Enfrentar o desafio da reforma política
A Câmara dos Deputados, por iniciativa sua, realizou em maio último, um seminário sobre o desenvolvimento nacional. Neste momento em que os partidos que sustentam a campanha pela reeleição do presidente Lula concluem a elaboração do programa de governo, que diretrizes em sua opinião devem reger esse programa?
Aldo Rebelo – A grande meta é um programa de unidade nacional, baseada num projeto desenvolvimentista que assegure soberania e independência ao País em todos os campos. Trata-se de construirmos uma Nação forte e justa, com a universalização dos direitos sociais e bem-estar generalizado do povo. É inexorável que a política econômica seja aperfeiçoada no segundo governo do presidente Lula. Terá de equilibrar a decisão de garantir a estabilidade do governo e promover o desenvolvimento, sob pena de cobrar um preço alto para a população. Certamente crescerá de forma mais consistente o debate acerca das políticas de juros e de câmbio, as metas de superávit e os custos da dívida, de forma que a economia seja desemperrada e haja recursos para investimentos. Não há atalhos nem encruzilhadas: estamos condenados a trilhar a mão única do desenvolvimento. Só crescendo o País vai extinguir as graves desigualdades sociais que constituem um estigma histórico.
A campanha de Geraldo Alckmin, nesta fase decisiva, radicaliza os ataques ao presidente da República. Conforme Lula denuncia, “há rancor e ódio” na conduta da oposição. De onde vem essa agressividade da direita? Trata-se meramente de uma conduta de marketing ou revela questões de essência das elites brasileiras?
Aldo Rebelo – A elite brasileira não é o diabo que muitos pintam. Alguns dos nossos maiores patriotas e estadistas saíram da elite, como a maioria dos protagonistas da Conjuração Mineira, o próprio José Bonifácio ou Getúlio Vargas. Uma exceção luminosa foi o caboclo Floriano Peixoto, nascido tão pobre que os pais o deram para um tio criar. Mas ele soube associar-se à burguesia agrária de São Paulo para consolidar a República. Convém notar ter sido com esta elite que construímos um grande País. O problema é que, tal como outros estratos, a elite tem desvios antinacionais. Alguns setores vivem de costas para o Brasil e preferem nos recolonizar. Outros alimentam uma consciência nacional fraca e vacilante. E há ainda aqueles para os quais a democracia é o melhor regime – desde que exclua o povo. São estes que tradicionalmente recorrem a golpes para manter-se no poder ou impedir a ascensão das classes populares. Num ambiente de amplas liberdades democráticas, como o de hoje, desesperam-se ao ter de disputar no voto o que sempre conquistaram no grito.
Em outubro do ano passado, logo após sua vitória à presidência da Câmara, como resposta ao anseio da sociedade que reclamava medidas para combater pela raiz os escândalos referentes a financiamento de campanhas, o senhor propôs aos líderes partidários a imediata realização da reforma política. Apesar dos esforços, ela não foi votada. Por que isso aconteceu?
Aldo Rebelo – Algumas reformas são pactos sociais difíceis de tecer, mas o relatório final da reforma política foi feito pelo deputado Ronaldo Caiado e teve aprovação unânime na comissão especial criada para analisá-la. Nesse momento há um clamor da sociedade por mudanças que aperfeiçoem o sistema de representação política. O relatório da reforma política, feito pelo deputado Ronaldo Caiado, está pronto para ser votado e teve aprovação unânime na comissão especial.
O que o senhor achou da proposta do presidente Lula de convocar uma Assembléia Constituinte?
Aldo Rebelo – Há um grande debate, quase um consenso, sobre a reforma política. É quase uma exigência. O País precisa de uma reforma que passe a limpo o sistema político, partidário. A Câmara já se antecipou a esse debate. Esse relatório do deputado Ronaldo Caiado foi amplamente discutido por todos os partidos. Nele, estão previstos dois pontos fundamentais, que todos exigem e é quase um clamor: o funcionamento público de campanha, o voto em lista para valorizar e favorecer os partidos. E nós temos ainda, já aprovado numa comissão especial da Câmara presidida pelo deputado Michel Temer, o relatório do deputado Roberto Magalhães, de projeto de autoria do deputado Luiz Carlos Santos, que prevê a convocação de um Congresso revisor. Ou seja, o próprio Congresso assumiria o papel de Congresso revisor e discutiria, entre outras questões, a reforma política que poderia ser aprovada. Precisamos pautar a reforma política, fazer a reforma política. Não sei se o melhor caminho é a convocação de uma Constituinte exclusiva para essa finalidade, pois o próprio Congresso e a Câmara apresentaram alternativas já prontas para votar, como é o caso da proposta do deputado Ronaldo Caiado ou também para exame do próprio Congresso revisor relatado pelo deputado Roberto Magalhães.
