Desenvolvimento como causa nacional
A idéia de que o Brasil pode e deve fazer crescer a sua economia a taxas mais ousadas e significativas tornou-se quase um senso comum entre a população brasileira.
Trabalhadores, empresários, comerciantes, intelectuais perguntam-se por que países em condições semelhantes às do Brasil vêm crescendo, alguns há décadas, em taxas próximas a 10% ao ano, enquanto o Brasil mantém níveis claudicantes de crescimento em torno de 2% a 3% ao ano. No ano passado, quando a economia mundial cresceu em média 5%, terminamos mantendo as taxas discretas que vêm se repetindo há quase duas décadas. A situação tornou-se inexplicável quando se sabe que o Brasil foi um dos líderes do crescimento mundial ao longo de quase todo o século XX e que possui, portanto, incorporada no imaginário da sua população e dos seus empreendedores, uma predisposição natural para o crescimento da economia.
Importantes instituições internacionais, especializadas em projeções de crescimento econômico, colocam-nos entre as principais economias do mundo em futuro não muito remoto, ao lado de Estados Unidos, China, Índia, entre outros países.
Temos uma população trabalhadora cheia de iniciativa e um empresariado reconhecido pela ousadia, flexibilidade e capacidade de adaptação. Apesar das desigualdades sociais que mancham nossa vocação de civilização generosa e dos desequilíbrios regionais e econômicos, dispomos de sólidos elementos de coesão nacional, que nos autorizam a descortinar um futuro de otimismo e perseverança.
Ao longo de quase 17 mil quilômetros de fronteira e de quase 8 mil quilômetros de litoral, desconhecemos o constrangimento das disputas territoriais e vivemos em paz com os nossos vizinhos.
Não se pode usar como pretexto o argumento de que a memória da inflação nos impede de ousar e de buscar taxas de crescimento compatíveis com os desafios e, mais do que isso, com as potencialidades da economia brasileira.
A própria inflação, que, segundo o libertador Simon Bolívar, era capaz de fazer com que o povo desprezasse os libertadores e apoiasse a solução dos tiranos – e foi essa a experiência que ele conheceu na América espanhola, ao promover o primeiro ciclo de libertação – corroeu as bases de sustentação do processo de libertação em curso e levou a população da América espanhola a voltar seus olhos e suas súplicas para o retorno dos generais espanhóis, que mantinham o processo colonial.
Esse processo inflacionário foi debelado no Brasil há muito tempo. É verdade, o Brasil vive ainda um processo de consolidação de sua experiência democrática, mas não as turbulências políticas nem os regimes de quase guerra civil de alguns países que, mesmo diante dessa situação interna de quase comoção, têm mantido taxas de crescimento maiores do que a nossa e também taxas de juros menores do que a nossa.
Aparentemente, o país, em largos setores – sobretudo nos que dirigem ou têm dirigido a política econômica nos últimos anos –, passou a ter medo ou receio de crescer. Pouco a pouco foi sendo apagada, no imaginário da população brasileira, do povo, dos trabalhadores, dos desempregados, dos empresários e de uma parte da intelectualidade, a idéia de que crescer, desenvolver o país, é uma pré-condição para a elevação do padrão de vida material e espiritual do povo e para a própria consolidação da democracia e o fortalecimento das bases da soberania jurídica, econômica e política do Brasil.
Que processo democrático há no país se a democracia, se a experiência democrática não responde às demandas, às expectativas, às angústias e aos dilemas da imensa maioria da nossa população? A democracia se é abstrata como conceito, é concreta como realização das necessidades da comunidade nacional. Não há democracia verdadeira, digna de nome, se não ultrapassa a formalidade da escolha dos seus dirigentes – do presidente da República, do vice-presidente, dos governadores, dos deputados federais, dos senadores e demais representantes do povo. A democracia se realiza quando ultrapassa, aperfeiçoando naturalmente, a formalidade, mas realizando o anseio e a esperança do povo por uma vida melhor, melhorando a qualidade da educação, da saúde, do transporte, da segurança individual e coletiva e do bem-estar geral da população.
No entanto, recentemente tem ocorrido a tentativa de cavar um abismo entre a economia e a política. A economia seria dirigida por uma espécie de pensamento único, prisioneiro de uma racionalidade que desconhece a política e o drama social das comunidades nacionais. A economia seria realizada pelas previsões e pelo planejamento das equações matemáticas e dos cálculos financeiros adotados por quem dirige, muitas vezes, distante do sofrimento e das reais necessidades da população.
