O Fundo Monetário Internacional (FMI), no relatório World Economic Outlook (IMF, April 2006), projeta uma taxa de crescimento de 4,9% para a economia global em 2006. Se confirmada ela consolidaria quatro anos consecutivos de taxas positivas superiores a 4%. Fenômeno semelhante ocorreu apenas entre 1971 e 1973. A expansão do volume das transações mundiais de bens e serviços também deve persistir em ritmo acentuado em 2006 (8%), maior do que os 7,2% verificados em 2005. Esse cenário favorável é corroborado neste ano pelas estimativas da OECD (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). As taxas de crescimento dos Estados Unidos seriam de 3,6% em 2006 com uma leve desaceleração para 3,1% em 2007; no Japão, a economia cresceria 2,8% e 2,2% no mesmo período; na área do euro, 2,2% para 2,1%.

Nesse contexto, o conjunto dos países desenvolvidos pode se expandir em torno de 3% e os países em desenvolvimento de 6,9%. O ritmo de crescimento global tende a continuar beneficiando os países emergentes, como o Brasil, e suas exportações de commodities minerais, agrícolas e petróleo. A China deverá crescer 9,5% em 2006, impulsionando a expansão asiática. O dinamismo chinês persiste alimentado pelo forte ritmo de expansão dos investimentos e das exportações. Para a Índia, as projeções também indicam expressiva variação do PIB real da ordem de 7,3% em 2006, em função da aceleração da produção industrial e da contínua expansão dos serviços, em particular da área de tecnologia de informação. Os demais países asiáticos em desenvolvimento também deverão apresentar uma expansão acelerada em virtude do reaquecimento do setor de tecnologia de informação.

Essa onda global de crescimento acelerado não é acompanhada, pelo menos por enquanto, de pressões inflacionárias. Em 2006, a variação do índice de preços ao consumidor deve alcançar 2,3% nos países desenvolvidos e 5,4% nos países em desenvolvimento. A crescente integração das economias emergentes e em desenvolvimento no comércio mundial de bens e serviços dificultou a elevação dos preços pelas corporações em vários segmentos industriais, dado o excesso de capacidade produtiva em escala global. Simultaneamente, pressionam-se para baixo os salários nos mercados domésticos tanto nos países industrializados como nos países em desenvolvimento. A globalização produtiva contribui também para a elevação da produtividade – um reflexo das pressões por inovação e outras formas de concorrência nos setores industriais de alta tecnologia e nos de serviços – favorecendo a queda das taxas de inflação (Hiratuka & Sarti, 2006).

Enfim, a acirrada competição entre os produtores configurou tendências deflacionárias dos preços dos produtos manufaturados. Contraditoriamente, a elevada demanda chinesa e as taxas de juros, ainda baixas, favoreceram a formação de posições especulativas altistas nos mercados decommodities. Isso configura um cenário em que as taxas de juros de curto e de longo prazo nos principais mercados globais podem ser mantidas em patamares relativamente baixos, mesmo se os bancos centrais das principais áreas monetárias – dólar, euro e iene – considerarem alguma elevação das taxas básicas, assim preservando um relativo dinamismo da economia mundial e nos fluxos de capitais para os mercados emergentes. Essas condições favoráveis do mercado financeiro internacional se expressam nos baixos prêmios de risco reduzidos (corporações e soberanos).

A dinâmica econômica e financeira

A dinâmica da economia internacional se apóia em um conjunto de circuitos interligados pela economia americana e chinesa. O primeiro deles provém da articulação entre a economia americana e a chinesa, por meio da entrada de investimento estrangeiro direto americano no território chinês e exportações de produtos manufaturados para os EUA (Belluzzo, 2005/2006). O acentuado movimento de outsourcing e/ou de migração de corporações americanas para a China resultou na formação de superávits comerciais crescentes com os EUA, que saltaram de US$ 33,8 bilhões em 1995 para US$ 201,7 bilhões em 2005.

O segundo circuito se consolida na integração intra-asiática promovida pela expansão da economia chinesa. Mediante um processo de investimento estrangeiro direto complementar que distribui a produção entre os diferentes países asiáticos, a indústria chinesa demanda peças e componentes de seus países vizinhos, transforma-os e os reexporta, sobretudo para os EUA (Medeiros, 2006). Capital e tecnologia fluem na forma de investimento estrangeiro direto e/ou na importação de equipamentos modernos. Somente quatro economias da região – Hong Kong, Japão, Coréia e Taiwan – respondem por cerca de 60% do investimento estrangeiro direto absorvido pela China (Accioly, 2005).

