José Reinaldo Carvalho, vice-presidente e responsável pelas relações internacionais do PCdoB, participou do evento em nome dos comunistas brasileiros. Princípios reproduz aqui sua intervenção

1) No período mais recente, nos últimos 2 anos, a economia global obteve crescimento. Isso ocorreu, sobretudo, em conseqüência do desenvolvimento das economias asiáticas, principalmente da China. Mas também a economia americana cresceu um pouco.

Isso quer dizer que a economia capitalista está superando seus problemas e está reunindo condições para abrir um novo rumo, uma nova época de desenvolvimento virtuoso? A mesma questão se apresentou nos anos 90 do século XX, quando se falava de uma nova economia, sob o governo de Clinton, nos EUA. A temporária recuperação da maior economia do planeta
observada então fez surgir teorias que falavam de uma nova “idade do ouro” do capitalismo. O mesmo presidente Clinton chegou a dizer que a aceleração da economia americana revogava as teses de Marx sobre a crise. Era, sem dúvida, uma fase triunfalista em que coincidia a recuperação econômica com a sensação de fim da história, provocada pela queda da URSS.

2) Nos dias atuais, ainda é um senso comum a previsão de que haverá progresso e se abrirá um novo ciclo de desenvolvimento da economia capitalista. Em momentos como este, em que aparecem sinais – ainda que medíocres – de crescimento econômico, os defensores do capitalismo produzem artigos para celebrar o fato de que os governos e os monopólios capitalistas dispõem mecanismos de controle e monitoramento para impedir que as crises cíclicas sejam transformadas em catástrofes semelhantes à de 1929 e resultem em um colapso. E seguem falando de transição, para a economia e a sociedade de informação e conhecimento, a denonimada nova economia, capaz de se autoregenerar.

3) Contudo, o cenário econômico atual demonstra a acentuação dos desequilíbrios, os fatores de instabilidade e a presença de elementos de crise. O capitalismo contemporâneo, de maneira cíclica, pode promover o crescimento da produção, criar novas capacidades produtivas, abrir fronteiras e percorrer a novos caminhos a partir da revolução tecnocientífica. Mas é também verdadeiro que, com a diminuição da capacidade aquisitiva das massas, a feroz competição
intermonopolista e o adensamento da composição orgânica do capital, se manifestem com força os fatores que podem resultar em crises de superprodução relativa. Com o contínuo avanço da produtividade social do trabalho se agravam as contradições entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção capitalistas. Em nossa época, essa contradição é cada vez mais aguda e se traduz por meio de dois fenômenos, que se acentuam – a elevação dos
níveis de desemprego e a progressiva redução das taxas de crescimento econômico dos países capitalistas. Além disso, o setor financeiro vive uma hipertrofia, o endividamento dos estados e das famílias é um fenômeno geral, não só nos países subdesenvolvidos, mas como fator de crise também dos próprios países imperialistas. Do nosso ponto de observação da realidade
do sistema capitalista, identificamos uma tendência à estagnação, à crise sistêmica e crônica. Vivemos a época do capitalismo senil, o que gera uma crise de civilização, assinalando que ou a humanidade o supera ou cairá na barbárie.

4) Nas últimas décadas do século XX produziram- se importantes mudanças logo após as crises
dos anos 1970. Essas mudanças geraram uma série de novos fenômenos que, em seu conjunto, se caracterizam como o neoliberalismo, que não é uma política conjuntural, mas a única que corresponde à atual fase do capitalismo. Estes fenômenos são os seguintes:

– Novo nível de internacionalização produtiva;
– hipertrofia e predomínio do capital financeiro;
– revolução tecnológica e científica e reestruturação da produção;
– desregulamentação dos mercados financeiros e dos fluxos de capitais, acarretando a volatibilidade na taxa de câmbio;
– privatizações, inclusive de serviços públicos;
– abertura das economias;
– derrocada do estado nacional soberano e predomínio das instâncias supranacionais; e
– precarização do trabalho (Trata-se de, em toda a história do capitalismo, sua fase mais destrutiva e regressiva. O desemprego, a informalidade, o trabalho precário, o ataque a direitos trabalhistas e previdenciários, a deterioração dos salários atingem níveis jamais vistos).

