Nos 70 anos das insurreições de novembro de 1935
Faz 70 anos, em novembro, que irromperam os movimentos armados conhecidos como “Intentona comunista”. Desde o nome dado às insurreições se percebe a visão distorcida dos eventos, seguramente os mais caluniados da História do Brasil. Nunca — e por tanto tempo — se mentiu tanto sobre um episódio de nossa história. Por ser pequeno o espaço para falar deles sucintamente caracterizarei a época e o surgimento da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e contarei sobre os levantes.
É preciso, em primeiro lugar, chamar atenção para a existência, no Brasil de então, de um forte movimento tenentista que, dentro das tradições de intervenções militares na vida do país, tomaram forma a partir do levante dos 18 do Forte e do movimento revolucionário de 1924, em São Paulo, que culminou com a marcha da Coluna Prestes. Esse movimento foi duplamente importante: pela participação política de um setor da classe média, com curso superior e com armas, que se tornou vanguarda (no sentido militar) dos interesses que se opunham à República conhecida como do café com leite; e também por ter sido através do tenentismo que Luiz Carlos Prestes, o chefe dos tenentes, entrou na cena política do país. A participação dos tenentes foi decisiva para a vitória do movimento de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder e abriu espaço para a atividade política de vários setores das camadas médias urbanas e dos sindicatos. Tal movimento — que não contou com a participação de Prestes, já convertido ao socialismo —, criou um ambiente de ampla discussão sobre os destinos do Brasil.
No âmbito internacional, a crise de 1929 assustara o capitalismo e a crença na livre concorrência, protegida pela mão invisível (e divina) do mercado, esfumaçou-se. Foi a época dos apelos à economia autárquica, sustentada pelos Estados fortes, com o fascismo crescendo no mundo e contando com a simpatia de inúmeros governos. No Brasil, em outubro de 1932, fora lançada a Ação Integralista Brasileira (AIB), acirrando a luta política, que quase sempre acabava em combates de rua.
No final de agosto de 1934, um Congresso contra a Guerra Imperialista, Reação e o Fascismo reuniu no Rio cerca de 20 mil participantes. A reação policial foi violenta, deixando mortos e feridos. Além de greves e manifestações de protesto, organizou-se o Comitê Jurídico Popular de Investigação — que foi núcleo da ANL. Nesse comitê — e depois, na direção da ANL —, os tenentes descontentes com os rumos do movimento de 30 representavam a esmagadora maioria. Pouco depois, uma Coligação das Esquerdas (Coligação dos Sindicatos, a Liga Comunista Internacionalista (trotskista) e o Partido Socialista) — da qual o Partido Comunista do Brasil (PCB) recusara-se a participar — lançou seu programa, começando a se articular uma grande frente antifascista. Acontecimento decisivo para isso ocorreu a 7 de outubro desse mesmo ano. Todos os grupos antifascistas, incluindo os militantes comunistas de base, reuniram-se na Praça da Sé, em São Paulo, para impedir a comemoração pelos dois anos de existência de AIB.
Enquanto no país se formava a grande frente que seria a ANL, a direção do PCB estava em Moscou — onde, em reuniões com a direção da Internacional Comunista (IC), o secretário-geral do partido fazia fanfarronadas sobre a situação do país e do partido. Segundo Antônio Maciel Bonfim, o “Miranda”, não só o país vivia uma situação revolucionária como o PCB estava pronto para dirigir as massas na revolução. E, ainda, o partido controlava a maioria das Forças Armadas, tinha células em todos os municípios e contava, inclusive, com o revolucionarismo dos cangaceiros… A IC ficou entusiasmada com esse quadro e Prestes, membro de PCB desde agosto, e que já fazia planos para voltar ao Brasil, tomou a decisão: voltaria ao Brasil para, apoiado nos ex-participantes da Coluna Prestes, comandar a revolução. Depois de muita insistência do Cavaleiro da Esperança a IC acabou por concordar com sua viagem. Para apóia-lo, transferiu para o Brasil o Birô Sul-americano da IC, que tinha sede em Montevidéu, e enviou alguns assessores. Mas, em nenhum momento — como se verá adiante — a IC recomendou que se desencadeasse um movimento revolucionário. Que a revolução socialista era meta de qualquer partido comunista, é evidente. Mas seria preciso esperar o momento oportuno. E a IC considerou que ainda havia muitos obstáculos a superar para que o PCB estivesse pronto para dirigir uma revolução no Brasil.