A experiência e a história, no entanto, ensinam-nos que nunca, em nenhum momento, as opções econômicas estiveram separadas das opções políticas. Se examinarmos as principais batalhas, as principais rupturas e as principais transições da história da humanidade, e da própria história do Brasil, perceberemos ser quase impossível separar a fronteira quase invisível e indivisível entre o que foi a batalha econômica e o que foi a batalha política. Perguntamos: a luta pela consolidação da base física, da base geográfica do território brasileiro, que levou pernambucanos e nordestinos ao esforço da expulsão do invasor holandês, foi uma batalha econômica ou política? Foi uma batalha das potências coloniais pela divisão do mercado açucareiro – pretensão da Holanda – ou simplesmente a vontade e o desejo de pernambucanos, índios e negros que habitavam aquela parte do nosso território de se verem livres da predominância e do domínio holandês?
Podemos perguntar, ainda: a luta pela Independência do Brasil, as jornadas conduzidas pelos homens de Minas Gerais, por Tiradentes, pelo povo da Bahia na Revolta dos Alfaiates, ou mesmo o desfecho dessa luta, conduzida pelo grande José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da nossa Independência, situaram-se no terreno da política? Ou não foi também uma batalha econômica entre brasileiros que já não suportavam o processo de transferência de riqueza produzida naquilo que viria a ser o solo nacional para a Europa, principalmente para Portugal, que naturalmente desejavam manter, pelo status de Colônia, a transferência do sangue, do suor e das lágrimas derramadas com a geração de riquezas em solo nacional?
Poderíamos perguntar ainda: foi uma batalha política ou econômica a luta pelo fim da escravidão no Brasil e pela proclamação da República? A Abolição foi simplesmente um gesto motivado pela rejeição moral ao sistema escravagista? Ou também não foi uma luta pela repartição da riqueza, de forma mais equilibrada, entre brasileiros que aqui viviam? E a luta pela República, não foi o sentimento de uma camada empresarial emergente no Brasil e das camadas médias urbanas que não suportavam mais o modelo mantido pela grande propriedade e pela opção agrícola de 60 anos de Monarquia?
O que foi a Revolução de 1930 senão a retomada das mesmas razões republicanas de um processo de industrialização para mudar o curso não apenas da construção econômica, mas também da construção social e política da sociedade brasileira?
Portanto, discutir as opções para o desenvolvimento no Brasil é discutir a nossa história, a retomada e a recorrência da batalha em torno do aprofundamento da democracia, da elevação do bem-estar material e espiritual do povo brasileiro e do fortalecimento do nosso país. Não é um debate que possa ser adotado simplesmente por um partido, por uma facção, por quem estiver no governo ou na oposição. É um debate que interessa a todos os brasileiros; é um debate de todos os partidos, de todas as correntes políticas e ideológicas; é um debate do governo, da oposição, dos trabalhadores, dos empresários, dos intelectuais, da Igreja, do soldado, do jovem, da mulher. A nenhum brasileiro é dado o direito ou a opção de permanecer indiferente diante dos impasses que limitam o pleno desenvolvimento das potencialidades econômicas do nosso país.
Estas são as razões para a realização deste seminário sobre desenvolvimento da Câmara dos Deputados. Não partimos do julgamento de políticas econômicas de governos passados nem do governo presente.
Queremos que o desenvolvimento da economia seja uma causa nacional, uma causa de todos os brasileiros, como foi a causa da construção do nosso país, da democratização e da Independência do Brasil, da luta pela República e pela Abolição da escravatura. Pelo nosso entendimento, em todos os partidos, em todas as correntes, há contribuições fundamentais e insubstituíveis para o exame das causas, dos impasses e dos obstáculos ao pleno desenvolvimento. A experiência não deve ser examinada apenas à luz dos largos momentos da história em que o país conseguiu se desenvolver.
Devemos também examinar as razões do êxito de grandes países cujas condições são muito semelhantes às nossas: Índia, China, Rússia, entre outros, que não desfrutam ainda do pleno desenvolvimento, mas têm conseguido encontrar caminhos e conquistam o desenvolvimento a passos muito mais rápidos do que temos alcançado por aqui.
A Câmara dos Deputados cumpre o seu dever de ser não apenas a voz, os olhos e os ouvidos da população brasileira. A Câmara dos Deputados deve ser também um centro de debates, deve trazer para o seu interior, como representação de todo o povo e de toda a sociedade brasileira, a discussão em torno desse desafio.
*Aldo Rebelo é deputado federal pelo PCdoB-SP e presidente da Câmara dos Deputados
EDIÇÃO 84, ABR/MAI, 2006, PÁGINAS 14, 15, 16