Tendo em vista a conquista da reeleição do presidente Lula, o PCdoB, já no início deste ano, apontou alguns pressupostos necessários a um novo êxito das forças avançadas; dentre eles, a formação de uma ampla frente política e a elaboração de um programa que sinalizassem avanços em relação aos êxitos do atual governo. Como você avalia o resultado desse processo?
Renato Rabelo – O resultado desse processo político – ainda em desenvolvimento – envolveria uma análise para além desses pressupostos.
A primeira questão diz respeito à ênfase que é preciso ser dada aos dois desafios enfrentados pelo presidente Lula em seu primeiro mandato. Primeiro, foi urgente circundar a crise herdada e, segundo, tentar construir um processo de transição para um novo projeto de desenvolvimento. Assim, foi necessário enfrentar uma crise iminente, que compreendia: uma acentuada vulnerabilidade do país, a volta da inflação aos dois dígitos, um avançado sucateamento da infra-estrutura do país e os índices econômicos bastante deteriorados. E o governo Lula conseguiu fazer isso ao estabilizar a situação e superar a crise. A partir daí tentou-se abrir caminho para uma transição a um novo projeto de desenvolvimento que pudesse levar em conta a idéia da transformação econômica e social. De certa forma estas questões foram enfrentadas. A crise foi de fato contida e iniciada certa transição, apesar de limitada.
Para este segundo mandato, ora pleiteado – parte-se da situação construída no primeiro governo –, procura-se sustentar um novo ciclo de desenvolvimento mais forte, com distribuição de renda e inclusão social, ampliação democrática e avanço na integração continental. É por essa razão que a reeleição de Lula tem importância de sentido histórico, pois se tal não ocorrer possivelmente se retornará àquela situação lastimável da década de 1990.
Para que o processo político do país avançasse com a conquista do segundo mandato do governo Lula tínhamos frisado, no início deste ano, a necessidade da formação de uma frente ampla e representativa de forças políticas democráticas e progressistas que poderiam, de uma forma ou outra, respaldar um novo mandato de Lula com base na definição de um programa comum que desse curso ao novo projeto de desenvolvimento nacional. Se isso não ocorresse, haveria um vazio político: uma frente ampla sem uma explicitação e consistência política necessária.
Estes dois pressupostos foram levantados pelo PCdoB, além de destacar que no centro dessa movimentação política deveria estar a liderança de Lula, que conquistou maior prestígio popular e elevou a autoridade do Brasil no âmbito das relações internacionais. Assim, a frente ampla, o programa comum e a liderança mais fortalecida de Lula fazem parte do conjunto de pressupostos suscitados no início de 2006.
A frente política que se conseguiu organizar está hoje formalizada em um Conselho Político e é bastante ampla e representativa. Engloba não apenas os partidos que apóiam oficialmente a candidatura de Lula (PT, PCdoB e PRB) – em função das injunções impostas pelas novas regras estabelecidas pela Justiça Eleitoral – como vai além com PSB, PL, PTB e a maior parte do PMDB. Tal frente envolve ainda entidades e representantes do movimento social mais importante do país, personalidades, intelectuais, setores políticos e partidários que apóiam a candidatura Lula em determinadas regiões. Portanto, conclui-se que a reeleição de Lula passou a ter grande respaldo. Boa parte dessas forças está representada no Conselho Político que organiza esses segmentos na atual campanha. E hoje nos chamados palanques de apoio à candidatura Lula nos estados há uma grande amplitude, incluindo também setores vinculados a frentes partidárias que não apóiam Lula, mas que adotam a neutralidade em relação à campanha presidencial.
Quanto ao outro pressuposto – a conformação de um programa comum que fosse expressão de um entendimento de todos os partidos e agrupamentos que apóiam Lula –, ainda está em elaboração. Apesar disso, o projeto inicial deste programa comum inicialmente elaborado por PT e PCdoB está bastante avançado. Em tal projeto, denominado “O enfrentamento do atraso e a construção do futuro”, há uma espécie de comparação entre o passado e a perspectiva vindoura. “Enfrentamento do atraso” se refere à situação herdada das forças políticas conservadoras que sempre conduziram o país e foram responsáveis pela aplicação do projeto neoliberal. “Construção do futuro” compreende a proposta para o segundo mandato – a tentativa de dar maior força à transição ao novo modelo de desenvolvimento nacional. A transição poderia então ganhar celeridade e concretitude.
