O senso comum nos diz que um brasileiro de pele escura é afro-descendente e outro de pele clara é descendente de europeus, mas essa é uma conclusão equivocada. O grupo de pesquisadores analisou dois conjuntos de genes diferentes em brasileiros que se autoconsideram brancos. Um deles encontra-se no cromossomo Y, que é herdado do pai apenas pelos filhos do sexo masculino. O outro faz parte do DNA mitocondrial (a mitocôndria é aquela organela encontrada em todas as células, responsável pela produção da energia celular). O DNA mitocondrial é herdado da mãe por filhos e filhas.

Estes dois conjuntos de genes foram escolhidos para estudo por apresentarem duas características importantes: eles são herdados de apenas um dos pais e eles não sofrem recombinação genética. Isto é, os filhos do sexo masculino recebem uma cópia idêntica deste bloco de genes (haplótipo) do cromossomo Y do pai, da mesma forma como filhos e filhas herdam uma cópia do haplótipo do cromossomo mitocondrial da mãe. E essas características tornam esses blocos de genes, do cromossomo Y e do cromossomo mitocondrial, verdadeiros “marcadores” de linhagens paternas (patrilinhagens) e maternas (matrilinhagens), e permitem contar a história genética da espécie humana. O conjunto de genes inicial presente entre os primeiros Homo sapiens e ainda hoje encontrado entre bosquímanos !Kung que vivem no Sul da África foi sendo alterado por mutações ao longo das centenas de milhares de anos, à medida que os homens migraram para novas regiões.

Essas mutações ocorreram em momentos específicos da história da migração humana pelos diferentes continentes e, como os fósseis, registram essa história.
Ao analisar uma amostra da população brasileira que se autoconsidera branca, o grupo de pesquisadores encontrou sete haplogrupos diferentes do cromossomo Y; todos eles, explicam os pesquisadores, chegaram ao Brasil através da imigração européia.
A análise desses marcadores levou Sérgio Pena e sua equipe à conclusão que mais de 90% das linhagens paternas de brasileiros brancos descendem de europeus, e somente, 2% descendem de africanos.

Contudo, nas linhagens maternas os resultados encontrados foram bem diferentes. A análise do DNA mitocondrial, que é o marcador genético destas linhagens, é mais complexa, pois ele é bem mais diversificado que o cromossomo Y. Os pesquisadores encontraram 171 haplótipos diferentes, distribuídos em três grupos distintos de linhagens: africanas, ameríndias e européias, que se apresentam com uma distribuição relativamente uniforme na população branca brasileira – 33% de linhagens ameríndias, 28% de linhagens africanas e 39% de linhagens européias –, distribuição bem diferente da encontrada para o cromossomo Y.

A distribuição desses haplogrupos mitocondriais por região no Brasil também está relacionada à história da colonização. No Sul, chama a atenção a maioria (66%) dos haplótipos europeus, o que reflete a ampla imigração da Europa para a região nos séculos XIX e XX, de um lado, e a minoria das matrilinhagens africanas associada à menor utilização de mão-de-obra escrava na região.
No Norte, 54% das matrilinhagens são ameríndias e reflete a maior presença indígena em relação aos africanos entre os trabalhadores forçados da região. A principal atividade econômica no Norte era o extrativismo, realizado, principalmente, pela população indígena.

No Nordeste, predominam matrilinhagens africanas (44%), refletindo a concentração de trabalhadores escravizados nos latifúndios localizados no litoral.
Mesmo no Sudeste, onde se concentrou a imigração européia, e que é visto como o Brasil branco, há uniformidade da distribuição das linhagens.

Os dados levantados pelo estudo feito pelos cientistas da UFMG reafirmam a inexistência de raças humanas e expõem a diversidade genética da população brasileira. Somos descendentes de africanos, índios e europeus. A natureza triíbrida da população brasileira, a partir de ameríndios, africanos e europeus, já havia sido afirmada por vários autores como Paulo Prado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro, entre tantos outros. E, como dizem os pesquisadores mineiros, “os dados que obtivemos dão respaldo científico a essa noção” (VB).

(Nota: Uma versão mais completa do estudo aqui resumido foi apresentada no artigo “Nossa história, nossos genes”, de minha autoria, publicado na revista Princípios nº 59, nov/dez-2000 / jan-2001, p. 50.)

EDIÇÃO 79, JUN/JUL, 2005, PÁGINAS 68