Este 11º Congresso é o maior da história do Partido Comunista do Brasil. As 1362 Conferências Municipais, as Conferências Estaduais realizadas em todos os estados elegeram 1097 delegados. Também estão aqui presentes os convidados, militantes destacados do Partido, e estamos recebendo delegações de partidos irmãos de todos os continentes. O 11º Congresso transcorre num período de grandes exigências, em que o Partido assumiu importante participação na vida política nacional e protagonizou destacados acontecimentos, ao mesmo tempo em que conseguiu realizar rico debate interno de temas teóricos, políticos e partidários nas instâncias congressuais e na tradicional Tribuna de Debates, que pela primeira vez apareceu também na internet. A resposta do Partido, exigida pela prática política, articulou-se com o debate dos temas desfilados nas fases preparatórias do Congresso, enriquecendo e cimentando a orientação do Projeto de Resolução em discussão.

O 11º Congresso do PCdoB ocorre nos marcos de um quadro mundial de ofensiva imperialista, predomínio de uma finança mundializada, centrada nos Estados Unidos, e intensificação da resistência dos povos e das nações; um cenário de acirramento da luta pelo poder no Brasil, em que as forças liberal-conservadoras urdem sua volta ao centro do poder e as forças progressistas e de esquerda começam a se rearticular; além de um momento de renovação e expansão de nosso Partido.

Segue a ofensiva imperialista e se intensifica a resistência

O cenário internacional demonstra a validade, de modo geral, da linha apresentada pelo Projeto de Resolução Política ao 11º Congresso. Os EUA, no exercício da hegemonia unipolar, seguem sua estratégia de “guerra global infinita”, cuja aplicação só funciona dentro da lógica do unilateralismo. Por isso mesmo, precisam romper com as leis vigentes do Direito Internacional e desconhecer as decisões dos organismos e fóruns multilaterais internacionais, sempre que seus interesses estejam em jogo. Na ocupação do Iraque, impotentes para conseguir o pleno controle do território, proliferam bombardeios maciços de pequenas cidades e aldeias, supostas bases da resistência. O referendum sobre a nova Constituição imposta aprofundou as divisões étnicas do país.

Na América Latina, aprofunda-se o aumento das tensões em função das constantes ameaças do governo estadunidense à Venezuela bolivariana. Chamam a nossa atenção as gestões para instalar uma base militar norte-americana no Paraguai que, efetivada se somará às vinte outras existentes na América Latina, a maioria no nosso subcontinente. Estas bases são fatores de instabilidade e preocupação crescente em relação à paz na região. No âmbito econômico e comercial, os Estados Unidos persistem na sabotagem ao Mercosul e tentam impor um desigual Tratado de Livre Comércio na região andina, semelhante ao modelo do Cafta, firmado na América Central. No plano mundial, a pretexto de “Não-Proliferação das Armas Nucleares”, estão no centro da agenda norte-americana maquinações de todo tipo contra o aparecimento de novas potências nucleares, sendo este um fator de forte tensão. Os EUA tentam vetar até mesmo a utilização da energia atômica para fins pacíficos, como o sucedido no caso do desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro.

Para além desta situação, registra-se um quadro de resistência que se aprofunda. Tem sido fator de fortes desgastes do governo Bush as mortes de soldados no Iraque, que estimulam grandiosas manifestações pela paz e contra a guerra em grandes cidades dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que esse governo sofre fortes abalos internos após o caos provocado pela passagem do furacão Katrina, que afetou principalmente pobres e negros. Na frente da resistência, devemos também assinalar a tentativa de sentido estratégico, na qual o Brasil, dentre outros, tem um papel protagonista, na luta pela integração regional concretizada na recente realização da Cúpula da Comunidade Sul-Americana das Nações (CASA), em Brasília, com avanços progressivos. No curso das grandes movimentações do quadro mundial, ressaltam-se as contradições geopolíticas manifestadas pelo aprofundamento de tensões entre as potências imperialistas (EUA e União Européia) e a China, que podem se tornar uma linha marcante do século XXI. E assumem papel importante na contratendência neoliberal as recentes greves gerais na França e na Bélgica.