Assim, a China aprofunda a integração das economias asiáticas e se consolida como uma correia de transmissão regional dos impulsos de crescimento vindos do sistema de crédito e consumo dos Estados Unidos. Efetua ainda um esforço crescente de institucionalização da cooperação econômica, tanto no comércio como nas finanças. Pode-se enumerar os acordos de swap da Iniciativa de Chiang Mai, os Asian Bond Market Initiatives – uma série de medidas voltadas ao aprimoramento dos mercados de capitais da região, com o intuito de viabilizar a fixação das poupanças na região – a idéia de criação de um Fundo Monetário Asiático (inicialmente esboçada pelos japoneses em 1997, e retomada pelo Banco Asiático de Desenvolvimento, em 2005), além de diversos acordos de livre-comércio regional (Cunha & Biancareli, 2005). Há, portanto, uma solidariedade crescente no sistema.

Por exemplo, na manutenção de taxas de câmbio relativamente estáveis entre si e com o dólar.
Os países do segundo circuito, integrados pelo comércio de manufaturados e investimento estrangeiro direto, ficam menos vulneráveis aos ciclos financeiros e de comércio em função da pauta de exportações e da composição dos fluxos de capitais. As exportações, com maior conteúdo tecnológico, dirigidas a mercados de maior elasticidade de renda da demanda e sujeitas a forte concorrência em preços, e os fluxos de investimento estrangeiro direto tendem a apresentar maior estabilidade.

As experiências dos países asiáticos (China, Coréia, Hong Kong, Tailândia, Índia) aparentemente indicam que a obtenção de saldos comerciais expressivos e a acumulação de reservas têm propiciado o avanço tecnológico das economias, bem como a adoção de políticas monetárias mais lassas, que favorecem a expansão do crédito doméstico, da produção e do emprego. A acumulação de reservas – mediante saldos comerciais elevados e não-contratação de novas dívidas – atende a demanda por liquidez em moeda forte e assegura a estabilidade da taxa de câmbio. As reservas dos países em desenvolvimento saltaram de US$ 700,6 bilhões em 1998 para US$ 2,4 trilhões em 2005.

Em dezembro de 2005, a China acumulava reservas de US$ 824 bilhões e o conjunto dos países asiáticos, US$ 1,16 trilhão. O terceiro circuito se forma nas relações entre o segmento asiático e os países periféricos produtores de commodities, agrícolas, minerais, petróleo e gás. Dessa forma, envolve os países latino-americanos fornecedores de alimentos e matérias-primas e os exportadores de petróleo (Oriente Médio, África e Comunidade dos Estados Independentes). Esses países ficam mais sujeitos aos ciclos comerciais e financeiros. A pauta de exportações, concentrada em commodities, bens de menor elasticidade renda da demanda, com preços determinados pela dinâmica da economia mundial e relativa rigidez da oferta, condiciona o desempenho do comércio exterior, que tende a apresentar um perfil cíclico mais acentuado. Ademais, a maioria desses países possui piores classificações de risco de crédito ficando sujeitos a fluxos de capitais mais voláteis.

De todo modo, o ambiente de elevado crescimento econômico com baixas taxas de inflação e de juros possibilitou a consolidação de superávit em conta corrente das economias em desenvolvimento, US$ 511,2 bilhões em 2006. Entre os países asiáticos e os exportadores de petróleo, esses superávits nunca foram tão elevados, dado o aumento do nível desejado de reservas monetárias como instrumento de precaução contra a instabilidade do sistema financeiro global. Os países em transição no Leste europeu apresentam acentuados patamares de déficit em conta corrente, associado com o dinamismo proveniente do processo de integração à União Européia.

Como salienta Carneiro (2005/2006), a interpenetração desses circuitos dinâmicos não exclui a importância das demais articulações na economia internacional, sobretudo daquelas de maior peso absoluto, como as relações comerciais e de investimento estrangeiro direto entre os EUA, a área do euro e o Japão. Não exclui também o fato de esses mercados serem os maiores demandantes de commodities, agrícolas, minerais, petróleo. Todavia, esses mercados apresentam taxas de crescimento inferiores à do circuito asiático, sob a liderança da China.