Na construção do futuro também estão colocados alguns compromissos, como o desenvolvimento com características definidas: com inclusão social e distribuição de renda. Nele, argumenta-se que a distribuição de renda é um fator alimentador do próprio desenvolvimento – e não o contrário, como crêem os tucanos. Que o investimento social e o aumento real do salário (sobretudo o salário mínimo) são fatores alimentadores do desenvolvimento e não um fator produtor de inflação. O pensamento que prevaleceu durante o período anterior era de que o aumento real do salário mínimo e a distribuição de renda seriam fatores de desequilíbrios e ameaça de surtos inflacionários. Um desenvolvimento mais acentuado, com crescimento acima de 5% ao ano, não é um fator inflacionário. Essas questões fazem parte da atual polêmica acerca do desenvolvimento do país e demarcam a diferença entre os projetos em disputa no atual pleito. Um novo governo Lula reúne autoridade para levar adiante este projeto de desenvolvimento mais acelerado com crescimento do emprego e da renda, pelo que alcançou vencer no primeiro mandato.
O outro compromisso para um segundo mandato de Lula envolve a democracia e diz respeito à ampliação da participação democrática – o desenvolvimento do Estado democrático e a participação efetiva do povo e do movimento social, bem como o diálogo necessário com os movimentos sociais. São marcas já evidenciadas no primeiro mandato de Lula e que seriam ampliadas. Neste contexto se situa a necessidade de uma reforma política de caráter democrático que leve em conta a pluralidade partidária do país e aprimore o sistema de representatividade política.
Destaca-se também a adoção de um conjunto de medidas para garantir a segurança publica. Dentre as propostas destaca-se ainda a inserção soberana no mundo, que já foi uma marca durante o primeiro governo de Lula – e seria aprofundada neste segundo. Refere-se a uma política que preserve os interesses nacionais e esteja voltada para as relações Sul-Sul, com grandes parcerias com países continentais como o nosso (China, Índia, África do Sul, Rússia, etc…), a integração da América Latina (em especial a América do Sul) e o reforço à construção de um mundo multipolar, com uma nova conformação política e econômica. Isso leva em consideração um objetivo estratégico da mais alta importância.
Assim, as grandes ações do novo governo Lula estariam respaldadas nestes compromissos. Dentre elas, destaca-se uma de ordem imaterial e outra material: a necessidade de um grande esforço no terreno da educação – levando em conta a universalização da qualidade do ensino público – e, outra, no terreno da infra-estrutura, com sua pedra angular na questão energética: a busca de alternativas energéticas num mundo em que o petróleo vai se tornando escasso. Aqui o Brasil teria condições de ter alternativas concretas por ter enorme potencial e fontes de energia renovável com destaque à biomassa (álcool, biodiesel etc).
Há outras ações como o incremento da produção de maior valor agregado e da inovação tecnológica, como a articulação da integração continental, com ações para a integração física entre os países, e a necessidade de grandes ações de investimento e obras para habitação popular e saneamento básico.

A oposição conservadora tenta dissimular ou ocultar seu verdadeiro programa, utilizando slogans genéricos como “crescimento”, “choque de gestão” e “defesa da ética”. Como a campanha de Lula deve enfrentar esse discurso camuflado da campanha de Geraldo Alckmin?
Renato Rabelo – O discurso tucano fica mais claro pelo que Alckmin nega em relação às propostas de Lula e pela prática dos tucanos quando estiveram no governo federal e em alguns estados, como São Paulo.
No fundo, seu atual programa é o mesmo da era FHC, a chamada era tucana. Claro, ora apresentado programa de forma mitigada, conforme o período ou o momento. Em essência, sua concepção nutre-se da ideologia do Estado mínimo e do pressuposto de que o mercado resolveria tudo, com o Estado tendo um papel de mero administrador da ação do mercado. O mercado seria o centro de todas as saídas econômicas e sociais. Ou seja, sem o mercado como centro, as alternativas de desenvolvimento seriam artificiais. E conforme outra questão fundamental levantada por essa direita dominante, não haveria outra saída para o Brasil no mundo atual “globalizado” a não ser a associação com os Estados Unidos e a Europa, mas, sobretudo, com os EUA. Seria uma saída do tipo Alca (ou Nafta como no hemisfério norte do continente) – uma espécie de associação, mas com o Brasil entrando de forma subalterna. Nesse rumo, o Mercosul seria uma iniciativa ultrapassada. No fundo é esta a proposta básica dos tucanos.
Contudo, a propaganda programática deles, evidentemente, procura dizer que com essas concepções mesmo não explicitadas eles responderão à questão do crescimento do país, provocariam um “choque de gestão” e, levando em conta os últimos acontecimentos políticos, eles seriam os “defensores da ética”. Em verdade, criticam a proposta de Lula, de crescimento com forte investimento social e aumento do salário real, porque ela se choca com a concepção dos tucanos que assinalamos acima. O mesmo ocorre em relação às críticas à proposta de integração sul-americana e às relações internacionais, quando dizem ser mais proveitoso se juntar com os Estados Unidos do que se compor com os “populistas” na América do Sul. É preciso responder a essas questões e armadilhas do discurso tucano.