Crescimento, contradições e desequilíbrios da economia mundial

No plano econômico, ressalta-se a manifestação de uma relevante contradição de nosso tempo, resultante do modo atual da divisão internacional do trabalho, que se expressa no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). A rodada de Doha caminha para uma definição. As grandes potências capitalistas acenam com hipotéticas reduções nos subsídios agrícolas para forçar uma ampla abertura das tarifas industriais e em outros setores dos países em vias de desenvolvimento. Em contraposição, o G-20 permanece atuante, constituindo-se em importante e novo elemento de defesa dos países e povos ao desenvolvimento no âmbito da OMC.

Outra questão saliente: o elevado crescimento da economia mundial em 2004, e ainda neste ano, não garante que se possa descartar uma deterioração do quadro econômico internacional, em prazo que pode variar, devido aos crescentes riscos de desequilíbrio estrutural provocados pela tendência a uma crise energética que se acentua nos Estados Unidos e no mundo, com graves repercussões sobre o crescimento global. O agravamento dessa crise estrutural pode pesar na sustentabilidade do financiamento dos grandes déficits da economia norte-americana, que se soma à ameaça do estouro de enorme “bolha” especulativa dos ativos do mercado imobiliário desse país, previsão registrada nos informes financeiros atuais.

PCdoB diante da nova luta pelo socialismo

A razão de ser do PCdoB, a sua identidade, distinta dos demais partidos em nosso país, é a luta pelo seu grande ideal socialista e comunista. O nosso desafio central, como afirma o Projeto de Resolução Política ao 11º Congresso, está na construção de condições que permitam abrir uma nova etapa de ascenso da luta transformadora, revolucionária, a fim de que se possa alcançar a superação do capitalismo com o predomínio de uma sociedade superior – a do socialismo. Essa determinação para tornar realidade o ideal socialista não é uma utopia, mas uma necessidade vital para a humanidade, já fundamentada com categorias científicas desde Marx, a partir do século XIX. Mas a nossa convicção, forjada nos últimos congressos do nosso Partido, é de que a teoria revolucionária não está pronta para qualquer período histórico, ela requer constante renovação e sua aplicação varia conforme a singularidade de cada país. Desse modo, temos o grande desafio de atualizar e desenvolver a teoria revolucionária no bojo do pensamento avançado da nossa época e no curso do movimento transformador das massas trabalhadoras e populares, conformando um projeto político atual, nas condições peculiares do Brasil, capaz de alcançar o socialismo.

Segundo nossa compreensão, esse grande desafio se avultou em conseqüência do impacto da derrota histórica do socialismo, que teve seu ápice nos começos dos anos 1990, produzindo assim uma brusca mudança da correlação de forças, condicionando uma situação desfavorável na atualidade para a luta dos trabalhadores e dos povos pela emancipação nacional e o socialismo. Esse desequilíbrio, que pende em favor do lado contra-revolucionário, marca o atual período histórico – longo, difícil e sinuoso – de acumulação estratégica de forças no sentido revolucionário. Pois bem, do nosso ponto de vista, o centro da questão é como extrair as conseqüências para nosso movimento da repercussão desse período de longa acumulação, na orientação tática e estratégica, nas políticas de alianças, nas formas de luta, na linha de construção partidária. Acumulação não se confunde com passividade ou possibilismo. O procedimento do processo cumulativo, nas condições impostas de uma defensiva estratégica para as forças revolucionárias, não significa que o nível do movimento tático de resistência será sempre defensivo. A resistência ativa se concretiza por meio de uma tática ampla e flexível que busca avançar, ser ofensiva, sendo esse o justo procedimento para se alcançar as condições para a contra-ofensiva, revertendo o quadro de defensiva estratégica. O nosso Partido tem procurado dominar a singularidade do atual período histórico e, ao mesmo tempo, feito um grande esforço construtivo de sua linha política e da edificação partidária nas condições concretas do Brasil, definindo um justo caminho de acumulação de forças. É mais profunda a nossa convicção de que, nos marcos do sistema imperialista-capitalista, não se alcançará a justiça social. Ao contrário, a humanidade vive hoje um retrocesso civilizacional. É mais atual do que nunca a assertiva de que a humanidade está diante de uma encruzilhada histórica: ou socialismo, ou barbárie.

