O ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) completou recentemente 50 anos de sua fundação. Transcorrido esse período, permanece sendo a mais original experiência na busca da formulação, baseado na singularidade da formação social brasileira; das bases de um pensamento nacional brasileiro tendo como pressuposto e primazia a idéia-força do desenvolvimento por meio da centralidade da questão nacional.

Sua existência se dá no decorrer do longo ciclo de hegemonia das idéias nacional-desenvolvimentistas no país – ainda que sujeita a fluxos e refluxos –, transcorrida entre a Revolução de 1930 e o final dos anos 1970, quando finalmente se esgota – indo do final do segundo governo de Getulio Vargas e o início do governo de Juscelino Kubitschek até sua extinção com a deposição do governo João Goulart.

De maneira geral, esse ciclo longo é marcado pela primazia da ação do Estado no planejamento e na promoção do desenvolvimento econômico, através de diversas experiências que, de modo geral, buscam a construção de uma ampla e diversificada base industrial no país. Seus momentos principais são o primeiro (1930-1945) e o segundo (1951-1954) governo Vargas; o Plano de Metas de JK (1956-60); o Plano Trienal de Celso Furtado; e os I e II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do regime militar entre 1972 e 1979.

A experiência do ISEB transcorre assim no auge desse ciclo longo desenvolvimentista. A resultante desse ciclo longo é a transformação completa da base econômica do país, de uma nação agrícola para uma das dez maiores economias do mundo.

Desenvolve-se como idéia dominante da época, a partir do ISEB, o que se denominou como ideologia do desenvolvimento – formulada a partir das contribuições de teorias universalistas de Marx, Schumpeter e Keynes e de economistas latino-americanos e nacionais, como os estruturalistas Raúl Prebisch e Celso Furtado e o marxista Ignácio Rangel – na qual se buscam bases teóricas que aprofundem o processo de transformações que o país vivia desde a Revolução de 1930. Buscava-se também transpor o “complexo cultural colonial” – termo de Roland Corbesier –, característico de nossas elites, que tendem a reproduzir de forma acrítica experimentos de países ricos.

Por ocasião do cinqüentenário do ISEB, o seu resgate – a partir de balizas contemporâneas, da experiência e do legado desse centro de pensamento brasileiro – é de grande importância, uma vez que o desafio da época atual permanece sendo, em bases renovadas, a consecução de um projeto nacional de desenvolvimento, tendo como pressuposto a permanência da centralidade da questão nacional. Buscamos neste artigo resgatar e valorizar sobretudo a primeira fase de existência do ISEB (1955-1959) a qual representou uma ampla frente política e ideológica na busca da efetivação do desenvolvimento. A trajetória do ISEB

A gestação do ISEB inicia-se quando “um grupo de intelectuais, que englobava alguns assessores do Governo Vargas, decidira conjugar esforços para organizar um instituto que se especializaria no estudo, na pesquisa e no planejamento de tudo o que se relacionasse com a realidade brasileira” (Sodré:1978). Assim, no início da década de 1950, o denominado Grupo de Itatiaia, liderado por Hélio Jaguaribe, articula uma instituição denominada Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (Ibesp), que edita cinco números da revista Cadernos de Nosso Tempo, entre 1953 e 1956(1). Dessa forma, aglutina-se o que viria a ser o núcleo de intelectuais fundadores do ISEB.

Como tal, o ISEB é constituído em julho de 1955, ainda no governo de Café Filho – baseado no modelo jurídico da Escola Superior de Guerra (ESG), criada em 1949 –, por solicitação do ministro da Educação, Candido Mota, convencido pelo grupo de intelectuais ibespianos. Vinculado e financiado pelo Ministério da Educação, não obstante, o ISEB possui plena liberdade de cátedra. Através de cursos em sua sede e no MEC e de publicações diversas o ISEB difundia sua elaboração nacionalista e formava quadros para o Estado e para a sociedade brasileira.

Sendo um órgão multidisciplinar por excelência, tinha como diretor o filosofo Roland Corbisier, e estruturava-se em cinco Departamentos: o de Filosofia, chefiado por Álvaro Vieira Pinto; o de História, por Candido Mendes – com coordenação docente no curso de História Brasileira, do pensador marxista Nelson Werneck Sodré, então recém-egresso do Exército –; o de Sociologia, por Alberto Guerreiro Ramos; o de Ciência Política, por Hélio Jaguaribe – tido como o líder principal do grupo que originou o Instituto –; e o de Economia, com Evaldo Correa Lima – cujo mais destacado colaborador foi Ignácio Rangel.

Já na sua origem, esse núcleo de intelectuais vincula-se à candidatura de Juscelino Kubitschek, prestando-lhe assessoria. Com a vitória de Juscelino e sua posse em 1956, o ISEB passa então a viver o auge de sua experiência, na qual parte importante de sua plataforma desenvolvimentista se materializa através do Plano de Metas – ainda que a sinergia entre o Plano de Metas e o desenvolvimentismo isebiano só pôde ser concluída contemporaneamente, numa visão de processo, com os olhos de hoje.