Quando o ANL foi lançada, em março de 1935,a direção do PCB viu a organização com desconfiança e declarou apoio `ANL, mas sem aderir a ela. Para Silo Meireles, do Recife, tenente que estivera am Moscou com Prestes, a ANL era um perigo para o partido, pois poderia substituí-lo junto às massas. O Manifesto-Programa da ANL destaca três pontos: a luta pela democracia, contra o imperialismo e contra o latifúndio. Em seu lançamento Luiz Carlos Prestes foi aclamado presidente de honra da associação. Ele chegou ao Brasil, acompanhado de Olga Benário, a 11 de abril de 1935; aceitando a presidência de honra da ANL, e começou a procurar seus antigos camaradas da Coluna.
A Aliança teve um êxito extraordinário e contra ela o governo lançou a Lei de Segurança Nacional, aprovada no início de abril. Apesar disso, os seus núcleos se multiplicavam por todo o país, com adesões em massa de organizações sindicais, de mulheres, de jovens e individuais, entre elas de inúmeros militares. Segundo Apolônio de Carvalho, para quem não viveu a época é muito difícil imaginar o entusiasmo com que se aderia à Aliança. Pode-se dizer que em 1935 ou se era integralista ou aliancista.
O 5 de julho era a data dos tenentes (pelos de 1922 e 1924). Para comemorá-los, Prestes preparou um manifesto sem discutir com a direção da ANL e nem com o PCB, mas apenas com os assessores internacionais, Harry Berger e Rudolfo Guiold. Os três chegaram à conclusão de que seria bom pedir poder à ANL, pois assim, segundo eles — numa avaliação profundamente ingênua —, ficava claro que não pregavam uma revolução socialista: tratava-se de um movimento democrático, antiimperialista e antifeudal. Sendo ainda principalmente um tenente, o discurso de Prestes chamava os ex-camaradas da Coluna para retomarem a luta. O manifesto terminando com a conclamação de “Todo o poder à Aliança Nacional Libertadora!”, lembra a consigna de Lênin, às vésperas da revolução bolchevique, de “Todo o poder aos sovietes”. Foi a deixa que Getúlio Vargas esperava para fechar a organização: a 11 de julho a Aliança foi colocada na ilegalidade. Depois de seu fechamento, restaram nela o PCB e os tenentes de esquerda, e desde então Prestes passou a desenvolver uma intensa atividade epistolar, convocando para a luta os ex-membros da Coluna que tentava reviver.
As eleições estaduais, convocadas para o final de 1935, agitaram muito a vida política e cresciam boatos de golpes contra Getúlio. Crescia também a agitação nas Forças Armadas pelo aumento dos militares e, principalmente, com as notícias de desengajamento de sargentos e praças do Exército.
Os levantes
No Rio Grande do Norte a oposição a Getúlio venceu as eleições estaduais, acirrando em muito as disputas políticas nesse estado. Também o desengajamento de praças e sargentos do 21º Batalhão de Caçadores (BC), sediado em Natal, deixou os militares deixou os militares indignados. O clima era de intensa agitação no quartel quando chegou a notícia da expulsão do Exército de vários militares, por baderna de rua. O fato foi a gota d’água. À tarde do dia 23, o cabo Dias e o sargento Raimundo Tarol, ligados ao PCB, procuraram a direção do partido para informar que o quartel iria se levantar às sete e meia da noite; queriam que os comunistas participassem do motim. Após muita discussão e muita relutância a direção resolveu participar, pois tinha acabado de receber ordens da direção nacional de não participar dos levantes, considerados no momento uma aventura. À hora marcada o quartel foi tomado com facilidade, tendo os comunistas, todos fardados, se incorporado ao motim. Procurados para dirigir o movimento, nenhum oficial quis participar: os que não ficaram presos no quartel desaparecera, até o final do levante.
Natal ficou por quase quatro dias nas mãos dos revoltosos e o Rio Grande do Norte foi o único estado em que o movimento estendeu-se por algumas cidades do interior. Para muitos, o levante era de apoio a Getúlio, para restabelecer seus aliados no governo, tendo o apoio da ANL e de Luiz Carlos Prestes. Foi criada uma Junta Governativa, da qual só comunistas aceitaram participar. A Junta requisitou todos os carros da cidade, armas, mantimentos, recolheu o dinheiro do Banco do Brasil e do Banco do Rio Grande do Norte — que distribuiu, sem qualquer critério, entre a população —, decretou transportes e pão gratuitos: foi uma festa que a população brindava nas ruas. Apesar dos esforços, a Junta na conseguiu evitar saques a lojas de gêneros de primeira necessidade e de tecidos.