Nível da luta de resistência ao neoliberalismo no Brasil

O curso histórico dos acontecimentos no Brasil tem suas contradições próprias, resultantes dos impasses estruturais e da forma dependente de inserção mundial do país. No atual período histórico, a nação está incluída nos marcos do padrão de dominação imperialista-capitalista que se convencionou chamar de neoliberalismo e está sujeita às implicações políticas do exercício unilateral de poder mundial pelos EUA. No plano nacional, ressalta-se como uma peculiaridade da recente história política brasileira a instalação do governo Lula, a partir de 2003, que significou a vitória de novas forças políticas e sociais avançadas, que nunca tinham alcançado o governo da República.

O novo governo, eleito dentro dos limites institucionais vigentes, por sua origem social e política, compromissos e composição, representou novo patamar na luta contra o neoliberalismo, assumindo uma postura democrática mais avançada, em meio à disjuntiva entre “desenvolvimentismo” e “ortodoxia”, Estado e “mercado”, situação distinta da do governo Fernando Henrique, condutor do neoliberalismo brasileiro.

Na situação particular do Brasil, do ponto de vista estrutural, apesar da avalanche neoliberal, o capitalismo de Estado não foi completamente destruído. Mantiveram-se preservados, sob controle estatal, setores de peso na economia, com capacidade de investimento em outras áreas, como Petrobras, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Eletrobras – estratégica holding estatal do sistema hidroelétrico brasileiro, estando fora dos recorrentes cortes do Orçamento para atingir os exorbitantes superávits fiscais. Além disso, hoje o Estado mantém certo controle sobre o crédito, focando um volume significativo de recursos fora da alçada da financeirização. Esta situação peculiar é a base objetiva para que as novas correntes progressistas componentes do governo Lula possam forçar, de certo modo, uma política voltada para o desenvolvimento. Tal política tem sido sistematicamente atacada pelos setores conservadores, tendo o pólo contrário, no centro do governo, na predominância da política macroeconômica ortodoxo-liberal.

Ao cabo de quase três anos de governo Lula, as forças mais conseqüentes, democráticas e populares ainda se encontram diante do desafio da construção de um novo projeto nacional, de um caminho próprio que supere a fase esgotada do período conhecido como nacional-desenvolvimentismo e, sobretudo, supere os impasses históricos agravados pela vigência do neoliberalismo na década de 1990.

A tentativa de transição – realizada através de políticas e medidas governamentais significativas de contenção da investida neoliberal e de outras não-condizentes com a linha liberalizante, como as relacionadas no item 118 do Projeto de Resolução Política –, demonstra um esforço de progresso, de mudanças importantes, porém contido até agora pelo compromisso, na prática do governo, com forças hegemônicas que constituem o “mercado da finança mundializada”, dentro e fora do país, mesmo considerando a virtude da recente decisão oficial de não renovar acordo com o FMI, que se mantinha desde 1998.

Em decorrência dessa situação, o governo, apesar do empenho em não se afastar da sua origem, não conseguiu definir e aplicar, lançando suas bases, um projeto mudancista nítido, apoiado em ampla mobilização democrática e nas camadas populares e progressistas, submetido que está pelo enclave no seu interior do trinômio liberal-conservador – linha e estrutura conservadoras do Mistério da Fazenda, composição homogênea, ortodoxa, do Conselho Monetário Nacional, dependência do Banco Central às exigências da finança globalizada.

Na batalha em curso, o PCdoB luta para que o governo Lula resista de várias formas ao hegemonismo neoliberal, mesmo que não alcance ainda a sua suplantação, mas, que sustente e concretize os moldes centrais de novo projeto de desenvolvimento nacional, democrático, de integração regional. A montagem desse novo projeto requer uma contenda contra os postulados liberalizantes, sem concessão a estes, podendo-se inicialmente alcançar vitórias parciais, como indica a própria experiência da construção da nova política externa, até agora exitosa para os interesses nacionais.

Quanto à luta pela superação do novo padrão de dominação imperialista e de acumulação capitalista, que se convencionou chamar de neoliberalismo por seu sentido antiimperialista e anticapitalista, já havia no PCdoB a percepção de que o novo governo não reunia convicção nem forças suficientes para enfrentá-la. O alcance deste objetivo pleno exige uma alternativa política radical comparada com a situação presente, que já nos aproximaria daquilo que sinalizamos no Programa Socialista do Partido como uma etapa de transição ao socialismo.