5) A tendência à estagnação e os fenômenos acima mencionados atuam de forma entrelaçada
com outro fator determinante da crise – o parasitismo da maior superpotência e os desequilíbrios estruturais de sua economia, o que determina outra tendência importante de nossa época: a que aponta no sentido do declínio histórico do imperialismo norte-americano. O parasitismo econômico que guarda relação com a exportação de capitais e a internacionalização da exploração capitalista afeta principalmente a potência dominante e conduz à perda de competitividade e à decomposição de sua hegemonia econômica. O desenvolvimento desigual provoca o surgimento de novas potências, acirrando a concorrência por mercados.

6) O parasitismo é muito evidente nos EUA e sua manifestação está na raiz dos atuais fatores de crise do sistema. Manifesta-se no consumismo exacerbado da sociedade estadunidense e se expressa de maneira mais clara por meio do déficit comercial. Os Estados Unidos têm hoje um colossal e impagável déficit em transações correntes, um passivo externo e uma dívida externa impagáveis. Esses déficits e o passivo externo chegaram aos pontos mais altos na história e sua tendência é continuar subindo. Tal situação debilita em médio prazo a supremacia do dólar.

7) O parasitismo da economia estadunidense trouxe uma nova crise ao chamado padrão dólar, acentuando a tendência à instabilidade da ordem monetária. O ajuste do dólar, que em médio prazo parece inevitável, pode causar danos graves às economias dos países em desenvolvimento e provocará sérios abalos nas economias americana e mundial. Existe hoje uma acentuada competição entre áreas de divisas fortes, entre moedas, sobretudo entre dólar e euro, demonstrando que no nível econômico estão em curso mudanças nas relações entre as potências capitalistas.

8) A pressão dos EUA sobre os fluxos de capitais internacionais é a principal fonte das turbulências financeiras no mundo – inclusive a causa principal da chamada crise da dívida na América Latina e das crises financeiras de finais da década de 90 do século passado.

9) Em todo esse processo é preciso levar em consideração como fenômeno de grande significado a posição da economia chinesa na economia mundial, sua emergência como força econômica e comercial poderosa e os benefícios que a China obtém acumulando superávits comerciais, reservas internacionais e atraindo investimentos externos diretos – hoje ela é o centro mais importante para onde rumam esses investimentos externos diretos.

10) Em resumo, pode-se afirmar que o sistema capitalista-imperialista vive um período de aprofundamento de sua crise crônica e sistêmica. Sem cair em uma visão fatalista e sem prever a queda automática desse sistema, pode-se dizer que as contradições fundamentais do capitalismo se encontram em processo de agravamento, sobretudo a contradição entre o caráter social da produção e a concentração de capitais e riqueza. Também se agrava a contradição entre os países em desenvolvimento e os imperialistas, destacando a tendência de reagrupamento dos grandes países em desenvolvimento que lutam para se afirmar como nova força independente no mundo contemporâneo. A luta pelo desenvolvimento, pelo comércio equilibrado, contra o protecionismo dos países ricos, contra as dívidas, contra a exploração das riquezas nacionais e as políticas econômicas neoliberais constitui aspecto destacado nos esforços dessas nações por mudanças na ordem econômica internacional. Mesmo assim, desenvolvem-se contradições econômicas interimperialistas, aumentando a rivalidade entre os grandes blocos e grandes potências. Essas contradições têm influência direta no Brasil e na América latina, onde ocorre uma dura competição econômica entre as potências capitalistas.

