Na largada do século XXI, as bases para o desenvolvimento soberano e sustentável de um país não são apenas aquelas que prevaleciam até meados do século passado: riquezas naturais, extensão territorial, ou até mesmo a capacidade militar. Desenvolvidos são os países que detêm conhecimento técnico-científico e, portanto, a capacidade de decidir sobre o seu destino. Aos demais, resta o papel de fornecedores de matérias-primas e de mercados importadores de produtos de maior valor agregado, condenados ao subdesenvolvimento. É o rumo de um Mundo cada vez mais globalizado, onde, nos últimos 50 anos, os avanços e as descobertas científicas superaram todo o saber acumulado até então pela Humanidade.

O Brasil tardou a despertar para esta realidade. Somente na década de 1960 começou a ser institucionalizado o ensino de pós-graduação para formar pesquisadores e recursos humanos mais qualificados, e foi criado o regime de tempo integral, permitindo que os professores pudessem fazer pesquisa nas universidades. O sistema de financiamento da pesquisa e de formação de pessoal avançou nos anos 1970, mas passou a enfrentar crises sucessivas a partir dos 1980. Ainda assim o país formou e consolidou a maior e mais qualificada comunidade científica da América Latina, hoje com mais de 50 mil pesquisadores.

Em 2005 as publicações de artigos indexados em revistas científicas internacionais provenientes de instituições brasileiras representaram 1,8% do total no mundo. Não é um número impressionante, mas ele é comparável com a participação do PIB nacional na riqueza total do mundo. O mais significativo é o crecimento recente da participação brasileira na produção cientifica mundial, pois em 1980 era apenas 0,4%. Hoje, os trabalhos com origem no país representam aproximadamente 45% de toda a produção latino-americana.

Em 2004, estima-se que os investimentos brasileiros, públicos e privados, em pesquisa e desenvolvimento, equivaleram a 1,2% do PIB. Contudo, deveríamos ter 500 mil pesquisadores, para atingir a mesma proporção dos países centrais em relação à população, e dobrar os investimentos em P&D para acompanhar o passo dos países centrais e mesmo de países emergentes como a Coréia do Sul.

No ano passado reunimos em Brasília para a 3ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação mais de dois mil pesquisadores, empresários, políticos e dirigentes. Definimos os caminhos para a pesquisa científica e tecnológica e a inovação no país, até o horizonte de 2015, norteada pelo objetivo de formular estratégias e propostas para promover o desenvolvimento sustentável do Brasil.

Esse mesmo objetivo orienta as ações do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um momento de transição na política de ciência e tecnologia no país. Nele, é imperativo superar o velho tempo, em que programas e projetos de pesquisa guardavam distância das empresas privadas e avançar na articulação do novo tempo – a integração de cientistas, pesquisadores e empresários. Este esforço é essencial para a criação de produtos e processos inovadores, de modo que o Sistema Nacional de C,T&I contribua de maneira mais decisiva para aumentar a competitividade das empresas brasileiras e para promover o desenvolvimento econômico e social. Do velho tempo ficaram desequilíbrios, como o fato de as empresas privadas contarem hoje com menos de 10% dos pesquisadores brasileiros. O novo tempo, por seu lado, se constrói com iniciativas e decisões do governo federal, apoiadas pelo Congresso Nacional, em articulação com os governos estaduais e com o setor empresarial.

A primeira delas é a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). Ela tem como objetivo central fazer com que a cultura da inovação entre definitivamente na agenda das empresas. Prioriza setores onde o país perdera competitividade tecnológica, como microeletrônica, software, fármacos e bens de capital, mas também contempla outros: o agronegócio, a biomassa e setores portadores de futuro, a exemplo da biotecnologia e a da nanotecnologia. Dentre os marcos legais da nova política está a Lei de Inovação, que já possibilitou a criação de novos instrumentos para ampliar a cooperação de universidades e institutos tecnológicos com as empresas, e para incentivar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação em empreendimentos privados. Também são destaque os incentivos fiscais, os créditos com juros baixos (até 6% ao ano), capital de risco e subvenção direta para as empresas. Este último possibilitará as empresas privadas contratarem mestres e doutores a um custo mais baixo do que graduados. Do conjunto ainda fazem parte a Lei de Biossegurança, a nova Lei de Informática e a Lei do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Da parte do governo Lula, não falta empenho para que o novo tempo sepulte no passado o velho tempo. Sintonizado com esta estratégia o Ministério da Ciência e Tecnologia elaborou em 2004 um plano de ações contendo quatro eixos básicos: Expansão e Consolidação do Sistema Nacional de C&T; Política Industrial e Tecnológica; Ciência e Tecnologia para Inclusão Social; Objetivos Estratégicos Nacionais, englobando os programs espacial e nuclear, a Amazônia, o Cerrado e o Nordeste.