Posição do Partido na relação com o governo Lula

A nova condição política inaugurada com a posse do presidente Lula tornou imprescindíveis o apoio e a participação do nosso Partido neste governo, em decorrência da relação frentista de sentido democrático e progressista entre PCdoB, Lula e PT, desenvolvida desde 1989. O Partido assumiu, assim, o compromisso com uma frente, de ampla aliança, dirigida pelo PT, para governar o país. As razões políticas desse importante compromisso estão assentadas nos fundamentos de que, no atual período, a construção ascendente da luta transformadora no Brasil requer acumulação de forças, o que se distingue até o momento em três atividades fundamentais inter-relacionadas, que exigem condutas e métodos diferenciados, a saber: apoio e participação no governo, impulsionando-o a transitar para uma alternativa democrática, patriótica e progressista; participação na luta de idéias, reforçando as tendências revolucionárias e progressistas, tendo em vista a elevação dos fundamentos ao projeto substitutivo do neoliberalismo; e intervenção incessante na organização e mobilização do movimento social, sobretudo nas camadas trabalhadoras, a fim de que exerça seu papel de força-motriz da luta transformadora, fundamental para a realização das principais mudanças. A justa condução nessa inter-relação política é que pode prevenir o desvio para uma via seguidista, possibilista, ou para o voluntarismo, primarismo.

A continuidade da relação de apoio e participação do PCdoB no governo não é uma premissa imutável, mas está sujeita à evolução do curso político e, mais especificamente, ao “rumo predominante que assuma o governo e possíveis vias alternativas que venham a se impor”, como afirma o Projeto de Resolução Política. Nosso apoio e sustentação ao governo expressam a unidade que ainda prevalece na relação frentista, numa aliança que tem a responsabilidade de governar. Essa unidade não tem impedido a nossa crítica à política macroeconômica, como as que têm sido expostas em inúmeras resoluções, publicações e divulgações partidárias; as nossas proposições diferenciadas, como no importante episódio que contribuiu para barrar o projeto de reforma sindical do Ministério do Trabalho; ou nossa demarcação de posições, como nos casos recentes da votação da Lei das Falências e da MP 242, porque estava em jogo a manutenção de direitos trabalhistas.

Crise política revelou os limites do governo e do PT

A crise política que se desenvolveu a partir do começo de 2004, com o surgimento do rumoroso caso Waldomiro, envolvendo o então chefe da Casa Civil do governo federal, José Dirceu, teve seus desdobramentos, despontou novos acontecimentos, até atingir seu ápice em meados deste ano, com as denúncias contra o PT, ampliadas ao governo e ao presidente Lula. Apesar dos erros cometidos pelo principal partido do governo, estopim dos acontecimentos recentes, o móvel que levou à intensificação e à ampliação da crise está na exacerbação da luta revanchista das forças conservadoras objetivando sua volta ao centro do poder. Aproveitando-se da situação favorável a eles, os partidos de oposição da direita, suas forças auxiliares de “esquerda”, a grande mídia e elites econômicas poderosas tomaram a iniciativa política e desencadearam vasta campanha inquisitória, concentrada no PT, em Lula e em seus aliados. Até mesmo uma espécie de “golpe branco”, pacífico, foi tentado contra o presidente da República. Em curto espaço de tempo, o núcleo político principal do governo foi substituído, o mesmo acontecendo com o núcleo dirigente do PT.

A crise política, apesar da sua intensidade, não abalou a economia e nem esta foi a causa imediata da convulsão política. Toda a trama conservadora concentrou seu ataque no PT e no presidente Lula, agindo para “blindar” a economia e mantendo em pé as instituições políticas. Em termos sucintos, a economia do país vive uma situação de relativa estabilidade, de crescimento, embora insuficiente, beneficiando-se de uma situação internacional favorável.

