A história do jornal A Classe Operária se confunde e se funde com a vida do Partido Comunista do Brasil. O jornal completou 80 anos no último primeiro de maio, uma trajetória repleta de heroísmo, de dedicação aos interesses dos trabalhadores brasileiros e de profundo vínculo com nossa pátria e com a solidariedade internacional.

A Classe Operária é herdeira da tradição marxista de imprensa, que vem desde a Nova Gazeta Renana, fundada por Marx e Engels em 1948, na Prússia Renana, região regida pelo código napoleônico que não reconhecia o crime de opinião.

A imprensa comunista ganha feições mais claras em 1902, quando Vladimir Ilitch Lênin escreve o livro Que Fazer? e defende a idéia de um jornal “que se difundisse regularmente em dezenas de milhares de exemplares por toda a Rússia. Este jornal seria uma parte de um gigantesco fole de uma forja que atiçasse cada centelha da luta de classes e da indignação do povo, convertendo-a num grande incêndio”. Essa percepção vinha sendo amadurecida desde 1900 com a fundação do periódico Iskra (A Centelha), veículo que ajudou a consolidar a concepção política da tática e da estrutura orgânica de partido na Rússia. Os primeiros passos da imprensa comunista

A imprensa operária no Brasil tem início com o surto industrial iniciado na segunda metade do século XIX. Eram folhetos e panfletos denunciando as condições de trabalho e de vida. Na virada do século XX aparecem dezenas de jornais sindicais com forte conteúdo político e contestatório, redigidos por lideranças anarquistas italianas e brasileiras.

Mas a imprensa comunista só ganha nitidez com a fundação da revista Movimento Communista em janeiro de 1921 e que circula por 30 meses com uma tiragem de 36 mil exemplares, média de 1,2 mil exemplares.

O jornal A Classe Operária surge como uma necessidade para a divulgação da ação do Partido Comunista. Em 1º de julho de 1923, a Internacional Comunista escreveu à direção do PCB pedindo que esta suspendesse a publicação da revista Movimento Communista e passasse a editar um jornal operário de massas. Seguindo essa orientação, “em 22 de fevereiro de 1925, núcleos do Rio de Janeiro e Niterói iniciam uma conferência que decide o lançamento de um jornal de massas”. (1)
Octávio Brandão, primeiro editor do jornal diz que “inspirou-se no livro Que Fazer?, de Lênin”. “Em março e abril, prossegue Brandão, dirigi uma campanha de propaganda,… distribuição de folhetos (…) uma rede de comitês (…) a máquina ilegal, clandestina (…)” (2) e em 1º de maio de 1925 surgia o jornal A Classe Operária.

O primeiro número surgiu com 5 mil exemplares. “Em seu número 12, foi proibido de circular; reapareceu em 1928; em meados de 1929, a redação foi invadida e depredada”. (3)
No início dos anos 30, o jornal envolve-se na campanha contra o fascismo em ascensão no mundo e na luta contra a crise econômica do país e as contradições e limites do governo de Getúlio Vargas. Em novembro de 1931, diz em manchete que “As medidas da burguesia para resolver a crise do café” impõem que “os sacrificados sejam sempre os colonos, os camaradas, os lavradores pobres”.

Em março de 1935, diz que “os trabalhadores resolverão a crise – lutando e pegando em armas contra os esfomeadores do Brasil”. Estava dada a senha preparativa da insurreição de novembro daquele ano. Em agosto de 1937, o jornal percebe a radicalização à direita do governo e diz que Vargas trama uma ditadura contra o povo do Brasil”, fato que ocorre com o Golpe do Estado Novo em novembro de 1937.

História de anônimos e heróis

Consumado o golpe do Estado Novo, o jornal continua circulando na mais rigorosa clandestinidade. Na edição número 108, de janeiro de 1938, o partido denuncia os “Três Meses de Ditadura Getulista” e afirma que há “Um só caminho para a derrubada do fascismo getulista: União de Todas as Forças Democráticas.” Pede ainda “Liberdade para Prestes e todos os demais presos políticos – Anistia”.

