Meu povo, eu vi
A Esplanada esplende. Um dragão, cuja cabeça expele som por mil caixas, ocupa as avenidas. Ponto de interrogação gigante, seu focinho toca o Ministério da Fazenda; o corpo, longilínio, passa pelo Congresso Nacional, enquanto sua cauda toma benção diante da Catedral de Brasília. Mais de dez mil almas alimentam, de palavras de ordem e esperança, a fera. Encarapintados em seu cocuruto, os presidentes da UNE, da UBES e da CUT guiam-na.
Jovens secundaristas, no chão, fazem roda e gritam "Lula, guerreiro do povo brasileiro!", enquanto um líder político peruano clama, em discurso improvisado, pela unidade latino-americana. Sem-terras, sob a bandeira do movimento, descem, cada qual com uma vareta na mão, o gramado diante do parlamento brasileiro, como numa pintura expressionista do século dezenove.
Todos dizem "Fica, presidente!", e todos repetem: "Muda, presidente!". Discursos acesos se sucedem. O líder comunista diz que a vida é feita de muitos lados e que o dele, e de seus camaradas, é o do povo, das mudanças, no que é acompanhado pelos líderes estudantis, sindicais e comunitários.
Bandeiras de todas as cores pintam no céu sua melhor cor. O sol aumenta, implacável, seus altos fornos. Moças e rapazes mergulham no espelho d´água, diante de soldados impassíveis. O Hino Nacional é entoado por um coro de combatentes. A cavalaria dá meia volta: – Dali, só dá pra esperar aquela poesia que o vento espalha, jamais guerra.
O dragão dispersa-se. Vai multiplicar-se em outras capitais e cidades – que não é possível sequer cochilar: a serpente da traição não dorme, já se enrosca toda no fundo do lodo e prometeu que, amanhã, vem apodrecer a paisagem.