A proclamada morte da esquerda em todo o mundo foi, como demonstram os fatos e a História atual, muito mais manifestação de desejo por parte dos governantes e precipitação dos teóricos defensores do capitalismo do que a expressão da realidade.

É correto afirmar que a esquerda sofreu ao final do século passado um revés de grandes proporções, obrigando-a a repensar toda uma trajetória inaugurada em 1917 com a vitória da revolução soviética, espalhando suas esperanças, materializando-se por todos os continentes.

A investigação do episódio que alterou o curso do contexto mundial exige apurado estudo multifacetário, inclusive do equilíbrio geopolítico do planeta, favorecendo atualmente a construção de um mundo unipolar sob a hegemonia incontestável do império do norte, que espalha seus interesses e tropas pelos vários continentes.

O surgimento de blocos como a União Européia, o Mercosul, o estreitamento das relações entre Brasil, China, África do Sul, Índia representam iniciativas ainda no âmbito da resistência neste quadro.
No entanto, a inquestionável superioridade militar dos EUA, combinada ao dólar como padrão planetário da economia e das finanças, alavanca o alto padrão de consumo da sua população. Além do complexo industrial militar, dos investimentos científicos e em tecnologia de ponta. Mas também acarreta o gigantesco desequilíbrio financeiro em suas contas. Na verdade, no entanto, em horizonte perceptível, tal hegemonia encontra-se distante de ser alterada em favor dos povos do mundo inteiro.

De fato são enormes as despesas em gastos militares e as dificuldades dos EUA em manter suas ambições imperiais. A trágica resistência em Iraque, Afeganistão e em vários outros países, as baixas sofridas pelos exércitos de ocupação norte-americanos e ingleses, a adoção nos EUA e na Inglaterra de legislações autoritárias, além de espionagem, provocam altos índices de impopularidade de seus governos e principais mandatários.

A aventura guerreira por riquezas começa a exigir um imenso custo em mortes, recursos econômicos, insegurança dos cidadãos americanos e ingleses. No entanto, tamanha é a força militar e financeira dos Estados Unidos que, mesmo assim, seus interesses encontram poderes suficientes para confrontar a União Européia, tentar desestabilizar o mercado comum entre as nações sul-americanas, ameaçar o Irã, a Coréia do Norte, além da capilarizada presença de tropas no continente africano e em várias regiões do mundo.

Neste contexto, os conflitos se apresentam sob a égide da globalização. Quer pelos novos instrumentos de alta tecnologia postos à disposição das guerras expansionistas ou em função dos interesses do capital financeiro.

Torna-se evidente a contradição entre os discursos que pretextam a defesa da democracia – por parte de uma nação “predestinada” a arbitrar questões internas de outros países – e o seu objetivo real: a anexação de matérias-primas estratégicas.

Na verdade, assim como a globalização, a velocidade cibernética e a volatilidade do capital rentista em busca de mercados com juros atraentes são situações incontestáveis.
Apesar disso, a época dos Estados nacionais, longe de ser uma premissa ultrapassada, é uma realidade indiscutível.Como em poucas vezes na História dos Estados Unidos, a reafirmação de sua “liderança mundial” tem sido exaustivamente alardeada a seus cidadãos como justificativa à sua política externa intervencionista.

A proclamação dos valores norte-americanos, modo de vida, símbolos pátrios tem se transformado em uma verdadeira “lavagem cerebral” – denunciam intelectuais americanos de estatura internacional “insuspeitos” por não pertencerem a nenhum partido de esquerda.

Na própria justificativa das agressões externas usam como argumento a defesa dos princípios de democracia, direitos humanos ou “guerra santa” em defesa do mundo ocidental cristão.
Ao mesmo tempo mobilizam o poderio militar e a opinião pública, exaltando como “tarefa divina” desta nação policiar os hereges. Trata-se de uma nova cruzada contra os infiéis. Mistura-se religião, o perigo marxista, além da ameaça de armas atômicas contra o território do Império.

Paradoxalmente, os maiores promotores do terrorismo global, desencadeado por Osama Bin Laden e seus seguidores, são os EUA. Mesmo porque eles é que financiaram, armaram, operaram a logística, a inteligência, protegeram em seu território essa organização, sob as suas ordens, durante o período final da guerra fria. Seus destacados líderes freqüentaram universidades norte-americanas.
Seu papel foi de fundamental importância na guerra contra o governo progressista afegão, respaldado pela então União Soviética.

Suas famílias possuíam negócios milionários nos EUA, protegidos pelo clã do presidente Bush pai. Suas relações com os bilionários do petróleo do país eram abertas.
Igualmente, com os senhores das armas do império. Trata-se, por conseguinte, de uma causa podre, jamais de uma luta em defesa de altos princípios civilizatórios.