11) No aspecto político, a humanidade se encontra sob intensiva ofensiva do imperialismo, especialmente o norte-americano, que afeta os direitos dos trabalhadores dos povos e a soberania nacional das nações que lutam por sua independência e desenvolvimento econômico e social. Está em curso uma onda conservadora, um ciclo contra-revolucionário, uma ofensiva dos EUA para impor sua supremacia no mundo. Sob essa ofensiva, estão sendo liquidadas as conquistas democráticas e sociais do século XX, as idéias avançadas, os valores progressistas e são difundidos todos os tipos de concepções contra-revolucionárias.

Vive-se o período mais perigoso da história moderna; carregado de ameaças à civilização e à própria sobrevivência da humanidade. Encontra-se em curso uma militarização desenfreada, tendências políticas autoritárias, ataques aos direitos democráticos. E, sobretudo, vive-se um quadro no qual predomina uma estratégia agressiva do imperialismo norte- americano, que consiste em impor seu poder por meio da ocupação militar de países, da intervenção política e militar, da realização de guerras preventivas e pró-ativas, sob o pretexto de combater o “terrorismo” e o “eixo do mal”. O imperialismo consagrou a agressão militar, a intimidação, o terrorismo de Estado como os métodos principais para exercer sua hegemonia, desprezando o direito internacional e impedindo a solução dos conflitos internacionais pela via diplomática. Os EUA declaram inimigos seus a todas as nações que coloquem obstáculos à realização de seus desígnios. Esta é sua posição no quadro de agravamento das contradições do sistema capitalista.
Esta é sua resposta às evidências do declínio da sua política hegemônica.

12) Os povos do mundo resistem e lutam pela paz, pelos seus direitos, pela independência nacional, contra a exploração capitalista com suas políticas neoliberais. No Iraque, a estratégia do imperialismo norte-americano fracassa com a generalização da resistência. Na Palestina, segue a luta contra a ocupação israelense. Na América Latina avançam as conquistas democráticas e consolida-se uma posição soberana de Brasil, Venezuela, Uruguai e Argentina contra as imposições norte-americanas. A revolução cubana segue inexpugnável. Aprofunda-se e consolida- se a revolução bolivariana na Venezuela. Na Europa há fortes sinais de desenvolvimento da luta de classes, da mobilização dos trabalhadores em defesa de seus direitos sociais e da democracia, cada vez mais ameaçada. A existência do socialismo na Ásia – China, Vietnã, Coréia e Laos –, é fator que estimula as lutas dos povos.

13) É um fato destacado da situação internacional o isolamento das posições estadunidenses e a derrota de suas posições em vários domínios. Na América Latina fracassaram a Cúpula dos chefes de Estado e a intenção de impor a Alca. Esse isolamento dos EUA é uma demonstração da evolução das contradiçõesgeopolíticas objetivas correspondentes a processos históricos.

14) A realidade é dura, complexa, a luta é difícil, a correlação de forças ainda é desfavorável ao movimento revolucionário, mas há elementos para afirmar que o imperialismo não é invencível e pode ser derrotado. É falsa a idéia de que não há alternativa ao neoliberalismo e às políticas de guerra e hegemonia do imperialismo estadunidense. Nossa alternativa como forças transformadoras é lutar, resistir e acumular forças, em um processo de longo prazo. Corresponde a nós comunistas a tarefa de abrir perspectivas e aceitar os desafios da situação. É nosso dever buscar os procedimentos estratégicos, táticos e metodológicos para a acumulação prolongada e revolucionária de forças, em que o fortalecimento dos partidos comunistas e uma lúcida política de alianças e de unidade com as forças progressistas são fatores indispensáveis na nova luta antiimperialista e na luta renovada pelo socialismo no século XXI.

*José Reinaldo Carvalho é vice-presidente do PCdoB e responsável pelas Relações Internacionais

EDIÇÃO 82, DEZ/JAN, 2005-2006, PÁGINAS 64, 65, 66, 67