Desenvolvimento

Além disso, deve-se considerar que as políticas monetária e fiscal das três principais áreas econômicas – EUA, Eurolândia e Japão – funcionaram de forma anticíclica, entre 2001 e 2004. As autoridades monetárias reduziram as taxas de juros e garantiram a demanda dos agentes econômicos por papéis mais líquidos e seguros. Simultaneamente, os tesouros nacionais ampliaram seus gastos, que passaram a apresentar déficits fiscais elevados (no Japão o movimento foi anterior em função da sua tentativa de contar a estagnação e a deflação). Essas políticas monetárias e fiscais lassas nos países centrais, combinadas com as políticas de acumulação de reservas e contenção do processo de valorização cambial nas economias asiáticas, fomentaram a expansão da liquidez internacional e impulsionaram um novo ciclo de inflação de ativos dos países emergentes: ações, commodities, bônus corporativos e soberanos, imóveis, moedas e ações. Um dos combustíveis desse ciclo de ativos foram as operações de carry trade, isto é, a captação de recursos em uma determinada moeda (dólar, iene, franco suíço) com taxas de juros baixas para aplicá-los em ativos de outros mercados (commodities, moedas, ações e títulos de dívida pública e privada dos mercados emergentes, Nova Zelândia, Austrália etc) com rendimentos mais elevados.

Nesse período, os fluxos líquidos totais de capitais privados destinados aos países em desenvolvimento cresceram de US$ 97,3 bilhões em 2002 para US$ 254 bilhões em 2005, sob a liderança do investimento estrangeiro direto. As estimativas do FMI (2006b: p. 7) indicam uma redução na magnitude dos fluxos líquidos, mas mantêm a tendência de crescimento dos investimentos diretos.

Os fluxos líquidos totais de capital privado devem declinar para US$ 178,8 bilhões em 2006 (US$ 153,8 bilhões em 2007). Pelas previsões, a Europa Central e do Leste deverão conservar a posição de principal região receptora dos fluxos de capital, conquistada em 2005, quando essas economias superaram os países da Ásia em desenvolvimento como destino preferencial dos capitais privados.

Essa engrenagem de ampla liquidez financeira internacional e portfólios altamente alavancados reduziu as taxas de juros de longo prazo, alimentando o boom imobiliário e o consumo local em inúmeros países, favorecendo a recuperação da economia mundial com baixa inflação de bens e serviços e a generalização da “inflação de ativos”. O uso de diferentes instrumentos de transferência de risco de crédito, como os derivativos de crédito, permitiu o deslocamento dos riscos das carteiras dos bancos para os investidores institucionais.

A partir de junho de 2004, o Federal Reserve começou a elevar de forma gradual e progressiva as federal funds rate, de 1% para 5% em maio de 2006. O Banco Central Europeu passou a aumentar sua taxa de juros básica de 2% ao ano em dezembro de 2005 para 2,5% ao ano em março de 2006. Nesse mesmo mês, o Banco do Japão sinalizou também com a elevação de seus juros básicos (mantidos próximo de zero desde 1997). Esse movimento dos juros básicos pode reduzir as vantagens extraordinárias dos empréstimos para operações de carry trade em mercados de alto rendimento. Esse contexto associado com a incerteza sobre o futuro da taxa de juros básica dos Estados Unidos – pois o novo presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, emitiu sinais contraditórios – explicitaram o seu potencial disruptivo ao longo de maio de 2006, quando houve uma onda de venda dos ativos de maior risco (ações, títulos e moedas) dos países emergentes. Se de fato foi aumentado o risco de que as taxas de juros sofram elevações maiores do que as esperadas pelo mercado não estão no horizonte processos abruptos de aumento de juros. O elevado estoque de ativos financeiros e a dinâmica altamente alavancada dos mercados financeiros impõem aos principais bancos centrais um manejo cuidadoso da política monetária. Pela sinalização de Greenspan (2005), ex-presidente do Federal Reserve, não haveria espaço para movimentos bruscos nas taxas de juros. Os estoques de ativos dos investidores institucionais fornecem uma dimensão do grande volume de recursos financeiros em busca de valorização nos mercados financeiros internacionais. De acordo com uma estimativa do FMI (2006b: p.67), os ativos dos investidores institucionais – companhias de seguro, fundos de pensão, fundos de investimento, hedge funds etc – dos países da OCDE alcançaram US$ 46,8 trilhões em dezembro de 2003, o equivalente a 157,2% do PIB.