A resistência foi organizada no interior pelo fazendeiro e político Dinarte Mariz, que conseguira fugir da capital na noite de 23. As tropas de Dinarte, que pedira ajuda à Paraíba, travaram combates no interior e no dia 27 entraram em Natal, já ocupada pela polícia paraibana.
Logo após a derrota do movimento, tanto o governador do estado, Rafael Fernandes, como chefias militares acusaram como responsáveis por ele seus inimigos políticos locais. Não se cogitou sobre os comunistas. Café Filho, deputado pelo estado, declarou, no mesmo sentido, que a rebelião não passava de expressão de problemas locais. Somente depois de 27 de novembro, no Rio, a quartelada foi transformada “numa solerte e traiçoeira trama” ordenada e comandada por Moscou, cujos agentes secretos espreitavam por toda parte…
No Recife
Em Recife fora o Secretariado do Nordeste, que dirigia os comunistas da região. Quando souberam do movimento em Natal resolveram fazer o mesmo, marcando um levante do 29º BC para o dia seguinte, domingo, 24. Gregório Bezerra, sargento na época, foi contra o movimento começar num domingo, quando o quartel estava vazio, mas a direção insistiu. Silo Meireles, que era do secretariado, foi procurar o então tenente Lamartine Coutinho, encarregando-o de iniciar o movimento. Lamartine, embora espantado com inusitada ordem, obedeceu, tomando o quartel com a ajuda do também tenente Alberto Besouchet. Foram os únicos oficiais a participar da insurreição. O quartel foi tomado, mas, ao contrário de Natal, os oficiais resistiram. Presos na sala de comando, e sem que os revoltosos tivessem desligado os telefones, os legalistas começaram a organizar a resistência.
Na segunda-feira, 25, chegaram reforços da Paraíba, sendo feitos vôos rasantes sobre a cidade. A população, que não sabia o que se passava, entrou em pânico e houve recuo dos rebeldes, que abandonaram o quartel do 29º e a Praça da Paz, onde se entrincheiravam. O movimento estava derrotado.
Ao contrário do Rio Grande do Norte, a repressão em Recife foi feroz.
No Rio de Janeiro
No dia 23 de novembro, sem ter idéia do que ocorria em Natal, terminava no Rio de Janeiro uma reunião da direção do PCB com representantes dos estados. Depois da reunião, Prestes esteve com alguns deles, inclusive do Rio Grande do Norte e ninguém suspeitava do levante do 21º BC. No domingo, as notícias que começavam a chegar eram muito vagas, mas já davam conta do levante no Recife e da participação dos comunistas. Prestes, então, resolveu apóia-los. Para o Cavaleiro da Esperança, os companheiros do Nordeste, mesmo açodadamente, haviam iniciado um movimento revolucionário e era imprescindível dar-lhes solidariedade fazendo o mesmo no Rio de Janeiro. O argumento não se sustentava: não se sabia o que de verdade acontecia e muito menos que, no dia marcado por Prestes para o levante no Rio de Janeiro, os movimentos do Nordeste já estavam derrotados. Apesar de Miranda, inicialmente, ter-se colocado contra o levante e Guiold e Berger duvidarem da oportunidade do mesmo, acabaram todos convencidos por Prestes de que não se podia “abandonar os companheiros do Nordeste”. Ficou decidido, então, que a insurreição no Rio de Janeiro começaria na madrugada de 27 de novembro.
Decidido isso, e só depois da decisão tomada, Prestes entrou em contato com a IC, a quem avisou do resolvido. Mandou-se seguir ordens para as principais unidades do Rio de Janeiro, Niterói e São Paulo, assim como escreveu a antigos companheiros da Coluna pedindo apoio ao levante. As ordens de Prestes, entretanto, só chegaram à Vila Militar do Realengo, à Escola de Aviação no Campo dos Afonsos e ao 3º Regimento da Infantaria, na Praia Vermelha. E só os dois últimos se levantaram. Houve uma tentativa de levante na Escola Militar, mas foi logo sufocada. Quanto aos civis, que nos planos só entrariam em ação para apoiar os levantes militares, nada fizeram, não só pela rápida derrota militar como por estarem completamente despreparados para a missão. Não havia o menor planejamento de um movimento revolucionário.
