Meio ambiente e desenvolvimento
O desenvolvimento capitalista tem como objetivo central o lucro máximo. Adota um sistema de produção e consumo que conduz à exploração da força de trabalho e ao desperdício dos recursos naturais.
A globalização neoliberal, forma atual da acumulação capitalista, agravou esse quadro, aprofundando a exploração dos trabalhadores, a degradação ambiental, a concentração do conhecimento, a imposição de hábitos culturais padronizados e, sobretudo, a concentração da riqueza a nível planetário.
Conforme o Relatório do Desenvolvimento Humano 1998/1999 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), “os países já industrializados, onde se encontram 19% da população mundial respondem por 86% do produto mundial e do consumo, enquanto os 20% das populações mais pobres do planeta detêm 1% do produto mundial, 1% das exportações e 1% dos investimentos”. A concentração da renda atinge níveis impressionantes, sendo que as três pessoas mais ricas do planeta detêm ativos superiores ao produto bruto dos 48 países mais pobres onde vivem mais de 600 milhões de pessoas.
A concentração do conhecimento se expressa no fato de que em 1993, 10 países respondiam por 84% dos gastos em pesquisa e desenvolvimento e controlavam 95% das patentes registradas nos Estados Unidos e 80% das patentes dos países em desenvolvimento.
O meio ambiente tem sofrido as conseqüências desse modelo. Uma delas é o agravamento do efeito estufa. Este ocasiona o aquecimento da terra, a alteração das correntes marítimas e de ar, conduzindo a sérias alterações climáticas. Tal fenômeno decorre da emissão de gases poluentes, como o gás carbônico, e coloca em risco o futuro da humanidade.
O Terceiro Relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) de 2001 prevê um aumento global da temperatura nos próximos 100 anos de 1,4 a 5,9 graus centígrados com a conseqüente elevação do nível médio dos mares, causada pelo degelo das calotas polares e glaciais.
Em fevereiro desse ano entrou em vigor o Tratado de Kyoto com o objetivo de reduzir a emissão de gases poluentes. A meta estipulada para os países industrializados que mais emitem gases de efeito estufa foi a de reduzir suas emissões em 5% até 2012, relativamente aos valores de 1990. Porém, o maior poluidor, os Estados Unidos, responsáveis pela emissão de 36% desses gases, se negou a assiná-lo. Tal fato demonstra como o poder econômico é um grave fator limitador de boas práticas de preservação ambiental.
O buraco da camada de ozônio é outro problema que traz sérias conseqüências para a saúde, em particular provocando o câncer. Ele foi descoberto na Antártida no início da década de 1980 e o seu grande causador é o clorofluorcarbono (CFC) empregado em compressores de geladeiras, aerossóis da indústria de cosméticos, na indústria de embalagem e informática (sobretudo plástico). O mercado mundial de CFC representa uma cifra em torno de 2 bilhões de dólares/ano. Somente a Dupont de Nemours controla cerca de 25% deste mercado.
O desmatamento é outro fator importante na degradação ambiental que enfrentamos. Ele continua acelerado e ininterrupto. O mundo já perdeu metade de suas florestas originais. Na zona tropical a perda anual soma 130 mil km2 por ano.
Outra questão importante diz respeito à água. Do total da água disponível no planeta 97,2% são salgadas, 2,4% são congeladas ou salobras. Menos de 1% do total das águas é representado por água doce cujo crescimento do consumo tem sido alarmante. A partir de 1950 o consumo de água em todo o mundo triplicou. Mais de 26 países já sofrem de escassez de água, sendo que alguns países árabes importam água potável a preços superiores ao preço do petróleo que exportam. O fato é que a questão da água está se tornando um problema extremamente grave e razão de conflitos e guerras. Alguns cientistas chegam a afirmar que a água será para o século XXI o que foi o petróleo para o século XX.
No Brasil, as conseqüências da política neoliberal também aprofundaram a crise social e a degradação ambiental. Segundo Relatório de Desenvolvimento Humano, da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil está na 8ª colocação do ranking das maiores desigualdades sociais, ficando na frente apenas de 6 países africanos e da Guatemala, sendo que 46,9% da renda nacional estão nas mãos da população 10% mais rica.
As conseqüências da política neoliberal sobre o meio ambiente têm sido grandes em nosso País. O desmatamento da Amazônia brasileira é objeto de grande preocupação. No ano passado foram desmatados 26,1 mil km2. Todavia o governo Lula, através da Polícia Federal, desbaratou uma quadrilha de madeireiros e integrantes do Ibama responsáveis por desmatamento na Amazônia. Certamente fruto desta e de outras ações houve neste ano uma queda no ritmo de desmatamento na região, conforme declarações da ministra Marina Silva.
O processo de desmatamento está relacionado com o avanço da pecuária e da agricultura, principalmente a produção de soja. A produção agrícola capitalista, em geral, não respeita os 20% de reservas legais e as áreas de preservação permanente (matas ciliares, encostas de morros). O desmatamento, por um lado, é o maior responsável pela emissão de gás carbônico no Brasil. Por outro, ele causa o assoreamento dos rios já que grandes volumes de terra são escoados para os seus leitos. O Brasil detém 20% de toda a biodiversidade mundial. Todavia este patrimônio genético e o conhecimento de que comunidades tradicionais e indígenas dispõem sobre essa riqueza têm sido vítimas da “biopirataria”. Grandes indústrias de fármacos, cosméticos e alimentos se apropriam e os patenteiam em seus países de origem.
O uso de fertilizantes e pesticidas tem sido maior a cada dia, pois as pragas tornam-se cada vez mais resistentes. Trazem sérios problemas para o meio ambiente e para a saúde humana.
