Toma, que o filho é teu!
Eles, que já não se viam há pouco mais de sete anos, se acharam pela internet e resolveram se reencontrar pessoalmente para matar as saudades e falar dos velhos tempos. Combinaram então em frente à igreja que fica próximo da praça. Como o tempo destrói os traços da juventude combinaram ir, um de camisa amarela e o outro de camisa vermelha.
Já estava no local determinado o de camisa vermelha quando o de camisa amarela virou a esquina, o local estava repleto de pessoas, na igreja uma missa recém começara e algumas pessoas ainda se detinham na entrada para os “olás” os “ois” e os “como vai”.
O de vermelho estava de costas, não viu quando o amigo se aproximou e, ao chegar, o de amarelo foi logo acariciando a cabeça do garotinho que estava ao seu lado, deu uma tapinha nas costas do de vermelho, um abraço fraterno e pegou o menino no colo como um verdadeiro tio faria. O menino, que deveria ter uns seis anos mais ou menos foi logo fazendo uma cara de choro. O de amarelo, empolgado com a criança e o reencontro, tratou logo de comprar-lhe um pirulito e enfiou-lhe na boca. A criança, que não era boba nem nada, percebeu logo que a senha para ganhar guloseimas era aquela carinha de choro e foi logo se aproveitando da oportunidade. A conversa ia esquentando e o de amarelo, feliz em rever o amigo, queria se mostrar prestativo, não largava a criança e o mantinha no colo o municiando com sorvete, balas, chocolates, doces a cada cara de choro que o pequeno fazia. E assim ficaram durante um bom tempo, não sentaram, somente deram voltas nas proximidades da praça enquanto dentro da igreja uma missa rolava a todo vapor.
Então o que você tem feito da vida? Perguntava o de vermelho. Tenho trabalhado bastante, depois do segundo grau que fizemos juntos fui para um curso técnico e segui esta profissão. E você? Perguntava o de amarelo. Ah! Casei como lhe disse, trabalho, estudo, minha mulher também está na faculdade. Temos corrido bastante.
Enquanto isto a criança comia, bebia e lambuzava todo o de camisa amarela. A cada migalha que caia na roupa do de amarelo, o de vermelho disfarçadamente olhava para o lado como se fingisse que não era com ele. O de amarelo por sua vez dava um sorrisinho amarelo que se confundia com a camisa, limpava e dizia: crianças são assim mesmo, não se preocupe. O menino que, como toda criança, não estava nem aí para as etiquetas, batia na cabeça do tio postiço, puxava-lhe o cabelo, chutava-lhe a barriga, exigia mais doces, brigava quando não ganhava e jogava no chão aquilo que não gostava. O de vermelho procurava sempre se esquivar, dando uma de desentendido, buscava não participar da cena em questão. Numa das vezes até se ofereceu para pagar alguma coisa, mas o de amarelo disse que não se preocupasse e que ele cuidava disto.
– Então, continuava o de amarelo, você só tem um filho mesmo?
– Ah sim! E dá muito trabalho viu? É um que vale por dez! Você nem imagina.
– Tá dando para perceber. Falou baixo o de amarelo, enquanto o menino tentava subir em seu pescoço.
O de amarelo já estava quase perdendo a paciência. Que coisa, que tipo de pai é este que não dá nem uma chamada de atenção em seu filho. E ainda não percebe que estou sendo educado quando digo que não se preocupe. Se preocupe sim. Pensava o de amarelo.
Depois de mais de uma meia hora os dois decidiram se despedir, o de amarelo abraçou o de vermelho ainda com o moleque no colo, foi um abraço demorado, palavras de nos veremos, vamos marcar um outro encontro, vamos tomar alguma coisa qualquer dia destes, coisas que se dizem quando não se quer mais se reencontrar ou quer, mais não quer muito.
Depois destas palavras o de amarelo deu uns beijos na criança, a pôs no chão, deu uns tapinhas na cabeça, tentou limpar um pouco sua roupa suja e amarrotada, virou as costas e saiu.
– Ei! Ei! Gritou o de vermelho.
– Oi amigo, que houve. Respondeu já a alguns metros o de amarelo.
– Você não vai levar seu filho?
– Meu filho? Pensei que fosse seu.
Enquanto dizia isto a criança corria para o colo da mãe que saia da igreja neste instante.