No 3º RI eram apenas dois os oficiais ligados ao partido (o tenente Leivas Otero e o capitão Agildo Barata). O que havia eram muitos oficiais ligados à ANL, cujo núcleo entre os subalternos e praças chegava a trinta militares; destes, um terço era comunista. Por incrível que possa parecer, as ordens de Prestes para o levante foram recebidas — e com enorme entusiasmo! — entre a noite de 25 e a manhã do dia 26. Com o levante marcado para a madrugada de 27, os rebeldes tiveram tempo de sobra para preparar-se. Assim mesmo, tomaram o quartel com relativa facilidade, mas foram retidos mais tempo do que esperavam pela resistência de uma companhia de metralhadoras. Quando o quartel ficou totalmente nas mãos dos rebeldes, já estava cercado pelas tropas legalistas. É importante destacar que só houve duas mortes na rebelião do 3º RI: a do tenente rebelde Tomás Meireles e a do major legalista Misael Mendonça. Os demais foram mortos pelo governo, que bombardeou o quartel até destruí-lo, começando pela sala de comando, onde estavam presos os oficiais legalistas.
Na Escola de Aviação Militar, onde havia maior número de oficiais comunistas, o levante era esperado, pois o 3º RI ocorreu antes do previsto. A luta foi ferrenha para que os rebeldes conseguissem dominar a Escola, mas não se sustentou por muito tempo. A Vila Militar não só não se levantou, como foi a principal unidade a atacá-los. Ao amanhecer estavam derrotados e os aviões foram mobilizados para bombardear o 3º RI, que se rendeu à uma da tarde.
Luiz Carlos Prestes, ao saber da derrota, voltou para casa certo de que haviam sofrido apenas um revés, pelo pouco tampo para a preparação do levante.
A repressão foi violenta. Getúlio — às voltas com problemas políticos em vários estados, principalmente no Rio Grande do Sul, de onde Flores da Cunha ameaçava seus planos continuístas — utilizou a situação a seu favor, criando uma onda de anticomunismo: inventaram-se as histórias de ordens de Moscou, de oficiais mortos dormindo e toda uma parafernália propagandística que fazia dos comunistas verdadeiros antiCristos vende-pátria. Uniu, em torno do anticomunismo vulgar, todos os políticos, mesmo aqueles que já falavam em pedir seu impedimento. Os poucos que se opuseram foram presos.
Os movimentos armados de novembro de 1935 não podem ser vistos como um só movimento. O do Rio Grande do Norte — que foi o estopim — ocorreu por problemas políticos estritamente locais, uma revolta de quartel que conquistou a população pelas facilidades que lhe deu de transporte gratuito e distribuição de pão e dinheiro. Em Recife, a revolta ocorreu pela vontade do Secretariado do Nordeste.
No Rio de Janeiro, Prestes — que fez uma avaliação errada da situação — foi o grande responsável pelos levantes no 3º RI e na Escola de Aviação. Agiu — como ele mesmo admitiu mais tarde — como o tenente que era: levantam-se quartéis e depois o povo adere. Aliás, todos os militares participantes da direção das revoltas afirmaram o caráter tenentista do movimento. Este se encaixa nas tradições de luta desse período, que contavam com grande participação de setores e lideranças políticas oriundas das camadas médias urbanas, principalmente militares. As “ordens de Moscou” foram inventadas pelo governo Vargas, por seu chefe de Polícia, pelos integralistas.