Persiste também a resistência da demanda por ativos em dólar, a despeito dos crescentes déficits em conta corrente dos EUA – 5,7% do PIB em 2004, 6,4% do PIB em 2005. Déficits financiados pelo forte afluxo de capital externo. Diante das potencialidades dos mercados financeiros americanos, em termos de liquidez, profundidade, sofisticação, introdução de inovações e custos de emissão, o sistema financeiro dos EUA atua como o mercado de crédito e de capitais global em dólar. Assim, o sistema financeiro americano opera como um “banco múltiplo”, atraindo, ampliando e redistribuindo capitais pelo mundo (Braga & Cintra, 2004). Em 2005, por exemplo, a entrada de capitais (de curto e de longo prazo) da ordem de US$ 1,3 trilhão foi capaz de financiar o déficit em conta corrente de US$ 804,9 bilhões e a saída de capitais americanos da ordem de US$ 491,7 bilhões.

Os elevados e persistentes déficits em conta corrente, no entanto, alteraram a posição líquida de investimento internacional dos EUA que passaram de credor até 1988, para devedor. A diferença entre os estoques de ativos estrangeiros detidos por americanos e os estoques de ativos americanos detidos por investidores estrangeiros tornou-se crescentemente deficitária: de US$ 47 bilhões (ou 0,9% do PIB em 1989) para US$ 2,5 trilhões (ou 20,4% do PIB em 2005). De um lado, os investimentos americanos no exterior somaram US$ 9,9 trilhões (79,9% do PIB): US$ 3,2 trilhões em investimento direto; US$ 3,4 trilhões em ações e títulos de dívida; e US$ 2,1 trilhões em operações dos bancos americanos. De outro, os investimentos estrangeiros nos EUA alcançaram US$ 12,5 trilhões (100,2% do PIB): US$ 2,7 trilhões em investimento direto; US$ 3,9 trilhões em ações e bônus corporativos; US$ 2,3 trilhões em captação dos bancos americanos mediante suas filiais no exterior; US$ 1,9 trilhão em ativos de bancos centrais estrangeiros; e US$ 639,7 bilhões em títulos da dívida pública americana. Isso transforma a economia e o sistema financeiro americano em centro principal de valorização e desvalorização de grande parte da riqueza financeira mundial.

As economias superavitárias (asiáticas e, mais recentemente, do Oriente Médio, em função da alta dos preços do petróleo) praticam intervenções pesadas e recorrentes nos mercados de câmbio, visando a prevenir a apreciação de suas respectivas moedas. As firmes aquisições de reservas oficiais por esses países se traduzem em um fluxo de demanda por títulos do Tesouro americano, ações e bônus das corporações, operando a liquidez de volta para os EUA, cujo sistema financeiro recicla e contribui para manter em baixos patamares os rendimentos dos títulos de longo prazo (D’Arista, 2006).

Realimenta-se, assim, o ciclo interdependente de farta liquidez com juros baixos e renitente inflação de ativos. Este mecanismo de reciclagem explica por que os juros de longo prazo (T-bonds de dez anos, corporate bonds, junk bonds e o risco dos mercados emergentes persistem relativamente baixos) praticamente não subiram, enquanto a federal funds rate se elevou progressivamente.

Essa parece ser a grande vantagem para os EUA do padrão “dólar flexível”: “a eliminação pura e simples da sua restrição externa. Agora, os EUA podem incorrer em déficits em conta corrente, permanentes e crescentes, sem se preocupar com o fato de seu passivo externo líquido estar aumentando, uma vez que este passivo ‘externo’ é composto de obrigações denominadas na própria moeda e não conversíveis em mais nada” (Serrano, 2002: 10). O sistema financeiro americano desregulado e liberalizado, sem limite à capacidade de endividamento da economia americana, fornece a liquidez do sistema monetário internacional (Metri, 2003).