Em primeiro lugar, no que diz respeito ao crescimento econômico, se se considerar a prática do que ocorreu na era tucana, essa foi justamente a era da estagnação. Com que autoridade moral essa gente vem agora defender o crescimento? Foram oito anos (e não um mandato apenas) de aprofundamento da chamada década perdida (1980). E eles ainda contribuíram para mais uma década de retrocesso.
Em segundo lugar, quanto ao chamado “choque de gestão”, mesmo com todo o potencial do Brasil em recursos energéticos e um montante de mais de 100 bilhões de dólares arrecadados nas privatizações, a gestão tucana foi capaz de produzir um apagão de grandes proporções. Que capacidade de gestão é esta!?
No que se refere à ética, basta ressaltar que as privatizações no governo FHC ficaram conhecidas como “privataria” – marcando um período de maior incidência de grande corrupção no período republicano. Mas, diferentemente de hoje, todos os escândalos foram abafados e os tucanos e a direita usaram um rolo-compressor para impedir as investigações (as CPIs foram impedidas de funcionar por parte daquele governo da aliança PSDB-PFL). Outro exemplo da ética tucana foi a aprovação do instituto da reeleição, para atender a seus interesses políticos, episódio rumoroso que campeou todo tipo de ilícitos – tudo prontamente abafado pelos novos “éticos” da atualidade.

A oposição conservadora procura com o escândalo das sanguessugas impor o debate da ética como a questão central da disputa. Como a campanha de Lula deve reagir a isso?
Renato Rabelo – A tentativa de criar ou forjar uma crise política se fixando na moralidade em geral, sempre foi uma tática utilizada pela direita e pelos setores dominantes diante de novos governos, sobretudo os de sentido progressista, em nosso país. Com ela, eles procuram desqualificar os governos progressistas via discurso moralista. Historicamente temos citado exemplos disso, principalmente no período udenista, com seu discurso moralista raivoso (ensaiado hoje pelos representantes do PFL e do PSDB) visando a atrair a chamada classe média.
Mas, a verdade que se procura esconder é a seguinte: sob o governo Lula tem havido liberdade de investigação e apuração por parte dos órgãos e instituições estatais e governamentais. Esse correto procedimento acabou impedindo que uma série de acontecimentos de corrupção e ilícitos fosse abafada. Assim, justamente no governo Lula as denúncias e punições têm ocorrido – como nunca se fez em nenhum governo anterior. A ampla liberdade de investigação, apuração, a existência e funcionamento pleno das CPIs não aconteciam antes. O governo permitiu-se ter um ambiente, como antes não existia, para investigar, denunciar e punir. Portanto, a impunidade não está ocorrendo, o que é um dado saliente deste governo – distinto da situação vivida no período do governo tucano de Fernando Henrique. A Polícia Federal tem autonomia e age, CPIs são instauradas, a Controladoria Geral da União (CGU) tem atuado como nunca. Esse escândalo das sanguessugas veio à tona porque partiu do então ministro Humberto Costa a iniciativa de apuração, em recurso à CGU, mas os ilícitos agora revelados já vinham desde o governo anterior.
Para resolver os problemas de corrupção e afins há necessidade de uma democratização maior do Estado e o estabelecimento de instrumentos de controle social para evitar o desvio do dinheiro público e a realização de uma reforma política democrática, que é um fator importante para se aprimorar a representatividade política e seus elementos.
Em suma, pelo próprio fato de não existir uma situação de impunidade, com a publicização dos responsáveis pelos ilícitos e as inúmeras condenações, podemos afirmar que no governo Lula tem sido constante o combate à corrupção e, por isso mesmo, vem à luz do dia o subterrâneo que era desconhecido e mantido no governo anterior, contraditoriamente ao que dissemina a maior parte da mídia e da oposição que a corrupção maior é no governo Lula.
Agora em agosto, na abertura dos sessenta dias decisivos da campanha eleitoral é nítida a tática da oposição conservadora (PSDB/PFL) de tentar arrastar a disputa para o segundo turno. No seu modo de ver, a que estratagemas essa oposição recorre para tal fim? E qual deveria ser o procedimento político da campanha Lula para não ficar sob a égide da tática de seus adversários?