As agências de fomento do Ministério da Ciência e Tecnologia, CNPq e FINEP, dispõem de modalidades e formatos de financiamento cada vez mais flexíveis e com maior abrangência, todos com recursos financeiros crescentes, para apoiar todo o Sistema Nacional de C,T&I e as empresas de base tecnológica. Isto está mostrado de forma eloqüente nos gráficos das Figuras 1 e 2. Segundo a Figura 1, enquanto a execução financeira pela FINEP do FUNTTEL e do FNDCT, que engloba os outros 15 Fundos Setoriais, foi de R$ 358,4 milhões em 2002, no governo do presidente Lula o valor tem crescido continuamente alcançando alcançaram R$ 828,1 milhões em 2005. E a Figura 2 mostra o aumento do número de bolsas do CNPq nos últimos anos.

A consolidação do Sistema Nacional de C,T&I também avança com a estruturação da Rede E-Conhecimento, através da Rede Nacional de Pesquisa e Ensino (RNP), com a sua nova infra-estrutura de alta velocidade de transmissão de dados (NovaRNP). Ela está interligando mais de 300 instituições de pesquisa e ensino em todos os estados do país, beneficiando um milhão de usuários vinculados a atividades científicas e tecnológicas. A velocidade de transmissão da nova rede chegará a 10 gigabites por segundo, situando as instituições de pesquisa do Brasil no mesmo patamar de conectividade dos países mais desenvolvidos.

É preciso ressaltar, ainda, o papel da NovaRNP na estruturação e coordenação da Rede Clara, que interliga as redes de comunicação para a pesquisa de diversos países latino-americanos, contribuindo assim de forma decisiva para a integração científica e tecnológica continental.

O foco em objetivos nacionais de longo prazo permitiu ao governo Lula retomar os investimentos em programas estratégicos para o país. Após um prolongado período de escassez de recursos, os investimentos no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), coordenado pela Agência Espacial Brasileira (AEB), foram ampliados, chegando ao patamar de R$ 225 milhões em 2005, com foco no desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites (VLS) e em desenvolvimento, montagem e lançamento dos satélites do Programa CBERS – este último em parceria com a China.
O PNAE deverá adquirir grande visibilidade em 2006 com o vôo, em parceria com a Agência Espacial da Rússia, do primeiro astronauta brasileiro que realizará experimentos científicos com microgravidade na Estação Espacial Internacional (ISS).

No âmbito do programa espacial, o Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (INPE) desenvolveu e implantou a nova política de acesso livre a imagens e dados de satélites ambientais e de observação. Entre abril de 2004 e março de 2006, o INPE distribuiu gratuitamente cerca de 200 mil imagens, tornando-se a instituição que mais distribui imagens de satélites do mundo em benefício da pesquisa, do controle ambiental e do empreendimento econômico.

O mesmo processo de retomada se verifica no Programa Nacional de Atividades Nucleares (PNAN), sob coordenação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Seu orçamento foi ampliado de R$ 71 milhões em 2003 para R$ 126 milhões em 2005, tendo como principal projeto a viabilização da fábrica de enriquecimento de urânio em Resende (RJ), para fornecimento de material combustível às usinas nucleares de Angra dos Reis, depois da negociação da autorização da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

A inclusão e o desenvolvimento sociais – dimensões ausentes no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia antes do atual governo – permitiram lançar iniciativas pioneiras de universalização do acesso ao conhecimento e de novas capacidades locais de geração de renda e elevação da qualidade de vida. Sãos destaque os programas de extensão tecnológica, os Centros Vocacionais Tecnológicos e as ações de inclusão digital e de divulgação científica.

As ações de inclusão social também incluem iniciativas de divulgação da ciência e da tecnologia. Desde 2004, o MCT já apoiou 230 projetos nesta área, com investimentos de R$ 25 milhões. Em 2004, foi realizada a 1ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, com amplo êxito já na sua primeira edição.

O sucesso foi ainda maior em 2005, quando ocorreram cerca de 6.700 atividades em 350 cidades, envolvendo em torno de 900 instituições de pesquisa, universidades, secretarias estaduais e municipais, ONGs e empresas privadas. Cerca de 1 milhão de pessoas participou das programações em 2005.

A 1ª Olimpíada Brasileira das Escolas Públicas, realizada em 2005, reuniu 10,5 milhões de estudantes dos cursos fundamental e médio, representando todos os estados.
Participaram 31.038 escolas, em 5.197 municípios, números correspondentes a 57% das escolas e a 93% dos municípios. Trata-se de uma das maiores mobilizações, no mundo, em certame estudantil de testes de conhecimentos.

O esforço é expressivo, mas precisa ser ampliado e continuado para que se consolide um sistema efetivamente nacional de ciência, tecnologia e inovação – condição essencial para o desenvolvimento soberano e sustentável do Brasil.

*Sergio Machado Rezende é Ministro da Ciência e Tecnologia.

EDIÇÃO 84, ABR/MAI, 2006, PÁGINAS 39, 40, 41, 42