É nesse período que ocorrem três acontecimentos dignos de nota. O primeiro deles foi protagnizado pelo cabo Jofre Alonso da Costa, que era responsável pela impressão de A Classe Operária, e vivia na casa onde funcionava a gráfica do Partido e morreu defendendo o jornal. No livro Cinqüenta Anos de Luta conta-se que “uma noite viu a casa cercada pela polícia gestapeana de Felinto Muller, nos dias negros da ditadura getuliana. Não se intimidou: minou a base da máquina impressora da CO e o quarto onde estava camuflada, acendeu a mecha, pulou a única janela existente na pequena casa, tiroteou sem cessar, com vistas a romper o cerco policial, tombando, entretanto, sem vida após uma rajada de metralhadora pelas costas, certamente sorrindo por ainda ter ouvido a forte explosão havida concomitantemente. Nada sobrou da pequena casa suburbana, nem da máquina impressora da CO, nem da tipagem, nem dos papéis ali existentes. Nada caiu nas garras dos cães policiais, ávidos por documentos secretos do Partido”. (4)

Outra história é a do operário gráfico Erasmo. Imprimia A Classe Operária em Salvador, “numa máquina Minerva manual e com tipagem de madeira, mesclada com alguns tipos de chumbo” (Idem, p. 172). Erasmo, sem contato com o partido, conservou a máquina impressora por cinco anos, desmontando-a periodicamente para manutenção e quando o partido voltou à legalidade, lá estava a máquina pronta para voltar a imprimir o jornal.

Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, uma militante saia às tardes com saia rodada e uma bandeja de doces. Vendia-os de porta em porta, e nas portas previamente estabelecidas sacava dos bolsos de sua saia os exemplares do jornal e entregava-os aos militantes do partido, recolhia o dinheiro e fazia o jornal cumprir seu objetivo.

O auge da imprensa comunista

Esse período de rigorosa clandestinidade tem fim em 1º de maio de 1946, quando o jornal volta a circular. Nesse período que se segue, o PCB passa a ter a segunda rede de comunicação do país, perdendo apenas para os diários associados, de Assis Chateaubriand. O Partido tinha agência noticiosa, curso para jornalistas, seis jornais semanais destinados a várias categorias sociais e oito jornais diários nos principais centros urbanos do país.

Numa entrevista, em março de 2000, João Amazonas conta que em 1960, por volta da realização do V Congresso Nacional do PCB, a direção do Partido havia tomado as providências para alugar um prédio de cinco andares no centro do Rio Janeiro para abrigar o complexo da comunicação partidária.
Na edição de 29 de junho de 1946, o partido convoca a III Conferência Nacional, marcada para o mês de julho daquele ano. O jornal traz um informe sobre “A luta do PCB por uma Constituição Democrática”. Em setembro de 1946, o jornal defende a luta “Por um governo de confiança nacional e liquidação do pequeno grupo fascista”. Denuncia que a existência legal do Partido está sob risco e que uma “camarilha fascista enquistada no governo, especialmente contra a existência legal do Partido Comunista”.

Em 25 de novembro de 1947, o número 100 do jornal pede “Ação de Massas em Defesa dos mandatos”, e denuncia a “inconstitucionalidade do projeto que tinha por objetivo cassar os mandatos dos representantes comunistas”. Mesmo assim o partido é cassado em 7 de maio de 1947 e o jornal A Classe Operária vai para a clandestinidade. Em 1948, sob dura perseguição o jornal sai de circulação.

A Classe Operária volta com toda força em 1962, após a cisão do Partido Comunista. Em março desse ano, o PCdoB reativa A Classe Operária, sob a editoria de Maurício Grabois e Pedro Pomar. Inicialmente um mensário, mais tarde semanário. Em abril de 1962, publica o manifesto “Em Defesa do Partido”.