A marcha da crise política expôs, por um lado, os desacertos e limites do governo em conformar uma efetiva coalizão política para sua sustentação, em função de uma plataforma mudancista. Prevaleceu, na prática, uma inter-relação política que se confunde com uma forma de “coabitação” – convivência para governabilidade com forças díspares, heterogêneas, com objetivos contrastantes. Revelou, também, a pouca capacidade do PT, como dirigente principal da aliança de governo, para a condução política da transição a um novo projeto de mudança, chegando a ser fomentado, até mesmo por setores dirigentes importantes desse partido, um pacto de aliança política com o PSDB.

Por outro, o desenrolar dos acontecimentos desnudou a ação de um arcabouço poderoso, articulado, das forças conservadoras de direita, composto pela aliança política central entre PSDB e PFL, sustentado pelas elites econômicas dominantes e pela ação ostensiva da grande mídia do país, postado em posições políticas fundamentais e enraizado no aparato estatal.

Crise política aguçou a luta pelo poder

Diante da crise política em evolução, o PCdoB procurou se orientar extraindo lições dos graves acontecimentos, não subestimando os erros cometidos no âmbito do governo e da frente, mas, sobretudo, distinguindo o que estava em questão nesse embate político – a preparação ativa das forças conservadoras para sua volta ao centro do poder versus a luta do governo para concluir o mandato e abrir caminho para continuar. Pela responsabilidade política do Partido e do seu caráter forjado em longa história de duras lutas, perante o povo e o governo não se admitia nesta hora nenhuma posição demissionista ou muito menos de auxiliar do coro revanchista da direita. Nesse embate, o Partido, de imediato, não se confundiu de lado. Em face de um ataque concentrado das forças conservadoras tradicionais e “modernas”, contra o nosso aliado e o governo no qual temos nossa responsabilidade, e apesar de existirem divergências importantes que vicejaram na experiência frentista em curso, não cabiam devaneios, tibieza, perplexidade, hesitação. A história do Brasil e da América Latina está cheia de grandes manobras políticas das classes e dos partidos conservadores para subjugar, render, derrubar governos e forças progressistas que alcançaram o centro do poder nacional. Em situações como essas, a posição assumida por forças defensoras da revolução, seja pela omissão ou pela oposição, que tacitamente reforça a investida conservadora, pode marginalizá-las do curso político e histórico. Foi justa e digna a posição do PCdoB ao se colocar de pronto na trincheira de defesa do presidente Lula e incentivar a rápida recuperação do PT. Na verdade, a onda conservadora tem o fito de atingir toda a esquerda, desqualificá-la, mostrá-la incapaz de governar o país.

Orientação do Partido tem sido vitoriosa

Em função da linha já traçada no Projeto de Resolução Política deste 11º Congresso e em face do aguçamento da luta política, o Partido procurou estabelecer uma orientação em dois planos articulados: o da ação imediata e o da perspectiva.

A ação imediata teve em vista responder à investida conservadora para detê-la, levantar a linha de resistência, a fim de paralisar a instabilidade gerada pela crise e possibilitar a retomada da iniciativa política. Seguimos um conjunto de tarefas que se resume nas seguintes medidas que vêm sendo aplicadas: mobilizar amplas forças políticas e de massas para a defesa do mandato do presidente da República; exigir justa apuração e tratamento exemplar no caso dos ilícitos cometidos, desmascarando a farsa moralista da direita; defender e se empenhar pela aplicação de uma agenda positiva, que responda às exigências populares imediatas econômicas, sociais e políticas mais sentidas; buscar formas e desenvolver iniciativas para a recomposição do campo da esquerda e da base de apoio do governo; impulsionar o movimento social, elevando a sua mobilização em torno da cobrança dos compromissos de mudança e ao mesmo tempo na defesa do mandato de Lula.

O curso atual da luta política demonstra que alcançamos importantes êxitos quanto ao objetivo imediato de levantar a “linha de resistência” e criar as condições para uma contra-investida. De início, a mobilização do movimento social pelas mudanças, pela punição dos corruptos e contra a desestabilização do governo Lula, patrocinada pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), reagrupou os movimentos sindical, estudantil, sem terras e popular paralisando a direita, que se sentia livre, desimpedida, para sustentar seu desiderato do impedimento do presidente da República. No curso dessa mobilização, o Partido lançou a consigna do “Fica Lula”, que se opôs frontalmente ao “Fora Lula” puxado pela ultra-esquerda com o ostensivo apoio da direita. Outro passo significativo tem sido a reaproximação dos três partidos de esquerda – PT, PSB, PCdoB –, que vêm recompondo sua unidade em torno de objetivos comuns, com um plano de ação política estabelecido para construção de uma agenda positiva com o presidente da República, o da Câmara e o do Senado e uma discussão para a reapresentação de um projeto nacional de desenvolvimento. Compõe também esses marcos de avanços a conclusão do processo de eleições diretas do PT, reconstruindo todas as suas direções, elegendo nova direção nacional aceita por todo o Partido, dando uma demonstração de ativa resistência e rápida recuperação num momento delicado, sendo este um fator significativo para inflexão na marcha da crise.