É, pois, a fase áurea do ISEB, na qual logra reunir em suas fileiras, numa frente-única, expressiva parcela da intelectualidade progressista brasileira, sob propósitos semelhantes e certa identidade no pensamento. O que alguns estudiosos da experiência isebiana chamam equivocadamente como “posições ideológicas ecléticas e conflitantes”, ou ainda, “autêntico arco-íris ideológico” (Toledo:1997) é mais corretamente qualificado como a expressão de uma ampla aliança, favorecida então por um entorno político favorável entre marxistas e outros nacionalistas e democratas. Dessa fase e de sua amplitude e unidade, reside o prestígio do ISEB na sociedade brasileira nos anos seguintes. Nessa primeira fase, como demonstração dessa ampla frente da intelectualidade progressista que se tornara, figuram em seu Conselho, nomes do porte de Anísio Teixeira, Gilberto Freyre, Heitor Villa-Lobos e San Thiago Dantas.

Mas, dado os limites e veleidades características de uma instituição com características de frente-única, a partir de 1958 eclode a crise que resultaria em defecções no ISEB, que então passa a vincular-se mais estritamente à política do PCB. O pretexto para a crise, se dá a partir da publicação do livro de Hélio Jaguaribe O nacionalismo na atualidade brasileira (1958), no qual o autor reconhece “um papel positivo para os investimentos estrangeiros diretos” (Bresser Pereira:2004).

Num período no qual, segundo Sodré, o ISEB se encontrava sob forte ofensiva da reação conservadora, o debate é o rastilho de pólvora para Guerreiro Ramos entrincheirar-se na “denúncia do livro, tido como herético” por defender o ingresso de capital estrangeiro no país, pelo que o sociólogo defendeu nada menos que a expulsão de Helio Jaguaribe da instituição. Essa crise provocou uma “cisão ideológica de todo inoportuna, inadequada, sectária” (Sodré:1978). Com a cisão e com a exclusão de importantes setores de centro no espectro político – que conferiam o caráter de frente-ampla ao instituto –, “daí por diante ‘purificado’ politicamente, o ISEB debilitou e foi isolado (…) A crise do ISEB foi, pois, grande serviço prestado a reação e particularmente ao imperialismo” (Sodré: 1978). Esse testemunho de Werneck Sodré é chave, pois na nova fase, até a extinção do ISEB em 1964, ele, junto com Corbesier e Vieira Pinto foram as principais referências da instituição.

Assim transcorre a segunda fase da experiência ISEB (1959-1964), durante a qual, acompanhando o clima de intensa radicalização do país, o Instituto passa a engajar-se ativamente na luta política e social da época, com ênfase na presença militante no movimento pelas Reformas de Bases do governo João Goulart. Assim, dias após o golpe de 31 de março de 1964, o ISEB junto com a UNE estão na primeira lista de entidades liquidadas pelo regime, sendo a sede de ambas, e todo o seu acervo, destruídas ainda em abril daquele ano.

A longa interdição do debate sobre o legado do ISEB

Embora no terreno econômico o modelo nacional-desenvolvimentista manteve fôlego através dos PND’s do regime militar, a extinção do ISEB em 1964 marca a vitória, no campo político e acadêmico, de forças opostas ao projeto nacional-desenvolvimentista.

A partir do golpe viceja a Escola Sociológica Paulista(2), corrente que confronta aberta e diretamente a questão nacional e o legado isebiano. Cabe então ao Professor Fernando Henrique Cardoso a formulação da “crítica inicial das idéias do ISEB” (Bresser Pereira:2005), em Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico. A esta, várias outras se seguem na USP e em outras instituições. Assim, o ISEB e suas teses são banidas do debate intelectual a partir de 1964 – ao mesmo tempo em que prospera, particularmente na USP, a corrente oposta ao ISEB.

A crítica paulista, fortemente academicista, desqualifica o legado do ISEB como ideológico e, portanto, “não-cientifico”. Adota, “perspectiva cosmopolita e estruturalista, antidualista, enfatizando o conflito das classes [sendo que] o alvo inicial da sociologia paulista foi a escola pernambucana de Gilberto Freyre, o segundo, o ISEB” (Bresser Pereira:2004). O esquerdismo da escola paulista nessa fase imediata à extinção do ISEB era notório. “Expressa-se com dois trabalhos muito diferentes – um de F. H. Cardoso e Faleto (1969) e outro de Francisco de Oliveira (1972) –, mas que têm em comum não apresentarem uma visão de nação, mas serem de esquerda, rejeitando, portanto, a idéia de aliança entre empresários e trabalhadores, serem descrentes do desenvolvimento e criticarem o dualismo (…)” (Bresser Pereira:2004).

Assim, a escola paulista, com variações, opunha, como, todavia, opõe, classes à nação, resultando numa oposição entre questão social e questão nacional. Na verdade, ignora que a bandeira da Nação e a afirmação de sua independência e soberania são interesse, sobretudo do proletariado e das demais forças revolucionárias. Afinal, a burguesia, crescentemente torna-se apátrida. Essa corrente pós-moderna e cosmopolita por excelência deslegitima a importância da questão nacional ou reduz seu significado.