Considerações finais

Esse cenário benigno, no entanto, não significa ausência de riscos no sistema econômico mundial. Entre os principais riscos contra essas expectativas otimistas persistem a trajetória de alta das taxas de juros de longo prazo e a renitente elevação do preço do petróleo. O preço do petróleo tem alcançado recordes sucessivos nos principais mercados, ultrapassando os US$ 70/barril, dado o impasse geopolítico desencadeado pelo programa nuclear iraniano. Nessa conjuntura, grandes investidores internacionais (fundos de investimento, fundos de pensão) promovem fortes movimentos de compra, jogando os preços para cima. Além disso, há problemas na estrutura de oferta do produto refinado.

As inovações financeiras, por sua vez, tornaram os mercados muito mais dinâmicos, mas simultaneamente muito mais complexos e opacos. Os riscos financeiros microeconômicos podem ser transferidos para outros agentes mediante o uso de instrumentos derivativos, mas, do ponto de vista macroeconômico, não se pode apreender o volume e as condições de vulnerabilidade das instituições e dos investidores (Farhi, 2001). Além disso, o desempenho do sistema econômico fica condicionado pela dinâmica dos sistemas financeiros nacionais e no internacional no chamado finance led (Coutinho & Belluzzo, 1996 e Aglietta, 2004). Nos períodos de expansão, reduz-se a aversão ao risco, que se manifesta na queda da percepção do risco de crédito, na melhora dos critérios derating, na redução das provisões para devedores duvidosos. A acirrada concorrência entre as instituições bancárias desencadeia a expansão do crédito, que alimenta a inflação dos preços dos ativos. Esse, por sua vez, dá suporte à multiplicação do crédito bancário.

Nesse contexto, os consumidores – confiantes na valorização de seus ativos financeiros e imóveis – mediante um “efeito riqueza” elevam seus gastos, expandindo o grau de endividamento e contribuindo para a aceleração da demanda, mesmo sem a liquidação das posições e, portanto, na ausência da realização dos lucros presumidos. Além disso, a valorização dos ativos leva os investidores a fornecerem capital de risco para financiar novas empresas e/ou setores, bem como a expansão dos existentes. As decisões de investimento produtivo reagem a esses estímulos e se aceleram, corroborando as expectativas de lucros crescentes que realimentam o ciclo de euforia. O ciclo de ativos financeiros resulta, então, em um ciclo produtivo, com aceleração da taxa de crescimento da economia.

Todavia, nos períodos de deterioração das expectativas de parte importante dos agentes pode-se ocasionar uma queda abrupta no valor dos ativos, estourando as “bolhas especulativas”. As conseqüências macroeconômicas da desvalorização da riqueza financeira dependem do peso desses ativos no patrimônio dos agentes e, em escala internacional, da importância das economias atingidas. Quedas de grande magnitude nos preços das ações e de outros ativos financeiros podem resultar em um “efeito pobreza”. Quando grande parte dos ganhos financeiros presumidos se evapora, a sensação de perda (e, portanto, de empobrecimento) provoca reduções nos níveis de consumo e de investimentos dos agentes, com impactos macroeconômicos inversos ao “efeito riqueza”, arrastando a economia para uma recessão.

Atualmente, diante da perspectiva de aumento dos juros, os investidores internacionais mais agressivos (hedge funds) podem desmontar operações de arbitragem de juros (carry trade), desencadeando turbulências financeiras. A redução das posições e a volatilidade dos preços dos ativos em diversos mercados financeiros globais, a partir de março de 2006, pode ser apreendida como parte de um movimento de ajuste a um novo cenário de liquidez internacional e realinhamento cambial entre as principais economias. Se, no entanto, as taxas de juros de longo prazo apresentarem trajetória consistente de alta, o movimento de desinflação dos preços dos ativos pode se acentuar. Os bônus japoneses de dez anos, por exemplo, subiram de 1,5% ao ano para perto de 2% ao ano, sinalizando que o próprio mercado espera uma elevação dos juros básicos, mas sem movimentos muito abruptos e exacerbados.