Como conclusão
As “ordens de Moscou” — até hoje dadas como responsáveis pelos levantes — são histórias que não se sustentam. São mentiras inventadas pela polícia de Getúlio Vargas-Filinto Muller, sempre endossados pelos que estavam — e estão — comprometidos com um anticomunismo vulgar. A Rebelião de novembro de 1935, no Rio de Janeiro, está inteiramente dentro do espírito e das lutas tenentistas da época, tanto em sua perspectiva nacional-libertadora quanto na tática de luta de rebeliões de caserna e ainda em suas principais personagens — tenentes, quase todos. A última das rebeliões tenentistas. O papel da IC, disse-o em outras ocasiões, foi o de uma expectativa conivente: deu pequena ajuda financeira, dois assessores e três técnicos. No mais: “Vocês é que devem decidir”, foi a resposta de Dimitri Manuilsk — o responsável na IC pelo PCB — quando Prestes comunicou o levante. Aliás, qualquer um que tenha um pouco de experiência em relação ao MCI sabe do verdadeiro pavor em assumir responsabilidades daqueles que estavam subordinados a Stalin. Se alguma coincidência houve entre a revolução antiimperialista, antifeudal e antidemocrática — palavra de ordem dos tenentes de esquerda e a revolução pela independência nacional, pregada pelo Komintern para os países coloniais e semicoloniais, em que incluíam o Brasil —, não se pode dizer que os tenentes, mesmo por convicção, seguissem a IC. Além do mais, agora temos em mãos as atas das reuniões realizadas em Moscou no final de 1934 — nas quais se atribuíram as ordens para os levantes — pode-se verificar que, em nenhum momento, a IC cogitou sugerir um movimento revolucionário no Brasil. Ao contrário, chamou a atenção dos comunistas (apesar de todo baluartismo de Miranda) para as deficiências ainda existentes no partido: Vejamos dois exemplos:
O partido de vocês é muito bom! Um partido jovem, mas isso não é suficiente para uma séria revolução democrático-burguesa e para a revolução socialista é ainda insuficiente. O partido de vocês ainda não passou pela prova de fogo. Este partido se forjará na luta, transformando-se num forte partido bolchevique, com capacidade de manobra […] Eis por que, apesar de todas as perspectivas favoráveis, a vitória de vocês está longe e exige grandes esforços do partido.
(Manuilsk, Conferência dos partidos comunistas latino-americanos em Moscou, 1934)
E mais adiante:
Os camaradas que falaram logo antes de mim falaram da necessidade da ajudada IC. Eu penso que em qualquer condição especial vamos discutir seriamente a questão brasileira, colocando-a em termos operativos, avaliando todas as circunstâncias da luta futura pela reforma agrária e pela revolução socialista. Mas acho que aqui não devemos alimentar ilusões. O peso fundamental e principal da luta pela revolução socialista recai nas costas dos nossos jovens camaradas brasileiros.
Eu acho que apoio concreto do partido virá, antes de mais nada, de outros partidos da América Latina. Estou quase convencido de que a Internacional Comunista deixa a decisão fundamental em mãos dos camaradas brasileiros e de vocês vai depender a escolha do momento e de vocês vai depender o posterior desenvolvimento da revolução brasileira. (idem)
Outro aspecto importante a levar em conta nesse sentido é que o Brasil pouco significava na estratégia global da IC. Na América, a Internacional apostava nos EUA, esperando que, feita a revolução na América do Norte, esta influenciaria decididamente no restante do continente.
Por fim, uma questão instigante é a mobilização conseguida pela ANL, de como seus apelos encontraram eco nas massas — coisa que mínimas vezes do PCB conseguiu. Sem em 1945 o PCB fez comícios monstro, vêem-se aí duas causas principais: a figura lendária de Prestes, que saíra do cárcere depois de dez anos, representando também o socialismo e a URSS vitoriosa contra o nazi-fascismo; e a linha política de união nacional e de rejeição à luta de classes, que o PCB pregava na época. A mobilização que a Aliança levantou em todo o país foi decisiva para os levantes, pois foram principalmente os oficiais aliancistas que seguiram as ordens de Prestes para a insurreição. Seria importante — o que não cabe neste artigo —, estudar o porquê da imensa mobilização popular conseguida pela ANL (o que autorizou a crença de que um levante poderia ser vitorioso), enquanto o PCB, sozinho. Jamais conseguiu tal feito. Pelo meu entendimento, para o movimento popular, democrático e socialista de hoje é importante aprofundar essa questão: como e quais as palavras de ordem que ganham o coração das massas.
Cabe destacar que se os levantes foram derrotados, sendo, além do mais, um grave erro de avaliação política, isso não tira o mérito dos revolucionários. Foram homens e mulheres, embora equivocados, embora sectários, embora com carência de cultura política — frutos que eram da sociedade brasileira — capazes de dar a vida por um mundo de fraternidade, de solidariedade, sem a exploração do homem pelo homem. Uma têmpera bolchevique que, como diz Hobsbawn, nenhuma organização leiga conseguiu jamais produzir.
Marly Vianna é Professora da Pós-Graduação em História da UNIVESO.
EDIÇÃO 81, OUT/NOV, 2005, PÁGINAS 74, 75, 76, 77, 78, 79