribuna da Luta Operária, ele revela com base em depoimentos de camponeses da região, que viveram o conflito, o largo apoio da população local ao movimento guerrilheiro. Fator decisivo para que o mesmo tivesse condições de enfrentar, por quase três anos, uma das maiores operações de guerra já empreendidas pelas Forças Armadas. Anos depois, Fonteles, que era também dirigente do PCdoB, foi cruelmente executado pela pistolagem do latifúndio.
Mais de trinta anos depois, o leitor vai ler nesta publicação que a Guerrilha do Araguaia, mesmo derrotada militarmente, continua a vicejar. Os vencedores, pelas atrocidades cometidas, escondem-se.
Os guerrilheiros são celebrados pelo povo e amados pela juventude. As sementes – por eles, plantadas –, de convicção ao grande ideal socialista, de amor ao Brasil e à causa democrática e patriótica, germinam sem cessar.
EDIÇÃO 77, FEV/MAR, 2005, PÁGINAS 80