Banido pela força da ditadura e interditado ideologicamente por certa academia “que falava em nome da ciência” (Bresser Pereira:2004), o ISEB foi, na prática, incluído na lista negra do debate intelectual universitário por um longo período, sendo considerado em escolas como a USP, uma verdadeira heresia.

A experiência do ISEB é parte de uma disjuntiva histórica brasileira

Essa reação ao ISEB por parte da academia paulista guarda relação mais profunda com um embate que marca a formação social brasileira. Trata-se de uma disjuntiva fundamental na qual se opõem dois caminhos opostos: o primeiro, progressista, tem como pressuposto a centralidade da questão nacional na busca do desenvolvimento independente e de uma inserção soberana do Brasil no mundo; o segundo, conservador, concebe nosso desenvolvimento de forma associada e dependente, subordinada a forças exógenas.

Esse embate manifesta-se em diversos terrenos da vida nacional, ao longo de nossa história. No século XIX, manifesta-se nas opções radicalmente opostas representadas por um lado pelo Visconde de Cairu – primeiro propagandista de Adam Smith no Brasil – e por outro, pelo arquiteto de nossa independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, autor dos originais Projetos para o Brasil e por Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, precursor de nossa industrialização. Mais adiante, na República Velha, simbolizada por Joaquim Murtinho, ministro da Fazenda ultraliberal do governo Campos Salles, em contraposição à revolução de 1930, de caráter nacional, modernizadora e industrializadora – que por sua vez sofre uma tentativa imediata de desestabilização na contra-revolução liberal-golpista de 1932, baseada novamente na ultra-reacionária burguesia agro-exportadora paulista. Mais adiante, já no período do nacional-desenvolvimentismo, entre Eugenio Gudin, Roberto Campos e Otavio Gouveia de Bulhões, porta-vozes da escola clássica e neoclássica no Brasil em relação ao – dentre outros –, Partido Comunista do Brasil, o próprio ISEB, materializado na figura de Ignácio Rangel, seu mais brilhante colaborador na área econômica, que “somavam forças” (Bresser Pereira:2004) com a corrente cepalina, Celso Furtado à frente(3). Mais recentemente na luta entre o neoliberalismo hegemônico e a complexa luta contemporânea por sua superação. Mas, de fato, a opção progressista para o Brasil é a tendência objetivamente posta historicamente para nosso país, que estranha o liberalismo anglo-saxão como adverso às características de nossa formação social.

Ronaldo Carmona é graduando em Ciências Sociais.

Notas

(1) Assim chamado porque "seus elementos haviam passado alguns dias na sede do Parque Nacional do atibaia, ali discutindo os problemas nacionais" ( Sodré: 1978). O grupo de Itatiaia começa a reunir-se em 1952, e enquanto Ibesp funciona entre 1953 e 1954. Pouco depois de constituido, o Ibesp estabelece um convênio com a Capes, chefiado por Anísio Teixeira, para a realização de uma serie de seminários sobre os problemas de nossa época, começando, assim, a relãção que criaria o ISEB como em órgão permanente do MEC.
(2) Utilizamos aqui a denominação Escola Sociológica Paulista segundo a utilização de Bresser-Pereira. Obviamente a ideologia antinacional no Brasil não está circunscrita territorialmente. Ainda assim, é em São Paulo onde mais prosperou o modelo acabado – e portanto, antidialético- empirista-cartesiano nas ciências sociais, como único método pretensamente "cientifico" num repúdio as "ideologias". Tampouco podemos dizer que a tradição sociologica paulista é única, sem contradições, embora em diversos momentos de nossa história é de fato, o baluarte da oposição à idéia de Nação – ora sob pretextos esquerdistas, ora sob conteúdo explicitamente liberal.
(3) Sobre a aliança ISEB/CEPAL " Celso Furtado, que, embora não tenha feito parte do ISEB, estava próximo das idéias daquele grupo, tendo publicado duas conferências pelo Instituto. Por outro lado, o principal economista do ISEB, Ignácio Rangel, participou como aluno de um curso no início dos anos 1950 na Cepal, em Santiago do Chile" (Bresses Pereira: 2004).
(4)Folha de São Paulo, página A14, 18/07/2005.
(5)Revista Princípios, n.76.

Referências bibliográficas

TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: Fábrica de ideologias. São Paulo: Editora da Unicamp, 1997. Tese de doutaramento apresentada à USP em Assis, 1974.
SODRÉ, Nelson Werneck. A verdade sobre o ISEB. Rio de Janeiro: Avenir, 1978.
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O conceito de desenvolvimento do ISEB rediscutido. Trabalho apresentado no IX Encontro Nacional de Economia Política, Uberlândia, junho de 2004.
________. Do ISEB e da Cepal à Teoria de Dependência. Paper a ser publicado em livro organizado por Caio Navarro de Toledo, 50 anos do ISEB (2005). São Paulo: Editora da Unesp.
PCdoB. Partido renovado, Brasil soberano e democrático, futuro socialista. Projeto de Resolução Política ao 11º Congresso do Partido Comunista do Brasil. 2005.

EDIÇÃO 80, AGO/SET, 2005, PÁGINAS 76, 77, 78, 79