Renato Rabelo – Faz parte da atual campanha que Lula é uma candidatura com apoio de vastas camadas populares. Segundo as pesquisas espontâneas, ele já tem 35% de apoio, que expressam o voto já decidido. Levando em conta o nível das pesquisas, se ele chegar a 37-38% na espontânea, pode até ganhar no primeiro turno. Diante disso, a tática da oposição é tentar desconstruir esse amplo apoio a Lula. Tenta desconstruir o governo e a autoridade do presidente, procurando abalar sua liderança política. Nesse rumo, a direita apela mais uma vez para um discurso agressivo e intolerante de denúncia de corrupção, tentando envolver o governo.
Isso é uma prova de que a oposição conservadora não encontrou condições para enfrentar o governo no terreno das propostas e das idéias, nem no terreno dos resultados alcançados pelo governo. Com tal enfrentamento, a oposição não conseguiria erodir a autoridade do governo Lula. Portanto, numa tentativa de desmoralizá-lo, os setores conservadores utilizam a política rasteira, de baixo calão, a campanha negativa (que dizem ter tido êxito na recente eleição mexicana). Tentando desconstruir a qualquer custo a liderança política de Lula, para permitir levar a disputa ao segundo turno, já reconhecendo abertamente o risco de serem derrotados desde o primeiro.
Mas, na campanha Lula há a compreensão de que se está preparado para vencer no primeiro e no segundo turno.

Devido à candidatura Alckmin não decolar, percebe-se uma benevolência da direita e da mídia com Heloisa Helena…
Renato Rabelo – A direita e sua mídia utilizam esse recurso secundário para tentar forçar um segundo turno, reforçando uma candidatura à esquerda a Lula – o extremismo de esquerda. Mas hoje vai ficando claro ser este também um instrumento perigoso para eles, pois Heloisa Helena começa a tirar votos de Alckmin. Ela cresce subtraindo eleitorado da direita. Segundo as pesquisas, boa parte dos eleitores de Heloisa Helena votaria em Alckmin (52%, pela última informação disponível).
Nossa tática é a defesa do governo Lula, mostrando que comparativamente com a era tucana houve mudanças e muitos avanços significativos, e este é o governo que se coloca com maior autoridade e capacidade para dar curso à tentativa de um novo projeto que norteará um ciclo de desenvolvimento mais acelerado com distribuição de renda. De um lado, a campanha de Lula tem de mostrar ao povo quem são os tucanos e quais seus intuitos e também, de outro, o equívoco do voluntarismo que prega ilusões e contribui em última instância para a volta das forças conservadoras alijadas em 2002.

Que mensagem política o PCdoB tem apresentado aos eleitores para vencer a cláusula de barreira?
Renato Rabelo – Em primeiro lugar, o PCdoB deve combater idéias como as que defendem a necessidade de se ter agora um “plano real na política”, com uma reforma política restritiva para acabar com o número “excessivo” de partidos. Isso é uma atitude antidemocrática e apenas beneficia o atual status quo. A vida política mostra que nossa realidade é plural, forjada pelo próprio eleitorado. Dessa forma, promover a restrição aos partidos tem essência antidemocrática.
Em segundo lugar, o critério de representatividade partidária, adotado com a cláusula de barreira de 5% na votação à Câmara dos Deputados, é errado justamente porque se resume à Câmara – por ter sido copiado do modelo alemão (que é um sistema diferente e unicameral).
O PCdoB continua na luta e defende uma reforma política democrática, que fortaleça e não restrinja os partidos, levando em conta outros critérios e mecanismos de aperfeiçoamento democrático. Por exemplo, com a lista pré-ordenada dos candidatos e o financiamento público das campanhas seria gerada uma mudança para melhorar o atual sistema de representatividade. Nessas novas condições, a cláusula de barreira nem teria mais sentido.
O PCdoB luta para ter uma bancada maior na Câmara Federal e ampliar sua presença no Senado. Além disso, estamos presentes na disputa ao governo do estado do Tocantins e temos candidaturas a vice-governador em estados como o Rio Grande do Sul e São Paulo.
É importante ressaltar que, dentre os demais partidos, o PCdoB tem vida organizada e permanente. Atua o ano todo, e não apenas nas eleições. Tem seus instrumentos de atuação em todo o país. Está organizado no seio do povo e da sociedade. Tem explicitação ideológica clara. E não se envolveu em nenhum dos recentes acontecimentos negativos tão propalados atualmente.
Por tudo isso, temos a convicção de que o apoio que sempre tivemos do povo e das forças progressistas será ainda maior nestas eleições.

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Adalberto Monteiro é jornalista e editor de Princípios.

EDIÇÃO 86, AGO/SET, 2006, PÁGINAS 6, 7, 8, 9, 10, 11