Desenvolvimento: uma agenda para além da estabilidade
1. A eleição presidencial de 2006 oferece aos brasileiros uma oportunidade para definir uma nova agenda de desenvolvimento.
2. Na vida democrática contemporânea o sufrágio universal não se limita a conferir legitimidade aos que recebem mandato para o exercício do poder, mas deve exprimir a soberania do povo sobre temas e metas de interesse dos cidadãos-eleitores. Deliberada, ou involuntariamente, nas últimas décadas essas questões foram usurpadas pelos mercados e seus porta-vozes. Vivemos o questionamento e a luta pela reversão e superação desse processo.
3. As condições internacionais, com a crise da hegemonia neoliberal, abrem espaço para a retomada do desenvolvimento. Os impasses que limitam o avanço dessa nova agenda no Brasil escapam à lógica estreita do economicismo. Originam-se antes, e acima de tudo, na incapacidade das camadas dominantes de construir as articulações necessárias a um projeto nacional capaz de promover conjuntamente a prosperidade econômica, o avanço da igualdade social e a garantia efetiva das liberdades políticas. Essa inépcia – é preciso dizê-lo com todas as letras – aprofunda o amesquinhamento do imaginário social e a ausência de compromissos históricos capazes de reinventar um futuro que não seja a dolorida e indesejável reiteração do passado.
4. Aos desequilíbrios sociais, econômicos e culturais do passado associou-se, com o predomínio do neoliberalismo, o revigoramento do individualismo darwinista. Sua hostilidade aos destinos coletivos é impossível exagerar. Esse arranjo tem feito prevalecer deformações socioeconômicas que se evidenciam em democracias oligárquicas, repúblicas privatizadas e nações desprovidas de projetos nacionais. O resultado tem sido o semidesenvolvimento que submete os povos, há mais de duas décadas, ao flagelo do crescimento medíocre, incapaz de conter a deterioração valores da convivência solidária.
5. Uma nova etapa do desenvolvimento brasileiro e latino-americano exige a construção de uma hegemonia democrática vigorosa o bastante para superar essa armadura de consensos pré-fabricados nas usinas da desigualdade e da injustiça. Essa, a relevância da integração política e econômica, é que está mudando a paisagem continental.
6. A próxima eleição presidencial do Brasil pode contribuir para desarmar a engrenagem produtora de uma lógica social e econômica ao mesmo tempo intolerável e auto-referente. Diante dos obstáculos ao desenvolvimento, é necessário que partidos e candidatos assumam seu papel, respeitando a política como o espaço da liberdade. Em especial, a liberdade dos que não dispõem de poder econômico, social ou burocrático para projetar seu próprio destino.
7. No Estado Democrático de direito, a nenhuma instância do aparelho estatal é permitido exercer autoridade, ou atribuir-se esferas de independência decisória, sem que para isso haja uma delegação da soberania popular. Tampouco se deve tolerar que os poderes privados da economia ou da mídia – como afirmava Karl Mannheim, um dos inspiradores de Celso Furtado – tenham a pretensão e a prepotência de se impor à sociedade como se estivessem acima da lei.
8. Reconhecer os direitos civis, sociais e econômicos das classes desfavorecidas – e ao mesmo tempo ampliar os canais de participação da sociedade nas decisões – é a melhor maneira de fortalecer e aprofundar a democracia, o voto e a esperança, bem como superar as assimetrias de poder e riqueza.
9. Esse é o desafio lançado pela cidadania aos que disputam a eleição presidencial. Se, na sociedade moderna, é obrigação dos especialistas e técnicos debater abertamente as alternativas de políticas públicas, não cabe aos mercados ditar condições – em nome de uma racionalidade abstrata – com a pretensão de desacreditar escolhas políticas que decorrem do exercício pleno da soberania popular – antes, durante e depois do voto.
10. Para além da agenda da estabilidade, exortamos partidos e candidatos à Presidência da República a se comprometerem a buscar um novo pacto político para superar o abismo que separa liberdade civil de igualdade econômica em nossa história.
11. Um pacto político – vale dizer – que possibilite à grande maioria da sociedade resistir a imposições dos mercados e afirmar definitivamente uma nova agenda de desenvolvimento para o Brasil. Uma agenda que garanta maior crescimento econômico e substancial melhoria de vida para o nosso povo.
12. Cabe, portanto, às lideranças progressistas retomar a construção interrompida – assinalada por Celso Furtado – rumo a um Brasil em que a democracia não seja apenas coadjuvante do desenvolvimento, mas possa modificar sua substância para torná-lo, de fato, duradouro, justo e humanista.
Pela Diretoria do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento: Luiz Gonzaga Beluzzo – Presidente Institucional; Maria da Conceição Tavares – Presidente Acadêmica; Rosa Freire d’Aguiar Furtado – Presidente Cultural. Rio de Janeiro, 25 de julho de 2006.
EDIÇÃO 86, AGO/SET, 2006, PÁGINAS 22, 23