José Leite Lopes (28/10/1918 – 12/06/2006)
O Brasil perdeu o cientista José Leite Lopes, pernambucano, um de seus filhos mais ilustres. Leite Lopes se notabilizou por suas contribuições à física, por sua ação na formação das novas gerações, e por sua ação política, especialmente em temas relacionados à ciência, tecnologia e desenvolvimento nacional.
Leite Lopes nasceu no Recife, graduou-se em Química, em Física, e fez seu doutoramento em Física na Universidade de Princeton, sob a orientação do renomado físico e Prêmio Nobel Wolfgang Pauli. Leite Lopes trabalhou na Faculdade Nacional de Filosofia, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, do qual foi um dos fundadores, no California Institute of Technology, e nas universidades de Princeton, Orsay, Carnegie-Mellon, e Estrasburgo. Sua maior contribuição científica ocorreu em 1958, em trabalhos que abriram caminho para a unificação das forças eletromagnéticas e fracas (forças especialmente relevantes no interior dos núcleos atômicos).
Esta unificação, hoje denominada de força eletrofraca carreou o Prêmio Nobel de Física de 1979 para os físicos S. Weinberg, A. Salam e S. L. Glashow. A contribuição de Leite Lopes está bem creditada no discurso de Steven Weinberg na recepção desse prêmio. Leite Lopes redigiu livros que se tornaram referência internacional, como Fondements de la Physique Atomique, publicado em 1967, Lectures on Symmetries, em 1969, e Gauge Field Theories, em 1981. Leite Lopes acumulou um número significativo de premiações científicas, entre as quais a Ordem Nacional do Mérito Científico, condecoração brasileira, e a Ordre National du Mérite, atribuída pela França.
Leite Lopes integrou a primeira geração de físicos formada no Brasil sob a influência dos físicos Gleb Wataghin e Bernard Gross, que vieram para o Brasil na década de 1930 – o primeiro para a criação da Universidade de São Paulo. Nesta geração incluem-se Mário Schenberg, César Lattes, Jayme Tiomno, e Marcelo Damy, dentre outros. Para essa geração, a excelência na ciência precisava ser combinada com a ação política capaz de criar as condições para a institucionalização da pesquisa em física no Brasil. Foi uma geração de vitoriosos, mas com enormes custos pessoais. Leite Lopes foi um dos criadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, criado à margem da universidade porque a então Universidade do Brasil era manifestamente hostil à valorização da dedicação integral à pesquisa. O CBPF, como mostrado pela historiadora Ana Maria Ribeiro de Andrade em seu livro Físicos, mésons e política, foi fruto da tradução e convergência de interesses de cientistas, militares, políticos e empresários nacionalistas. Os resultados de Segunda Guerra tinham mostrado de modo inequívoco que não podia haver desenvolvimento e independência sem desenvolvimento científico e tecnológico. A consciência nacionalista levou Leite Lopes a uma aproximação com os desenvolvimentistas e a uma militância no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), tendo integrado o Conselho de Curadores dessa entidade. Fruto dessas atividades é o livro Ciência e libertação, de 1969, convertido em leitura obrigatória para os interessados nos rumos do desenvolvimento científico brasileiro. Leite Lopes foi também um dos criadores do Centro Latino-Americano de Física, diretor do CNPq, e Secretário Científico da 1ª Conferência Internacional de Energia Atômica, promovida pela ONU em 1955.
O regime militar instalado em abril de 1964 concretizou, na década de 1970, muitas das medidas de apoio à ciência e tecnologia que vinham sendo propugnadas por Leite Lopes e sua geração. Para tragédia da história do Brasil, esse mesmo regime prejudicou profundamente a ciência brasileira perseguindo muitos de seus mais brilhantes líderes científicos. Dentre os físicos, foram cassados, ou discriminados por variadas medidas, Mário Schenberg, Jayme Tiomno, Elisa Frota-Pessoa e Roberto Salmeron, além de Leite Lopes, dentre outros. Leite Lopes foi preso em 4 de agosto de 1964, quando se preparava para deixar o país para estada em Orsay, na França. No dia seguinte, o agente do DOPS que efetuou a prisão declarou ao jornal Última Hora: “Não poderia deixar o professor Leite Lopes sair do Brasil enquanto ele não prestasse depoimento sobre suas atividades no ISEB”. Leite Lopes não militava em partidos políticos, foi a militância nacional-desenvolvimentista que o transformou em inimigo dos militares que chegaram ao poder com o golpe de abril. Após 1969, aposentado compulsoriamente, Leite Lopes parte para um longo exílio, inicialmente nos Estados Unidos e em seguida na França, onde foi acolhido como professor por proposta do pesquisador francês Michel Paty, seu amigo. O longo exílio não arrefeceu nem a atividade científica nem a consciência política de Leite Lopes e no exterior publicou Science and Latin-American dilemma: liberation or dependence.
A anistia política, em 1979, trouxe Leite Lopes de volta ao país, e o fim do regime militar, em 1985, levou-o à direção do CBPF, por convite do ministro Renato Archer. Aos poucos, Leite Lopes foi se transformando em uma lenda viva, com suas palestras bem-humoradas e críticas atraindo multidões, uma fonte de inspiração para cientistas e estudantes brasileiros tanto por suas contribuições científicas quanto por sua ação político-acadêmica.
No documentário Michel Paty e o Brasil, realizado por Vitor Freire, Leite Lopes declarou, em dezembro de 2003: “no trem que eu olhava para Estrasburgo, eu dizia, aqui vai ser o meu cemitério, porque eu não acreditava que a junta cedesse até o fim do século”. A resistência do povo brasileiro foi maior, felizmente, que os temores de Leite Lopes. E hoje ele repousa no Cemitério São Francisco Xavier no Caju, Rio de Janeiro.
Os interessados na vida e a obra de José Leite Lopes encontrarão uma expressiva documentação, incluindo alguns de seus livros, na Biblioteca Virtual Leite Lopes, instalada na página: http://www.prossiga.br/leitelopes/
Olival Freire Junior é doutor em história social pela USP, com pós-doutorados nas Universidades Paris VII (França) e Harvard (EUA) e professor da UFBA; e José Eduardo Clemente é pós-graduando pelo IF/UFBA.
EDIÇÃO 85, JUNHO, 2006, PÁGINAS 71, 72