Nesse período faz oposição ao governo João Goulart e considera que “são paliativas as reformas de base”. O jornal opõe-se à “demagogia janguista”; e afirma que “enfrentar a crise é marchar pelo caminho revolucionário”.

Em agosto de 1963, anuncia o rompimento do PCdoB com a União Soviética. O “Partido Comunista do Brasil Responde a Kruschev”. Kruschev era o líder do Partido Comunista da União Soviética e havia feito críticas públicas ao Partido Comunista do Brasil, acusando seus dirigentes como responsáveis pela divisão do movimento comunista no Brasil.
Nesse mesmo número denuncia as articulações golpistas para derrubar o governo Jango.

A luta contra a ditadura e pela democracia

Em março de 1964, após o golpe militar, o jornal deixa de circular e só volta em 1º de maio de 1965. Entre 1964 e 1985 o jornal passa a ser ditado na mais rigorosa clandestinidade. Suas edições saem com formatos variados, mas continua a cumprir seu papel de orientador das fileiras partidárias.
Em novembro de 1967, homenageia e denuncia a morte do “Guerrilheiro Heróico, a morte de Ernesto Che Guevara”. Na edição de novembro de 1969, no nº 35, as dez páginas do jornal fazem uma homenagem ao “27 de Novembro”, quando ocorria “Há 34 anos a insurreição nacional libertadora”. O jornal coloca o desafio de se forjar um “Partido de Ação Política” para interferir de forma mais constante na vida política nacional. Na edição de agosto de 1972, A Classe Operária noticia as “Ações corajosas no Pará”, exalta a Guerrilha do Araguaia e o crescimento da oposição à Ditadura.

No final dos anos 70 e início dos anos 80, o jornal defende o fim da ditadura, ajuda na mobilização da campanha das Diretas Já em 1983/84. Defende a ida das forças democráticas ao colégio eleitoral para derrotar a ditadura. Defende a posse de José Sarney após a morte de Tancredo Neves. O jornal continua circulando clandestinamente até em maio de 1985, quando volta à legalidade, juntamente com o Partido.

A Classe Operária apresenta as propostas do PCdoB para a Assembléia Nacional Constituinte e acompanha todos os debates. Dá ampla divulgação à primeira eleição direta pós-64 para presidente da República, apoiando Lula contra Collor em 1989.

E nesses últimos anos procura ampliar sua identidade com a militância comunista e continua a orientar os militantes e dirigentes do PCdoB em sua ação, sobretudo os localizados no interior no interior do Brasil e que ainda não dispõem de meios eletrônicos de informação.

A Classe Operária faz 80 anos com o compromisso de sempre. Ser de trabalhadores voltados para os interesses fundamentais dos trabalhadores, isto é, a transformação progressista da sociedade. A Classe Operária continua a cumprir o preceito defendido por Lênin de ser um jornal que informa, orienta, forma, educa, organiza, mobiliza e constrói o Partido Comunista.

A Classe Operária é o jornal de esquerda mais antigo do país. Está entre os mais antigos entre todos os jornais que circulam no Brasil, mas sem dúvida alguma foi o mais perseguido. Seus compromissos com o povo, sua fidelidade ao socialismo e ao desenvolvimento nacional foram os elementos que ajudaram a construir essa trajetória de heroísmo e sobretudo são esses compromissos que lhe garantem uma vida longa.

Apolinário Rebelo é jornalista e autor do livro A Classe Operária, aspectos da história, opinião e contribuição do jornal comunista na vida nacional.

Notas
(1) PCB, 1922-1982, Memória Fotográfica, São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 16.
(2) BRANDÃO, Octávio, Combates e Batalhas – Memórias, 1º Vol, Alfa-Omega, 1978, p. 305.
(3) SODRÉ, Nelson Werneck, Contribuição à História do PCB, São Paulo, Global, 1984, p. 322.
(4) CINQÜENTA Anos de Luta – Documentos, Lisboa, Ed. Maria da Fonte, 1975, p. 171/172.

EDIÇÃO 79, JUN/JUL, 2005, PÁGINAS 72, 73, 74, 75