As indústrias, para aumentar sua competitividade no mercado globalizado, reduzem custos de produção cortando gastos com gerenciamentos ambientais e mecanismos de controle de emissão de resíduos, bem como realizando uma política de achatamento salarial.
Nosso País detém em torno de 12% das reservas de água doce do mundo. Todavia ela é má distribuída trazendo polêmicas como a da transposição das águas do Rio São Francisco. Enquanto a região Norte, com 6,98% do total da população, dispõe de 68,50% da água doce existente no País, o Nordeste, com 28,91%, dispõe somente de 3,30%. Por outro lado enfrentamos o problema da poluição de nossos rios através do lançamento nos corpos d’água de esgotos domésticos e efluentes industriais. Tudo isto tem acarretado a redução da quantidade e da qualidade de nossa água doce.
Com o processo de urbanização em curso no País a questão dos resíduos sólidos tornou-se problema sério, principalmente nas maiores cidades. Segundo Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, produzida pelo IBGE em 2000, apenas 33% dos municípios brasileiros coletam 100% dos resíduos domiciliares produzidos nas zonas urbanas de seus territórios, sendo que do total dos resíduos urbanos coletados, 20% são dispostos de maneira inadequada, em vazadores a céu aberto.
Desenvolvimento sustentável
Os fenômenos recentes, como furacões, chuvas torrenciais em algumas regiões e seca inclemente em outras, colocam na ordem do dia a questão ambiental. Mais do que nunca há que se encontrar formas de compatibilizar o desenvolvimento com a preservação ambiental.
O desenvolvimento sustentável procura conciliar o desenvolvimento com a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida da população.
Todavia tal conceito suscita concepções diferentes. Para alguns, o mero desenvolvimento científico e tecnológico será capaz de resolver o problema ambiental. Para outros, é indispensável a alteração do modelo de desenvolvimento visando assegurar uma mais justa distribuição da renda e da riqueza e a preservação ambiental.
Para isto torna-se necessário uma alteração dos processos de produção e de consumo já que o sistema capitalista desenvolve uma prática de desperdício de matérias primas e produtos industrializados e utiliza, de forma abusiva, bens finitos, com graves conseqüências para o futuro da humanidade.
Édis Milaré em seu Direito Ambiental afirma: “Não se atingirá o desenvolvimento sustentável se não se proceder a uma radical modificação nos processos produtivos assim como o aspecto qualitativo e quantitativo do consumo”.
A Agenda 21 brasileira afirma: “Desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades. Mais que um conceito ele traduz o desejo de mudanças de paradigma, a busca de um estilo de desenvolvimento que não seja socialmente injusto e danoso ao meio ambiente”.
Isto implica no uso racional da energia, na utilização de fontes alternativas de energia e uso racional da matéria prima, assim como na conservação de recursos naturais dentro das características essenciais dos ecossistemas de modo que a demanda sobre eles atinja limites que possam se regenerar e
auto-regular.
Na realidade uma alteração radical da situação ambiental implica na superação do sistema capitalista e na adoção de um novo sistema econômico-social, o socialismo, incorporando a questão ambiental como um problema relevante de nossa época. Todavia enquanto não alcançamos o socialismo, torna-se necessário, dentro dos limites do sistema capitalista, avançar na defesa do meio ambiente.
Dentre as questões que devem estar presentes na luta em defesa do meio ambiente destacam-se o avanço na criação de novas unidades de conservação, o controle efetivo das Áreas de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente (APP’s), o rígido controle do desmatamento, a adoção de políticas de estímulo do florestamento das nascentes e do reflorestamento, o combate à biopirataria, a adoção de uma política adequada para os resíduos sólidos estimulando a coleta seletiva do lixo, a adoção de novas formas de produção agrícola e industrial que reduzam os impactos ambientais, a política de revitalização de nossos rios e a criação de mecanismos econômicos de gestão ambiental como o ICMS ecológico. Inúmeras destas medidas já vêm sendo colocadas em prática em certas regiões do país, ou mesmo se constituem em políticas nacionais. Estas são algumas das importantes questões a serem incorporadas a um projeto nacional de desenvolvimento sustentável.
Sólidas bases para um projeto nacional de desenvolvimento sustentável
O núcleo de um projeto nacional de desenvolvimento sustentável diz respeito à adoção de políticas que coloquem como questão central o desenvolvimento do País com a geração de emprego, a valorização do trabalho e a preservação ambiental.
Isso implica na adoção de uma nova política macroeconômica voltada para o desenvolvimento nacional, que valorize os fatores de produção do país, desenvolvendo tecnologias voltadas para a nossa realidade.
O Brasil possui uma enorme população, um parque industrial relativamente desenvolvido, uma vasta extensão territorial de terras agricultáveis, riquezas minerais e a maior biodiversidade do planeta, além de possuir 12% das reservas mundiais de água doce. Tem, portanto, bases sólidas para formular um projeto nacional de desenvolvimento sustentável. Depende da vontade política de seus dirigentes e do seu povo.
O aprofundamento do processo de mudanças iniciado com o governo Lula passa pela alteração da atual política macroeconômica com a redução das taxas de juros, a redução das metas de superávit primário e, sobretudo, a definição do desenvolvimento como centro da política econômica visando gerar riqueza, emprego, valorizar o trabalho e preservar o meio ambiente.
O PCdoB deu um importante passo ao incorporar a questão ambiental às Resoluções de seu 11º Congresso. Esta frente de luta ganha cada vez mais relevância sensibilizando amplos setores da sociedade, em particular a juventude.
Torna-se necessário dar novos passos formulando a política do Partido para o Meio Ambiente, enfrentando as questões polêmicas que envolvem este tema.
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Aldo Arantes é Secretário Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Goiás e membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do PCdoB.
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