Numa das mais renhidas sucessões presidenciais da história da República, Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito presidente do Brasil. Esta vitória se deu por uma conjugação de fatores em que se destacam: a sabedoria do povo, a firmeza dos partidos progressistas e de esquerda, as qualidades e a força da liderança do presidente Lula, as realizações do primeiro governo e o avançado programa com o qual ele foi reeleito.

O novo governo nasce sob circunstâncias e possibilidades políticas melhores do que o anterior.
Primeiro: tanto o presidente reeleito quanto a frente partidária agora assumiram compromissos mais avançados do que em 2002. Em vez da dubiedade programática na qual acabou prevalecendo a “Carta aos brasileiros”, assinada devido às pressões do capital financeiro, Lula é reeleito compromissado com um único programa, cujo resumo ressaltado por ele mesmo é “desenvolvimento, distribuição de renda e educação de
qualidade”. Apesar de suas limitações, o primeiro governo livrou o país da herança maldita de FHC e criou as bases para o desenvolvimento.

Segundo: Lula foi reeleito com mais de 58 milhões de votos, maioria que perpassa todas as regiões do país e eleitores de todas as classes sociais, tendo, é claro, o povo como a parte majoritária. A reeleição deu-se, também, sob polarizado confronto programático em que o ideário do neoliberalismo foi rejeitado a ponto de o candidato Geraldo Alckmin ocultá-lo ou, de modo oportunista, negá-lo em alguns aspectos, como no caso
das privatizações.

Terceiro: tudo indica que o novo governo terá o apoio da maioria dos governadores eleitos. A correlação de forças no Congresso Nacional pende a seu favor. O “centro” representado pelo PMDB pode em bloco respaldá-lo. Por sua vez, PT, PCdoB, PRB e PSB estão coesos e são a base da aliança. Setores da esquerda dispersos reaproximam-se. Alarga-se, também, o apoio nos movimentos sociais.

Quarto: apesar das persistentes incertezas que marcam a conjuntura e a economia mundiais em decorrência da crise estrutural do capitalismo e da política de guerra do imperialismo norte-americano, comparativamente a 2002 a situação internacional passou por alterações positivas. Há quatro anos, os povos estavam sob a ofensiva do agressivo governo Bush; hoje, esse governo e sua nociva política perderam força. No entanto, na América Latina, sobretudo na sua parte sul, o movimento patriótico, democrático, e popular se fortaleceu.

Em suma, o presidente está reeleito com plena legitimidade para liderar uma ampla coalizão política, partidária e social, para tornar realidade o projeto com que se comprometeu perante a nação. Os condicionantes internos e externos e a correlação de forças favoráveis em termos relativos criam as condições para o novo governo ser mais ousado do que o anterior. É possível fazer avançar com mais determinação e rapidez a
transição iniciada de superação do neoliberalismo e, efetivamente, conduzir o país a um ciclo de desenvolvimento acelerado e duradouro – assentado na democracia, na soberania e na integração regional – que distribua renda e eleve a qualidade de vida do povo.

Contudo, seria pura ilusão imaginar que esse processo ocorrerá de modo automático. Haverá forte oposição das classes dominantes, notadamente do complexo financeiro e de seu sistema de mídia. A direita dispõe de muita força e seu principal partido (o PSDB) estará à frente de três estados importantes: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. À medida que o novo governo começar a realizar seu programa, incluindo a necessária mudança da política macroeconômica conservadora que impediu um crescimento econômico maior no governo passado, as contradições tenderão a se acirrar. De imediato, as disputas e pressões se manifestarão na própria montagem do governo e na fixação de sua agenda prioritária.

Para enfrentar e vencer a pressões da oposição, o novo governo – alicerçado na sua legitimidade, na ampla coalizão política e social, e na mobilização popular – deverá com coragem política e ousadia vencer tais resistências e tornar realidade o seu programa. Seu êxito é determinante para fazer avançar o novo ciclo político, democrático, patriótico, e popular iniciado pela vitória de 2002.

EDIÇÃO 87, OUT/NOV, 2006, PÁGINAS 3