O senhor acha, então, não ser preciso mandar proposta de Assembléia Constituinte para a reforma política pelo fato de já existir um projeto pronto para ser analisado?
Aldo Rebelo – Pelo meu entendimento, se o Poder Executivo quiser participar desse debate – não sei se é o caso como Poder –, ele pode enviar propostas ou projetos. Ressalto o fato de existir – depois de processo de ampla negociação, inclusive com aprovação consensual na Comissão especial que analisou o tema – uma proposta de reforma política que prevê duas medidas que resolvem boa parte da reforma política: o financiamento público e o voto em lista. Um desses dispositivos disciplina o financiamento e, o outro, fortalece, moraliza e prestigia os partidos e não as individualidades. Para mim, aí reside a boa parte da fonte dos dilemas e dramas que vivemos nos dias de hoje.
A criação de uma Assembléia Constituinte é polêmica. Alguns juristas criticam, dizendo que a Constituição não prevê esse instrumento. Aldo Rebelo – Já tivemos várias Assembléias Constituintes no Brasil – a última presidida pelo saudoso deputado Ulysses Guimarães. Devemos é examinar se para esse caso específico há necessidade disso. Pela minha opinião, embora a expectativa da reforma política seja clamor nacional – acredito que o presidente da República também partilhe dela –, para essa finalidade não precisamos da Assembléia Constituinte. Já temos os instrumentos capazes de enfrentar a necessidade da reforma política. Ou enfrentamos pelo projeto já existente do deputado Ronaldo Caiado ou enfrentamos pela proposta relatada pelo deputado Roberto Magalhães. Por essas duas alternativas podemos enfrentar com tranqüilidade e espírito democrático o desafio da reforma política.
Diante do escândalo da máfia das sanguessugas, além das punições aos que comprovadamente cometeram crimes, que medidas poderiam ser adotadas para proteger o Parlamento brasileiro de situações tão aviltantes como esta?
Aldo Rebelo – O Legislativo é o poder popular por excelência, pois seus 594 integrantes (513 deputados e 81 senadores) são eleitos diretamente pelo povo. Reflete a composição, as deformidades e virtudes da sociedade nacional. É necessário protegê-lo dos aventureiros e, na mesma medida, dos pescadores de águas turvas que em tudo vêem pretexto para enfraquecê-lo. Não queremos um Parlamento infectado por mafiosos, tampouco o velho Congresso elitista. Nosso desafio é fortalecer o Parlamento como a Casa do Povo, consolidando sua legitimidade e conexão com os interesses nacionais.
Se o senhor tivesse de destacar três razões para justificar a importância da reeleição do presidente Lula quais apresentaria?
Aldo Rebelo – A reeleição do presidente Lula em 2006 é, por paradoxal que pareça, mais determinante que a eleição em 2002. Mais importante que conquistar o governo é mantê-lo nas mãos da frente popular e democrática que elegeu um presidente de origem operária. Quatro anos são um átimo histórico na trajetória de cinco séculos de um país marcado pela exclusão social, concentração de bens e renda, desrespeito aos direitos da maioria da população. A permanência dessa frente no governo significará a continuidade dos programas sociais que destacam esta administração. O salário mínimo aumentou, a renda do trabalhador melhorou, o povo está comendo mais. Na outra ponta, cumpre manter a política externa realmente independente, afinada com os interesses nacionais e dos aliados, baseada no multilateralismo e não em alinhamentos automáticos que tanto mal nos causou no passado. O povo entende isso e mostra intenção de reeleger o presidente Lula.
O seu partido, o PCdoB, enfrenta nestas eleições a cláusula de barreira de 5%, tendo inclusive lançado um “apelo democrático” aos eleitores em busca de apoio para vencer esse obstáculo. Que argumento o senhor apresenta aos eleitores quanto à importância dos comunistas no Congresso Nacional?
Aldo Rebelo – Atrevo-me a dizer que os comunistas são o fiel da democracia. Sua presença institucionalizada na cena política atesta a maturidade do regime democrático, ao contrário de outros tempos em que se tentou banir esta corrente política e ideológica – com golpes de tribunal, como em 1947, com truculência implacável, como em 1935, 1937 e 1968, como forma de impedir a livre organização da sociedade. Não só para nós, a cláusula de barreira de 5% é um travo antidemocrático. Este número cabalístico foi abstratamente copiado da legislação eleitoral da Alemanha. Os alemães tinham lá seus motivos para conter o que chamam de excesso de partidos. No Brasil não há excessos de partidos. São 30 para um universo de 126 milhões de eleitores. Países muito menores têm dez vezes mais partidos. No meu entender, um grupo de cidadãos tem direito de se organizar em torno de um programa que não esteja expresso em outras plataformas e disputar o poder.
Por Adalberto Monteiro
EDIÇÃO 86, AGO/SET, 2006, PÁGINAS 18, 19, 20, 21