Vinte anos de formação sindical classista
Iniciamos este artigo relatando duas situações verídicas ocorridas nos anos 1970, em plena ditadura militar: a primeira refere-se a um professor de sociologia de uma instituição de ensino superior de São Paulo e a segunda a um militante comunista que vendia chocolate em Campinas.
O referido professor – no mês que o jornalista Wladimir Herzog foi assassinado nas dependências do DOI–CODI – depois de ter transmitido a seus alunos os conceitos básicos de Durkheim e Max Weber, iniciou uma de suas aulas com os conceitos fundamentais de Karl Marx. No intervalo das aulas, foi abordado por um de seus alunos, que lhe perguntou os motivos que explicavam o fato de “todo sociólogo ser comunista”. O professor respondeu que a afirmação do aluno não era verdadeira, pois há sociólogos defensores das mais diversas concepções. Prontamente, o aluno lhe revelou trabalhar no DOI-CODI e, portanto, teria conhecimento de que todos os sociólogos presos eram comunistas. O professor sentiu-se seriamente ameaçado e teve enormes dificuldades para continuar as aulas após o intervalo…
Na mesma época, havia um militante comunista que, ao conhecer pessoas que julgasse confiáveis, propunha-se a visitá-los para oferecer e vender chocolate. Ao chegar às residências, apresentava diversos tipos de chocolate e durante o diálogo entregava folhetos críticos à ditadura militar e que apontavam para a necessidade histórica da luta anticapitalista e pela conquista do socialismo. Esta foi sua forma criativa de burlar a repressão, para poder transmitir suas idéias.
Em abril de 1985, um grupo de sindicalistas, comprometidos com a luta dos trabalhadores, resolveu fundar o Centro de Estudos Sindicais (CES), voltado para o fortalecimento do sindicalismo classista. Este grupo entendia a importância da formação política e sindical e, portanto, da luta ideológica, no enfrentamento às idéias das classes dominantes. Esse entendimento é proveniente dos estudos marxistas e da realidade objetiva; Lênin referiu-se, com muita ênfase, à necessidade de se travar a luta ideológica, que deve estar intrinsecamente relacionada com a luta econômica e com a luta política. São dele as famosas frases: “sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário” e “a teoria é a luz que ilumina o caminho da prática”.
João Amazonas, ao analisar a queda da experiência socialista na União Soviética e nos países do Leste Europeu conclui que “as causas dessa derrota se encontram, principalmente, na esfera da teoria, da ideologia”. Houve uma estagnação profunda da teoria, o que significa, evidentemente, um contra-senso em relação ao dinamismo teórico tão apregoado por Marx, Engels e Lênin.
Enfrentando enormes dificuldades financeiras – próprias de entidades progressistas que não contam com subsídios – o CES tem cumprido adequadamente o papel que lhe cabe. Desenvolveu seu trabalho, principalmente voltado aos cursos de formação sindical e à elaboração teórica, divulgada através da revista Debate Sindical, que já completa 19 anos de existência, em sua 51ª edição.
Com a fundação da Corrente Sindical Classista em 1988 e o seu desenvolvimento, e com o apoio oferecido por seus membros, o CES ganha novo alento para desenvolver suas necessidades.
O principal curso ministrado pelo CES é o Curso Nacional de Formação de Lideranças Sindicais, cujo conteúdo também é desenvolvido em entidades sindicais. Em sua última edição, em janeiro de 2005, 117 sindicalistas estiveram presentes. Deles, milhares de sindicalistas participaram desde a sua primeira edição em julho de 1992. Os seus custos são bancados por entidades sindicais, conveniadas ou não ao CES, que acreditam na formação sindical como o melhor meio para a qualificação de seus dirigentes.
São cursos cujos monitores utilizam técnicas que buscam a participação ativa dos sindicalistas. Muitos deles se capacitam a transmitir o conteúdo apreendido, em suas respectivas entidades. Evolução das sociedades, origem e papel dos sindicatos, concepções sindicais, história do movimento sindical, transformações no mundo do trabalho, conjuntura política e sindical, saúde do trabalhador, noções de Filosofia e Economia, importância da formação política e sindical, importância da oratória para os dirigentes sindicais são os temas que compõem as duas fases do Curso Nacional de Formação de Lideranças Sindicais (realizado semestralmente). Após a conclusão das duas fases, o CES promove seminários sobre temas específicos. Em julho de 2005, o seminário abordará o tema Sindicato, Partido e Estado.