Além disso, a eleição do deputado federal Aldo Rebelo, do PCdoB, para a Presidência da Câmara Federal – terceiro cargo mais importante na hierarquia da República –, adquiriu extensa repercussão. Foi o ponto mais elevado, que expressa uma primeira grande derrota da investida do conjunto das forças conservadoras e da grande mídia. Esse acontecimento, inusitado na história política brasileira, barrou a arremetida conservadora que preparava verdadeiro assalto a esse posto-chave do poder nacional, que poderia colocar o presidente da República numa situação de rendição permanente diante da oposição – porque cabe ao presidente da Câmara a decisão de arquivar ou dar prosseguimento ao processo de impeachment do presidente da República.

A vitória de Aldo Rebelo sinalizou uma viragem de uma tendência defensiva que predominava no lado do governo, do PT e dos aliados, em um momento decisivo do presente embate político, instando a aglutinação das forças de apoio ao governo, que se encontravam dispersas, reaproximando as forças de esquerda – Aldo Rebelo foi lançado como candidato de PT, PCdoB e PSB –, abrindo novo horizonte à perspectiva de esquerda e progressista e influindo em setores políticos intermediários que pendiam para a oposição.

Porém, queremos enfatizar diante desta plenária de delegados e convidados do nosso 11º Congresso, sem ufanismos, mas com a responsabilidade própria de um Partido como o nosso, calejado em difíceis períodos de ditaduras e clandestinidade, que o resultado da luta pela Presidência da Câmara dos Deputados demonstrou uma significativa vitória da orientação traçada pelo PCdoB; do elevado empenho de seus quadros e militantes; e do destacado papel de nosso camarada Aldo Rebelo no cenário político nacional, colocando nosso Partido no centro da grande movimentação política perante a nação e elevando o seu papel protagonista para melhor contribuir por uma solução avançada para os maiores embates futuros.

Perspectiva política

Mas, como dizíamos, nossa orientação se estende, partindo do plano imediato, num plano em perspectiva, no qual se trata em persistir no desafio de construir o projeto da mudança, aspiração maior dos que defendem e votaram em Lula.

Por isso, em primeiro lugar, temos insistido que, no estágio político atual, é preciso concentrar esforços conjuntos pela repactuação do projeto nacional, relançando o impulso de mudança, resgatando a expectativa para tanto, contrapondo-nos aos postulados neoliberais dominantes, delineando e reforçando a alternativa desenvolvimentista, democrática, integradora dos países do continente. Agora mesmo, no empenho para consecução de uma agenda positiva desenvolvida pelos três partidos de esquerda – PT, PCdoB, PSB –, procuramos acentuar uma política de valorização constante do salário mínimo, cumprimento integral das metas de assentamento do plano de reforma agrária e, sobretudo, uma posição comum de rejeição de qualquer proposta para o Orçamento de 2006 que não priorize e eleve os investimentos públicos na infra-estrutura nacional, na estrutura social e em programas afins.

No Projeto de Resolução Política, no item 140, o Partido propõe, como contribuição ao debate do projeto, elementos de uma plataforma mínima atualizada. No debate crescente, na sociedade e dentro do próprio governo, sobre o rumo do projeto de desenvolvimento nacional, democrático, soberano, o PCdoB considera essencial redirecionar a política macroeconômica. A questão nodal está em que a orientação vigente, de base ortodoxo-liberal, garantidora dos ganhos dos grandes credores, rentistas e especuladores, aumenta a já acentuada concentração de riquezas da sociedade brasileira, transferindo enorme soma de rendas para um punhado de beneficiários que vivem principalmente da acumulação financeira gerada – num conceito de Marx – pelo “capital portador de juros”. Ademais, apesar de ultimamente se ter alcançado o crescimento econômico, a aplicação acentuadamente ortodoxa da política oficial tem reprimido o desenvolvimento, considerando-o inflacionário. Tal conduta é criticada até mesmo por setores e economistas do próprio sistema financeiro.