Provavelmente, a desmontagem das engrenagens financeiras ocorrerá por etapas sucessivas. Os países emergentes que combinaram apreciação cambial com déficits em conta corrente (Turquia, Hungria, África do Sul), bem como os países com elevados déficits em conta corrente e alta alavancagem doméstica, sobretudo no setor imobiliário (como Islândia, Austrália, Nova Zelândia) sofreram pressões cambiais e turbulências financeiras logo após o anúncio pelo Banco do Japão de que sua política de relaxamento quantitativo havia chegado ao fim e sua taxa de juros básica voltaria a subir. Nesses países a exuberância dos preços dos ativos (especialmente dos imóveis) inflou a percepção de enriquecimento, com conseqüente estímulo ao consumo (induzindo a uma significativa expansão de déficits externos). Outro movimento foi desencadeado pela redução da alavancagem durante o mês de maio, afetando os mercados de maior risco, diante da inquietação com os indícios de alta nos índices de preços de bens e serviços nos EUA. Isso consolidou a percepção de uma convergência das taxas de juros das economias centrais (Canuto, 2006). Nesse momento, as commodities excessivamente valorizadas (cobre, zinco etc) foram bastante atingidas, arrastando as ações das empresas, bem como os títulos e as moedas, dos países exportadores desses produtos. Em seguida, o realinhamento nos preços dos ativos alcançou as Bolsas de Valores dos principais mercados globais.

Alguns autores temem o prolongamento dos grandes desequilíbrios internacionais com suas repercussões no mercado de dólar (Roubini & Setser, 2004; Coutinho, 2006). Para eles, o elevado e crescente déficit externo dos EUA (em torno de 7% do PIB) não seria sustentável. Em algum momento no futuro, haverá uma deterioração na qualidade do financiamento externo americano – queda na duração dos fluxos privados e maior dependência dos bancos centrais asiáticos e dos países exportadores de petróleo. Alguns bancos centrais poderiam reduzir suas intervenções (por razões domésticas) ou iniciar reajustes de suas carteiras de títulos em direção a outras moedas (euro ou iene), o que provocaria corridas descoordenadas. A função de reserva de valor do dólar poderia ser colocada em risco.

Para os bancos centrais asiáticos e exportadores de petróleo, grandes detentores de reservas em dólar, seria pouco racional promover mudanças violentas em suas posições, pois lhes provocariam grandes perdas. Além disso, a sustentação de taxas de câmbio competitivas com forte ritmo de crescimento econômico revela-se um objetivo estratégico (especialmente para a China), apesar das enormes reservas em dólar. Há, portanto, uma ampliação crescente da interpenetração patrimonial entre as economias devedoras e credoras e por meio dos circuitos sucessivos de renda e de ativos a manutenção das taxas de crescimento da economia, da liquidez global e da perpetuação dos desequilíbrios. Nesse contexto, as políticas monetárias e os arranjos cambiais conseguiram promover a “fuga para frente” (Silva, 2004/2005). Todavia, não conseguiram articular a reorganização dos mercados. Os bancos centrais, ao reduzirem as taxas de juros e ampliarem a oferta de crédito, abortam as crises financeiras. Mas atuando como emprestadores de última instância, criam as condições para a retomada do movimento ascendente da riqueza financeira em estruturas cada vez mais amplas e complexas. No auge dos ciclos expansivos eles sobem as taxas de juros para conter a alavancagem e a “exuberância irracional" e os ciclos se perpetuam. Essa é a dinâmica predominante de funcionamento do sistema financeiro e econômico global, sem reorganizá-lo na direção de um novo ciclo virtuoso de expansão do produto e do emprego, com menor patamar de especulação financeira, como nos “anos dourados” (1947-1973). Nesse contexto, não parece haver solução possível para além da configuração de políticas macroeconômicas coordenadas entre os principais países. Isso significa que para se tentar reduzir os desequilíbrios globais e depreciar ordenadamente o dólar haveria de se promover uma orquestração global de medidas, como: queda no déficit fiscal, contenção do crédito e do consumo americano, apreciação cambial das moedas asiáticas, expansão doméstica na área do euro e no Japão. Cenário que não se avizinha no horizonte.

Neste momento, assiste-se a uma tentativa desesperada do novo presidente do banco central americano de promover uma desaceleração da economia americana e, por conseguinte, mundial, bem como uma redução do grau de alavancagem dos agentes econômicos, desinflando lentamente as bolhas de ativos financeiros. Os bancos centrais da Europa e do Japão, provavelmente, seguirão essa trilha, desacelerando suas economias, sem equacionar os desequilíbrios globais.

Marcos Antonio Macedo Cintra é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas.

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