Já a Debate Sindical, que desde o início se propôs a ser uma revista de análise, polêmica, e de intercâmbio de experiências, ganhou credibilidade. Por sua linha editorial séria e ampla, sem chavões ou sectarismos, passou a ser respeitada inclusive pelos que discordam de suas opiniões. Pelas páginas da revista já passaram inúmeros intelectuais e sindicalistas importantes. Trata-se de um instrumento importante para a formação política e sindical. O leitor acompanha as principais questões que atingem o movimento sindical. É, hoje, a única revista especializada sobre o tema, que tem conseguido se viabilizar.
A partir de 2002, o CES iniciou trabalho na área de formação e qualificação profissional, em parceria com a Secretaria de Educação e Formação Profissional de Santo André, desenvolvendo um programa para trabalhadores da construção civil, atendendo a mais de três mil alunos.
O sindicalismo atravessa uma profunda crise ocasionada pela nefasta influência do neoliberalismo e pelas alterações estruturais ocorridas no mundo do trabalho com o advento do processo de reestruturação produtiva, que provocaram um aumento significativo do desemprego e a deterioração das condições de trabalho. Há necessidade de se elaborar novas estratégias sindicais para o enfrentamento desta crise.
A chegada de Lula à Presidência da República, fruto da luta desenvolvida pelo povo brasileiro, coloca para todos nós outros desafios. Não basta apoiarmos ou discordarmos da política do Governo. É necessário fundamentarmos nossas análises, para podermos elaborar propostas que caminhem no sentido do desenvolvimento econômico, com valorização do trabalho e distribuição de renda. Portanto, o CES tem um importante papel a cumprir neste novo contexto.
Acreditamos que a nossa luta por um Brasil desenvolvido economicamente, com a redução das desigualdades sociais, ainda dentro dos marcos do sistema capitalista – se concretizada – será um passo rumo à transição para o socialismo. Portanto, vivemos sob a égide da democracia burguesa, buscando acumular forças. Apesar de todas as dificuldades apresentadas pelo Governo Lula – que ainda não conseguiu imprimir ao país uma nova política econômica voltada ao atendimento das necessidades do povo brasileiro – vivemos um período de liberdades democráticas, que não podemos subestimar.
Se comparada com a situação vivida pelo professor de Sociologia e pelo vendedor de chocolates e por tantos outros militantes que enfrentaram a implacável repressão da ditadura militar, o momento atual permite-nos desenvolver o trabalho de formação com maior intensidade.
Por isso e pela necessidade premente de capacitar os sindicalistas e de formar novos quadros que darão continuidade à luta desenvolvida, devemos concentrar nossos esforços nesse trabalho de formação política e sindical.
O praticismo, que envolve amplamente o movimento sindical, exige tratamento imediato para a sua superação. A necessidade premente de dar resposta aos inúmeros problemas e dificuldades com que se defrontam, desvia os dirigentes sindicais de um dos aspectos mais importantes da sua militância: a leitura, o estudo, a elaboração de análises, a contribuição para o dinamismo da teoria. Não podemos permitir que o processo de formação seja colocado em plano inferior. Mergulhados em inúmeras tarefas que a atividade sindical requer, em geral não conseguem encontrar tempo para estudar, elaborar, e refletir sobre a função que desenvolvem e sobre as experiências históricas importantes.
Realizar as tarefas é de fundamental importância, porém é necessário saber se estão sendo realizadas no sentido dos objetivos mais gerais das transformações a que nos propomos. O caminho do futuro deve ser construído no presente, a partir da análise dos erros e acertos cometidos no passado.
Augusto César Petta é coordenador de formação sindical do Centro de Estudos Sociais e Sindicais 1º de maio (CES), diretor da CONTEE e do SINPRO-Campinas; e Paulo Camargo Cruz é Bacharel em Ciências Sociais pela FFLCH-USP.
EDIÇÃO 79, JUN/JUL, 2005, PÁGINAS 69, 70, 71