Em conseqüência destas observações acredito que possamos abordar a discussão sobre as formas com que ao longo do século passado os povos, as nações, colonizadas ou neocolonizadas, enfrentaram a luta contra os diversos impérios e as suas características em conjugação com o período Histórico em que elas existiram.

Ao mesmo tempo, observarmos maior ou menor conteúdo de compromisso social com que essas batalhas memoráveis se apresentaram. Algumas delas tinham como base principal a afirmação da soberania nacional aviltada. Sem dúvida, no contexto histórico determinado, possuía caráter avançado, progressista mesmo.

Outras contendas pela libertação nacional, além desse propósito fundamental, estavam associadas a outro objetivo de conteúdo e sentido revolucionário. Visto que associavam ao combate pela independência nacional, a empreitada pela transformação social, extremamente injusta, excludente às grandes massas populares. Os dois caminhos, nesses casos, incorporaram-se em um único.

Os primeiros exemplos aconteceram em Brasil, Indonésia, Egito, Índia em 1949, algumas nações da África, entre várias outras. Nesses casos, prevaleceu como vetor central a autonomia nacional.
Evidentemente, em tais condições, a participação de movimentos, organizações e partidos com programas vinculados às transformações estruturais da sociedade confundiam-se em alianças com os nacionalistas desvinculados de projetos revolucionários, circunscritos ao caminho da autodeterminação nacional.

Porque em dadas circunstâncias políticas e históricas, mesmo limitado, o projeto de tornar o país dono do seu próprio destino já representava uma tremenda ousadia contra as forças retrógradas, reacionárias mesmo, tanto internas como externas.
Para aí confluía a trajetória de todas as forças envolvidas na peleja contra as várias formas de imperialismo.

Em outros casos, esse mesmo ambiente, através de circunstâncias particulares, distintas de um país para outro, fez com que o grande movimento pela soberania política, econômica, cultural de certas nações estivesse bastante articulado através de uma luta intimamente associada com as transformações sociais mais radicais.

Pode-se citar China, Vietnã, Cuba, determinados movimentos anticolonialistas na África, inclusive de colonização portuguesa. As realidades foram diversas, a maturidade e experiência das vanguardas diferenciadas.

Muito já se falou sobre o fato de ao ser atingido um estágio avançado, quando a humanidade dispensar a existência de Estados nacionais e conseqüentes fronteiras, persistirão as identidades de cada povo, suas permanências e renovações.

Este momento da História, como já se constatou anteriormente, encontra-se longe de acontecer. Mas a globalização é um fenômeno concreto decorrente da revolução científico-tecnológica. Apesar disso, não exclui o papel do Estado-nação. E as abissais distâncias entre os países ricos e a esmagadora maioria dos emergentes ou mesmo miseráveis.

Na atualidade, a defesa dos interesses de um país confunde-se com a sobrevivência do seu povo, da sua cultura, auto-estima, das suas riquezas e conhecimentos.

Nestes tempos, o conceito de guerra ou anexação de territórios tornou-se mais complexo e sutil. Faz-se através de um ataque especulativo na economia. Como também pela recusa em consentir que determinado país desenvolva ciência e tecnologia de excelência. Ou pela absorção acrítica, subliminar de valores culturais que nada representam de elevado para a humanidade.

Atualmente, dizem os chineses, filósofos milenares, sobre a arte de combater que, por um lado, já não é mais possível rotular a guerra como recentemente, porque através de todo o curso da História, a guerra sempre tem mudado.

Por outro, em países como o nosso, vítima durante décadas dos horrores de uma ditadura militar que usou os símbolos nacionais como forma de legitimação, criou-se um estigma sobre o sentido de patriotismo, das nossas referências como nação. Muito lentamente este trauma vem se dissipando.
Domenico Losurdo, intelectual e militante marxista italiano, alerta para a diferença entre a retórica patrioteira de certos regimes e a verdadeira defesa dos interesses nacionais como elemento-chave para a resistência, em largo sentido, de um povo contra o imperialismo.

Reafirma, a meu ver, a distância entre o nacionalismo xenófobo, fascista, obscuro e imperial, e o que ele considera o nacionalismo de caráter universal. A diferença reside em que esse último apóia-se nas relações de igualdade e autodeterminação dos povos.
A luta pela emancipação social passa pela reafirmação nacional contra a dominação dos gigantes imperialistas. Reserva estratégica dos trabalhadores para sua libertação de classe. É o que a História nos ensina.
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Eduardo Bomfim é advogado e ex-deputado federal constituinte pelo PCdoB/AL (1987-1990).

EDIÇÃO 86, AGO/SET, 2006, PÁGINAS 32, 33, 34