Neste importante debate acerca do projeto de desenvolvimento nacional, não podemos nos confundir com as contradições no nosso meio e as contradições antagônicas com os nossos inimigos. As forças liberal-conservadoras confiáveis do imperialismo norte-americano, que já tecem sua volta ao centro do poder e gritam o “basta de Lula”, do ponto de vista programático pretendem retomar o processo das grandes privatizações, insistem nas “reformas” que aprofundam o sistema liberalizante e, através de seus porta-vozes e editorialistas, repicam na tese da autonomia do Banco Central, da mudança do papel do BNDES, privatizando ou até fechando-o e, num crescendo de agitação, tocam num objetivo estratégico: pedem a efetivação da Alca, afirmando que ela “não sai porque o Brasil, sob Lula, não quer a Alca”.

Em segundo lugar, como decorrência do trabalho pela repactuação do projeto, avulta a importância da reorganização da aliança política, que sustente o pacto programático. Em conseqüência do nível da nossa luta mudancista, mais especificamente da relação entre o campo de esquerda e progressista e o campo de direita e afins, este esforço se destina à recomposição da alternativa frentista de centro-esquerda – a esquerda sozinha, nas condições presentes, teria maiores dificuldades para vencer a batalha sucessória de 2006 e governar o país. Nesta recomposição, fator-chave reside na formação do núcleo de esquerda que comporia a coalizão política e na nossa capacidade de ampliação com as forças que possam se comprometer com o anseio mudancista. Torna-se decisivo para o êxito da reconstrução frentista e a formação de uma efetiva coalizão eleitoral e para governar a reaproximação entre os partidos de esquerda e o papel que venha a desempenhar, nas eleições gerais de 2006, o PMDB, partido grande, que ocupa um lugar de centro no espectro político brasileiro.

Em terceiro lugar, temos opinado que as candidaturas e, sobretudo, o candidato presidencial deveria resultar desse amplo esforço de repactuação e recomposição e, evidentemente, da particularidade da marcha política em desenvolvimento.

Em quarto lugar, o impulso e o deslanche da transição para o novo projeto de desenvolvimento nacional depende, em grande medida, da ampliação da consciência pela mudança, da elevação do nível organizativo e da mobilização ampla e unitária do movimento social, que possa resistir e avançar diante dos entraves à liberdade política, ao progresso social e à soberania nacional. Esse movimento social de massas é o ator que precisa ocupar seu papel protagonista, o lugar de força-motriz principal no processo transformador atual. O Partido tem persistido em realizar várias tarefas para expandir e aprimorar seu trabalho junto ao movimento social, principalmente entre as camadas dos trabalhadores, através de estudo e ações dirigidas, procurando elevá-lo ao nível de extenso movimento político de massas. Conseguimos efetuar dois encontros nacionais, com a mobilização de todo o Partido, para conhecer a realidade do contingente proletário no Brasil, a relação e as novas tarefas do Partido com essa classe social fundamental.

Reforçou seu trabalho entre a juventude, ampliando sua influência, fez avanços importantes na relação com o movimento de bairros, deu passos significativos na compreensão e unificação de uma linha de atuação no movimento anti-racista, mantém seu prestígio e ampliou sua atividade no variado movimento das mulheres. O Partido tem insistido, dedicando atenção constante, à afirmação da Coordenação dos Movimentos Sociais, que reúne os movimentos nacionais mais representativos, sendo essa uma forma atual, nas novas condições políticas, para a organização unitária do movimento social em plano nacional. (…)

*Renato Rabelo é presidente do Partido Comunista do Brasil. Este texto reproduz a parte inicial de seu informe político ao 11º Congresso do PCdoB, realizado de 20 a 23 de outubro de 2005 em Brasília.

EDIÇÃO 82, DEZ/JAN, 2005-2006, PÁGINAS 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21